A menos de dois anos do prazo determinado por lei para que as cidades se adequem à correta destinação dos resíduos sólidos, Minas Gerais vive um enorme desafio.
O Estado ainda tem 308 municípios que precisam acabar com seus lixões até 2024. Algumas dessas cidades são Abaeté, na região Central, e Conceição do Pará, na região Centro-Oeste. Além disso, há 76 municípios não regularizados, ou seja, sem licença ambiental para a destinação correta do lixo.
Apenas 55% das cidades contam com aterros sanitários ou unidades de triagem ou compostagem licenciadas, o que corresponde a 469 municípios, de um total de 853. Os dados foram divulgados em abril pelo governo de Minas.
Presidente da Associação Mineira de Municípios (AMM) e prefeito de Coronel Fabriciano, Marcus Vinícius afirma que é “pouco provável” que se consiga cumprir o prazo determinado pela Lei nº 14.026/2020 – para ele, se chegará a apenas uma redução do número de lixões até 2024. Os motivos citados por ele são vários: vão desde as questões financeiras até as logísticas. Uma alternativa, diz, tem sido pensar em consórcios entre as cidades.
“No 37º congresso mineiro, já tivemos várias palestras sensibilizando os municípios a operar por meio de consórcio, para que realmente tenham êxito e para que a gente em 2024 consiga diminuir esse percentual (de lixões)”, diz ele.
Embora não se consiga chegar a um valor exato de um aterro sanitário, já que os números podem variar muito conforme tamanho da cidade, número de municípios envolvidos, capacidade, entre outros, os investimentos “no lixo” mostram quanto custa arcar com uma destinação correta.
O governo de Minas divulgou nessa segunda-feira (06) que R$ 100 milhões serão designados para tratamento adequado de resíduos sólidos e extinção dos lixões. No mês passado, um investimento de quase R$ 8 milhões também foi anunciado para ajudar a acabar com a incorreta destinação do lixo.
Um investimento importante, diz a superintendente executiva da Associação Mineira de Defesa do Ambiente (AMDA), Dalce Ricas, mas que não compreende a complexidade do problema: de acordo com ela, acabar com os lixões não exige investimento apenas na extinção deles. Requer mudança de mentalidade e criação de leis que englobam outros diversos aspectos.
“O primeiro foco deveria ser a redução de lixo. Uma solução simples seria tomar providências em relação à distribuição de sacolas plásticas. Além disso, seria importante responsabilizar as empresas para que adotassem uma logística reversa eficiente. Muitas não têm o menor compromisso, por exemplo, de saber para onde vão as garrafas plásticas que produzem. Também seria muito importante que se investisse em um currículo escolar que eduque as crianças sobre todas essas questões. Não é só ensinar que não pode jogar lixo no chão”, avalia ela.
Presidente da Associação Brasileira de Empresas de Tratamento de Resíduos e Efluentes (Abetre), Luiz Gonzaga chama a atenção para outro fator que, segundo ele, é fundamental quando se pensa na extinção dos lixões: a vontade de os municípios realmente acabarem com eles. Para Gonzaga, “difícil não é”.
“É preciso ter vontade para priorizar essa questão. Os consórcios podem ser uma opção, por exemplo. Os lixões são uma desgraça para o meio ambiente, além de afetarem a saúde pública”, salienta.
BH se livrou do lixão em 1975
Em Belo Horizonte, não há lixão desde 1975, quando foi implantado o Aterro Sanitário BR-040. Com o esgotamento do aterro, em 2008, os resíduos começaram a ser destinados para o aterro sanitário da Central de Tratamento de Resíduos Macaúbas, em Sabará, na região metropolitana, contratado por meio de uma parceria público-privada.
Impactos
Os impactos dos lixões são mesmo enormes, conforme explica o professor da Pontifícia Universidade Católica (Puc Minas) e especialista nas áreas de meio ambiente e sustentabilidade, André Rocha.
“É uma forma inadequada de dispor o resíduo, com vários impactos ambientais resultantes. Esse procedimento de dispor o resíduo não tem nenhum tratamento, então isso acaba gerando inúmeros impactos sociais e econômicos também, em termos de saúde pública”, afirma.
Rocha ressalta que, com os lixões, as águas podem ser bastante impactadas, já que há a contaminação do solo. Isso, diz ele, impacta os seres humanos das mais diferentes formas, inclusive os mais vulneráveis, que podem não ter acesso a água tratada. Além disso, afirma o professor, a proliferação de ratos e baratas nesses locais contribui para a propagação de doenças.
“É preciso entender quanto de impacto um lixão gera, o quanto pode gerar de poluição, mau cheiro, atração de doenças. O Brasil precisa avançar no trato com os resíduos”, diz ele. “Todos esses impactos geram custos para o Estado, desde os cuidados com a saúde até questões relacionadas à depreciação de imóveis”, afirma.
Consumo consciente
Para Rocha, é muito importante que tanto poder público e privado criem medidas de incentivos para a gestão de resíduos. Entretanto, o especialista chama a atenção para mais um fator: a necessidade de envolvimento da sociedade, criando hábitos de consumo mais razoáveis e equilibrados.
“Nós somos corresponsáveis pelo resíduo. Muitas pessoas estão acostumadas a ver os caminhões passando na rua, mas não sabem para onde eles levam o lixo. A população precisa entender os ciclos do produto e como pode contribuir mais com o meio ambiente”, diz.
A reportagem procurou a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) e perguntou se a extinção de lixões realmente deverá acontecer até 2024 em todo o Estado. Também foi questionado sobre fiscalização de lixões e se há algo que o Estado faz quando o município não cumpre a lei. Porém, não houve retorno até a publicação desta matéria.
Fonte: O Tempo – Foto: Flavio Tavares/O Tempo