fbpx

Vacinas contra covid-19 podem impactar sua menstruação. O que isso significa?

Por Dentro De Tudo:

Compartilhe

Trancadas em casa, no meio da pandemia, algumas pessoas se assustaram ao perceber que o seu fluxo menstrual tinha aumentado. Houve ainda aquelas que já tinham deixado de menstruar e notaram sangramento atípico. Alterações como essas coincidiram com o que prometia trazer alívio: a vacinação contra a covid-19. Entre as que experimentaram esses efeitos colaterais estão as pesquisadoras americanas Kathryn Clancy, professora de antropologia da Universidade de Illinois, e Katharine Lee, antropóloga biológica do Departamento de Antropologia da Universidade de Tulane, em Nova Orleans. Juntas a outras quatro pesquisadoras mulheres, elas ouviram de 39 mil respondentes sobre possíveis impactos da imunização contra o coronavírus em seu ciclo menstrual.

Publicado em julho deste ano na revista Science Advances, o estudo mostrou que pelo menos 42% dos participantes identificaram algum tipo de alteração em seu fluxo ao tomarem a primeira ou a segunda de vacinas como Pfizer, Moderna, AstraZeneca, Johnson & Johnson, Novavax, entre outras não especificadas no artigo. Como a coleta foi feita em 2021, o trabalho não leva em conta a administração das doses de reforço. Um percentual muito próximo ao dos relatos de alterações, 44% dos participantes, porém, não perceberam alterações. Já 14% não notaram um fluxo mais intenso, o que tanto pode ser não ter observado mudança quanto significar um sangramento mais leve.

As alterações de fluxo foram mais comuns em pessoas que tiveram efeitos colaterais como febre e fadiga. Houve uma variação também levando em conta aspectos raciais e etários. Pessoas não-brancas e mais velhas também observaram maior impacto. A pesquisa levou em conta respostas de quem foi imunizado com duas doses de vacina e que não tivesse contraído covid-19 e nem tido suspeita (até o momento de responderem o questionário). As pesquisadoras analisaram três grupos distintos: mulheres que menstruam regularmente, aquelas não menstruam por estarem na menopausa ou fazerem uso contínuo de anticoncepcional; e transgêneros que fazem uso de afirmação de gênero. A faixa etária analisada é de 18 a 80 anos, de grupos étnicos como brancos, racialmente diversos, não-hispânicos e não-latinos, e hispânicos e latinos. Fluxos mais intensos foram notados também por aqueles que têm diagnósticos que podem geral o aumento de sangramento, como endometriose, síndrome do ovário policístico, miomas e adenomiose, por exemplo.

Estudiosas do período menstrual, Clancy e Lee decidiram se aprofundar em um estudo sobre a possível relação entre a imunização contra a covid e alterações no fluxo ao notarem angústia dos que vivenciaram esses sintomas, ao procurarem a opinião de especialistas.

“O que ouvimos muito no ano passado é que pessoas foram ao médico com essas preocupações e ouviram ‘não tem nenhuma forma de como eu possa te ajudar’. Ainda que essas pessoas tenham procurado por ajuda, elas foram ignoradas. Nós estamos felizes que o nosso trabalho e outros que estão sendo publicados estão validando o que essas pessoas vivenciaram. E espero que, com essas informações, os médicos possam saber que esse tipo de coisa pode acontecer e eles possam trabalhar com pacientes que estão preocupados ou que tenham sintomas mais pesados”, afirma Lee, em conversa com Marie Claire por vídeo chamada.

Lee diz ainda que entre as principais contribuições da pesquisa delas é fazer com que o fenômeno em si seja observado e validado por especialistas. “Outras coisas que pesquisadores podem fazer é incluir essas perguntas em experimentos futuros de vacinas. Questões simples como ‘Como seu ciclo menstrual se comportou após a imunização?'”, explica.

Quem menstrua está acostumado a perceber, ao longo da vida, alterações na quantidade e na duração do ciclo. Porém, determinadas mudanças podem ser alertas para alguns tipos de doença, ainda que não seja uma regra. É o que explica a ginecologista Gabriela Pravatta Rezende, da Comissão Nacional Especializada em Ginecologia Endócrina da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia). Ela diz que sangramentos após a menopausa são um dos sinais de câncer de útero e que, o estudo, pode ter como um de seus principais ganhos as informações para esse grupo.

