Um estudo publicado na revista Nature Medicine revelou que a tirzepatida, princípio ativo do Mounjaro, altera sinais elétricos no cérebro relacionados ao prazer e ao impulso de comer. Pesquisadores da Universidade da Pensilvânia registraram, pela primeira vez em humanos, como o medicamento modifica a atividade do núcleo accumbens, uma região cerebral intimamente ligada à recompensa, motivação e vício. A pesquisadora Wonkyung “Woni” Choi, doutoranda no Halpern Lab e autora principal do estudo, destacou a singularidade da pesquisa. Uma das participantes, que aumentou a dose de tirzepatida para tratar diabetes, relatou que o “barulho alimentar” havia desaparecido, levando os pesquisadores a observar a atividade cerebral em tempo real.
O termo “barulho alimentar” é utilizado por pacientes que fazem uso de medicamentos da classe dos agonistas de GLP-1 e refere-se ao constante pensamento sobre comida, vontade de beliscar e dificuldade em desligar a mente da ideia de comer. Choi explica que, quando esse barulho desaparece, a pessoa consegue se concentrar em outras atividades, sem o impulso incessante por alimentos.
Na pesquisa, três pacientes com obesidade severa e episódios de comer compulsivo participaram do estudo. Todos tinham eletrodos implantados no núcleo accumbens, conectados a um neuroestimulador, permitindo o registro das oscilações elétricas associadas ao desejo por comida. Nos dois primeiros participantes, os pesquisadores aplicaram estímulos elétricos para tentar “reprogramar” o circuito e reduzir o impulso de comer. No terceiro caso, a paciente já estava em uso de tirzepatida, e o medicamento alterou o padrão de atividade elétrica no cérebro. Durante as semanas em que a paciente relatou menos fissura por comida, foi observada uma redução clara nas ondas de baixa frequência do núcleo accumbens. Quando essas ondas reapareceram, os desejos alimentares também retornaram, sugerindo que o cérebro pode se adaptar ao efeito da droga.
A vontade de comer é controlada pelo cérebro, que opera através de duas grandes redes. O sistema homeostático, localizado principalmente no hipotálamo e no tronco cerebral, regula a fome e a saciedade conforme as necessidades energéticas do corpo. Já o sistema hedônico, que envolve o núcleo accumbens e outras áreas, é responsável pelo prazer de comer e pode ser ativado por estímulos que vão além da necessidade física. Durante episódios de compulsão alimentar, o núcleo accumbens emite sinais elétricos de baixa frequência, indicando uma ativação exagerada do circuito de recompensa. O estudo sugere que a tirzepatida pode silenciar temporariamente esse ruído, reduzindo a intensidade dessas ondas.
Embora apenas a tirzepatida tenha sido estudada, os autores afirmam que outros agonistas do receptor de GLP-1, como a semaglutida, também podem atuar no cérebro, além de no metabolismo. Essa hipótese, já sugerida em estudos com animais, foi agora documentada em humanos. Choi ressalta que o efeito dessas drogas é mais profundo do que se pensava, reprogramando a forma como o cérebro responde à comida, especialmente nas áreas ligadas ao prazer e à recompensa.
Apesar dos efeitos promissores, os pesquisadores notaram que, após alguns meses, os sinais elétricos e as fissuras alimentares voltaram a aparecer, mesmo com o uso contínuo da tirzepatida. Essa reversão sugere uma adaptação do cérebro ao medicamento, semelhante ao que ocorre com outros sistemas de recompensa. A supressão do “barulho alimentar” pode ser temporária, e o cérebro tende a buscar novos caminhos para manter a sensação de prazer.
A equipe planeja investigar se o mesmo padrão de ondas aparece em outros distúrbios compulsivos e se diferentes doses ou combinações de drogas poderiam prolongar o efeito. O estudo reforça a ideia de que comer é tão cerebral quanto metabólico, desafiando a visão de que a compulsão alimentar é apenas uma questão de falta de força de vontade.
Crédito da foto: Reprodução/Asociación Educar para el Desarrollo Humano. Fonte: g1.



















