Com o retorno às aulas presenciais neste segundo semestre, a animação de encontrar os colegas na escola se traduz no barulho típico da criançada fazendo algazarra no pátio, na sala de aula, ou correndo e gritando pelos corredores. É um cenário natural na infância, mas que esconde um sério problema: o excesso de ruído e os danos à audição, que podem começar já nessa fase.
É fato que não se pode reprimir a alegria das crianças e adolescentes, mas é preciso impor limites. O barulho em excesso pode causar diversos prejuízos à saúde – inclusive a dos professores -, como estresse, falta de concentração e até uma progressiva perda auditiva, que às vezes pode ser sentida apenas na idade adulta, mas ter início já nos primeiros anos de estudo, em meio ao barulho na sala de aula e em outros ambientes da escola.
Um estudo com cerca de 700 estudantes, de 6 a 14 anos, de escolas municipais, estaduais e particulares de Campinas (SP), apontou que mais de 70% deles estavam insatisfeitos com o nível de ruído em sala de aula. A pesquisa, realizada pela Unicamp, revelou também que para 99,2% dessas crianças e adolescentes, as maiores fontes de barulho na escola são os próprios colegas.
A barulheira das crianças tem efeito cascata. Uns gritam para fazer sua voz ser ouvida em meio ao barulho de outros alunos. E o professor, por sua vez, é obrigado a falar ainda mais alto em uma tentativa de se fazer compreender; sem falar no arrastar de cadeiras e até nos ruídos externos, como o do trânsito, por exemplo. Tudo isso junto tira a concentração dos alunos, atrapalha o raciocínio e ainda traz riscos à audição.
Em São Paulo, o Centro de Estudos do Distúrbio da Audição também fez um levantamento junto a alunos do 5º ano do ensino fundamental II; e observou que, quando expostos a ruídos, eles leem mais rápido, dão menos ênfase à entonação e desrespeitam as regras de pontuação.
“É preciso que os pais fiquem atentos para possíveis danos auditivos que muitas vezes podem passar despercebidos. É necessário avaliar a audição das crianças, principalmente no início da fase escolar, para evitar prejuízos de aprendizagem ou mesmo o agravamento de distúrbios já existentes”, aconselha Rafaella Cardoso, fonoaudióloga da Telex Soluções Auditivas.
O limite de ruído dentro da sala de aula é de 40 a 50 decibéis, de acordo com a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Porém, no dia a dia, o barulho chega a atingir 80 decibéis, principalmente em salas com mais de 25 estudantes. Além disso, o ruído no pátio, na hora do recreio, pode chegar a alarmantes 100 decibéis. O limite suportável para o ouvido humano é de 65 decibéis, de acordo com a Organização Mundial de Saúde.
Quem mais reclama são os professores. Depois de anos e anos de exposição diária a esse “barulho ensurdecedor”, alunos, mestres e funcionários podem ter a audição comprometida, já que a Perda Auditiva Induzida por Níveis de Pressão Sonora Elevados (PAINPSE) tem efeito cumulativo. Quanto maior a exposição a ambientes barulhentos ao longo da vida, maiores as chances de danos à audição.
“O contato com sons muito altos faz com que as células ciliadas, que ficam dentro da orelha, sejam danificadas. Essas milhares de células lesadas podem causar zumbido ou a sensação de ‘ouvido tampado’; uma sensação que normalmente desaparece nas 12 horas seguintes à exposição ao barulho. Mas se o ruído for frequente, as células ciliadas podem morrer, começando assim a perda de audição”, explica a fonoaudióloga da Telex, que é especializada em Audiologia.
Outra pesquisa, desenvolvida pela Wakefield Research for EPIC Hearing Healthcare (EUA), revelou que 15% dos professores norte-americanos têm perda auditiva. Entre outros profissionais, esse número não ultrapassou 12%. O estudo revelou que o problema afeta principalmente os docentes mais jovens. A taxa de perda auditiva foi de 26% entre professores de 18 a 44 anos. Outro dado alarmante é que 27% dos professores suspeitavam de problemas auditivos, mas não haviam procurado tratamento.
O excesso de barulho não prejudica apenas a audição dos professores, mas também o seu desempenho como profissional. Não raro esses profissionais necessitam se afastar por estresse ou esgotamento, como a síndrome de burn out. Por isso a especialista alerta: “A exposição ao barulho na escola, somada às variadas situações de ruído em excesso no dia a dia — trânsito, televisão em volume alto, ouvir música com fones no ouvido — é preocupante, já que pode acarretar dificuldades para ouvir cada vez mais cedo”, alerta Rafaella Cardoso.
Dentre as medidas que as escolas podem tomar para amenizar o excesso de barulho está a de melhorar a acústica nas salas de aula por meio de isolamento acústico, a fim de diminuir a reverberação de ruído.
“Conter o excesso de barulho nas escolas é tarefa bastante complicada, mas que pode ser posta em prática com campanhas de conscientização, materiais informativos e palestras. É importante também que a direção das escolas promova exames audiológicos periódicos em alunos e professores, intervindo precocemente caso sejam identificados danos auditivos, mesmo que pequenos. Isso serve de alerta e evita que ocorram prejuízos no aprendizado das crianças e na carreira dos professores”, conclui a fonoaudióloga da Telex.