“Na menopausa, o sangramento é um alerta para pensar em câncer. Isso [o conhecimento desse tipo de ocorrência] pode evitar procedimentos desnecessários, biópsias e cirurgias”, explica Rezende, dizendo que informações como essa evitam pânico.

Entre os participantes que não menstruam, foram considerados dois grupos: pessoas em pré-menopausa (que tomam contraceptivo de uso contínuo) e em tratamento de afirmação de gênero; e o grupo de pessoas após a menopausa, com mais de 12 meses sem terem sangramento. Pessoas em pós-menopausa tiveram uma grande incidência em sangramento, com 67,5% dos respondentes. Um resultado parecido foi notado entre pessoas com administração contínua de anticoncepcional, de 70,5%. Mas um resultado bastante diferente foi notado em transgêneros em tratamento, apenas 38,5%.

Para a ginecologista, embora a pesquisa revele que a imunização contra a covid-19 pode alterar o ciclo menstrual, não há motivo para preocupações, já que os efeitos são autolimitados e não estão ligados a eventos mais graves. E que o principal papel do trabalho recém-publicado é “saber que isso pode acontecer, apesar de não saber de causa e efeito”.

Rezende explica, contudo, que as evidências indicadas não comprovam causa e efeito e que mais informações podem ser extraídas de estudos futuros, com outras metodologias, como, por exemplo, com um estudo prospectivo, que exigiria acompanhamento de mais longo prazo, além da comparação entre grupos distintos, por exemplo, de pessoas imunizadas com não imunizadas.

Para ela, contudo, a necessidade de trabalhos mais aprofundados não invalida a publicação das pesquisadoras americanas. “É o primeiro estudo feito com tantas mulheres, com realmente uma mostra muito grande incluindo diversidade de gênero e etnias, incluindo hispânicas, não só americanas”, complementa.

No próprio artigo publicado, as pesquisadoras explicam que optaram pelo método observacional já que as vacinas já tinham se provado, naquele momento, seguras de uma maneira geral em aspectos ligados à fertilidade e à gravidez. As perguntas foram desenhadas para responder perguntas como: quando o ciclo é afetado? De que forma os imunizantes podem impactar na menstruação? E se pessoas que antes menstruavam, mas não no momento da vacina, eram impactadas.

Elas ainda mencionam que estudos anteriores, como um de 1913, já tinham mostrado que imunizantes podem gerar irregularidades na menstruação, citando a vacina para tifo. Além de pesquisas posteriores com evidências de impacto no ciclo menstrual pelos imunizantes de hepatite B e contra o HPV.

As duas pesquisadoras americanas fazem questão de enfatizar que, com a pesquisa, não querem de forma alguma criar qualquer tipo de alarme ou receio em pessoas se imunizarem contra a covid. As duas se apresentam, e enfatizam isso durante a entrevista, como “pró-vacinação”, mas elas dizem que isso precisa ser levado em conta para que mulheres não se sintam sozinhas ao sentirem esse tipo de alteração. Questionada pela reportagem, Clancy diz que até o momento nenhum fabricante de vacinas as consultou sobre os resultados da pesquisa, mas relata que sua caixa de e-mails está lotada de pessoas que querem saber mais sobre esse trabalho.

O primeiro sinal de que esse assunto era capaz de mobilizar pessoas foi percebido por ela ainda em fevereiro de 2021, quando ela relatou em publicação no Twitter que estava “jorrando sangue” como se tivesse 20 anos.

“Uma colega me disse ter ouvido de outras pessoas que suas menstruações estavam mais intensas após a vacinação. Eu estou curiosa para saber se outras pessoas que menstruam notaram isso também. Eu tomei a primeira dose da Moderna há uma semana e meia, menstruei há um dia mais ou menos, e eu estou jorrando como se estivesse nos meus 20 anos de novo”, escreveu. A publicação teve mais de 2 mil likes e 788 menções, ainda que ela tenha sido fechada para respostas há alguns meses por Clancy.

“Isso tem sido muito válido em dois sentidos: para o público em geral, para as pessoas que menstruam. Para os que experimentaram alguns sintomas ouvirem que eles não estão sozinhas e que cientistas levam esses apelos a sério e pretendem explorá-los. E foi bastante válido para a gente, pelo menos falando por mim mesma, sobre o quanto tanta gente foi tocada por essa pesquisa”, conclui.

Fonte: Revista Marie Claire.

Encontre uma reportagem