O mundo deve enfrentar um aumento expressivo nas mortes por câncer nas próximas décadas. Um estudo publicado na quarta-feira, 24, na revista científica “The Lancet” projeta que o número anual de óbitos chegue a 18,6 milhões em 2050, um salto de 75% em relação a 2024. O avanço está diretamente ligado ao crescimento e envelhecimento da população, mas também à falta de políticas de prevenção e tratamento, especialmente em países de baixa e média renda.
Entre 1990 e 2023, o número de novos diagnósticos de câncer mais que dobrou, passando de 9 milhões para 18,5 milhões. As mortes aumentaram 74%, alcançando 10,4 milhões no ano passado. Apesar dos avanços em terapias e da redução das taxas ajustadas por idade em alguns países, o volume absoluto continua em alta e deve atingir 30,5 milhões de novos casos anuais em 2050. Segundo a pesquisadora e professora da Universidade Federal de Minas Gerais, Deborah Malta, uma das autoras do estudo global, o fenômeno é resultado da transição demográfica. Ela explica que o aumento é inevitável diante do envelhecimento populacional e da maior expectativa de vida. Ao mesmo tempo em que mortes por doenças cardiovasculares tendem a cair, o câncer se tornará cada vez mais a principal causa de óbito crônico.
Os dados revelam um cenário desigual. Países ricos conseguiram reduzir em até 30% as taxas de mortalidade padronizadas, devido ao acesso a rastreamento, diagnóstico precoce e terapias modernas; enquanto países pobres viram as taxas aumentarem, impulsionadas por diagnósticos tardios e pela ausência de infraestrutura hospitalar. Deborah Malta observa que, nos países de baixa e média renda, as dificuldades são de várias ordens: prevenção insuficiente, diagnóstico tardio e pouco acesso a tratamentos. Ela destaca que o Brasil, com o Sistema Único de Saúde (SUS), está em posição mais favorável em comparação a muitos países dessa faixa de renda, pois garante políticas universais de rastreamento e oferta de cirurgia, quimioterapia e radioterapia.
O estudo calcula que 42% das mortes por câncer em 2023, o que corresponde a 4,3 milhões de pessoas, poderiam ter sido evitadas com mudanças de hábitos. Os fatores de risco mais relevantes são o tabagismo, que é responsável por 21% das mortes, dieta não saudável, alto consumo de álcool, obesidade, glicemia elevada, poluição do ar e riscos ocupacionais. Para Deborah Malta, a prioridade deve ser o controle do tabaco. Ela afirma que medidas como aumento de impostos, proibição de publicidade, ambientes 100% livres de fumo e campanhas educativas são custo-efetivas e trazem grande impacto. Embora o Brasil tenha feito avanços importantes desde 2011, ainda precisa reforçar essas ações. Malta reitera que políticas semelhantes devem ser aplicadas a outros fatores de risco, como a taxação de bebidas alcoólicas, rotulagem frontal em alimentos industrializados e incentivo à atividade física. Ela completa que o Brasil já implantou programas relevantes, como a Academia da Saúde e o Guia de Alimentação Saudável, mas ainda enfrenta desafios com o consumo de ultraprocessados, álcool e obesidade.
A pesquisadora também detalha que políticas públicas de prevenção são custo-efetivas e podem salvar milhões de vidas. Entre as principais medidas estão o aumento de impostos sobre cigarros, proibição de publicidade, ambientes livres de fumo, imagens de advertência nas embalagens, campanhas de conscientização, aumento de impostos sobre bebidas alcoólicas, restrições à publicidade, proibição da venda para menores de idade, redução do consumo de ultraprocessados, rotulagem frontal em embalagens, incentivo ao consumo de frutas, hortaliças e fibras, reformulação de produtos para diminuir o sal, estímulo à alimentação saudável e programas de incentivo à atividade física, como a Academia da Saúde. Além disso, é importante a vacinação contra HPV e o rastreamento do câncer do colo do útero e da mamografia.
Na América Latina, a tendência é de aumento consistente de casos, especialmente em países de renda média. No Brasil, os cânceres mais comuns são os de pulmão, cólon e reto, mama e próstata. Entre os fatores de risco mais preocupantes estão o tabagismo, a dieta rica em ultraprocessados e a glicemia elevada, que se relaciona a vários tipos de tumores. Os autores do estudo também alertam para a dificuldade em atingir a meta da Organização das Nações Unidas (ONU) de reduzir em um terço as mortes prematuras por doenças crônicas, incluindo o câncer, até 2030. Segundo a coordenadora internacional do estudo, Lisa Force, da Universidade de Washington, garantir resultados equitativos exigirá ampliar o acesso a diagnóstico preciso, tratamento de qualidade e cuidados de suporte, principalmente nos países com menos recursos. Em comentário na “The Lancet”, os pesquisadores Qingwei Luo e David Smith, da Universidade de Sydney, reforçam que os governos precisam priorizar financiamento, fortalecer sistemas de saúde e reduzir desigualdades, pois o futuro do controle do câncer depende de ações coletivas hoje.
Fonte: g1. Crédito da foto: Pixabay.