A historiadora Isabel Lustosa toma emprestado um conceito do livro “Macunaíma”, de Mário de Andrade, para descrever dom Pedro I na biografia que escreveu sobre o primeiro imperador do Brasil. “Um herói sem nenhum caráter”, assim Lustosa o caracteriza já na introdução do livro “Perfis brasileiros: dom Pedro I”, editado pela Companhia das Letras em 2006.
A figura do imperador é central para a independência do Brasil e para o constitucionalismo em Portugal e, talvez, em toda a Europa, argumenta a historiadora. Mas dom Pedro I também foi conhecido pela avareza e desrespeito contra a primeira esposa, dona Leopoldina, por exemplo.
Dom Pedro desembarcou no Brasil com nove anos, em meio à confusão da fuga da Corte portuguesa para o país em 1808, fugida de Napoleão Bonaparte. Conta Lustosa que ele se “criou livre na colônia”, menos preocupado com intrigas políticas ou livros e mais com a criação de seus cavalos e da carpintaria. Seu temperamento era volátil, contam os relatos da época, e sua biógrafa arrisca que, pelos parâmetros atuais, ele seria diagnosticado como hiperativo. Além disso, como alguns de seus irmãos, era epiléptico, sofrendo convulsões desde a infância.
Ele se tornou príncipe regente do Brasil em 1821, aos 22 anos, quando seu pai, dom João VI, retornou a Portugal por pressão da Revolução Liberal do Porto. O primeiro ano de dom Pedro I à frente da política brasileira chegou ao ápice no dia 9 de janeiro de 1922, com a ameaça de que o Brasil, então com status de Reino Unido, retornasse ao patamar de colônia de Portugal. Decidido a permanecer no Brasil, ele escreveu as palavras que se eternizaram: “Como é para o bem de todos e felicidade geral da nação, estou pronto: diga ao povo que fico”.
Não levaria um ano até que ele fosse alçado a primeiro imperador do Brasil, após a declaração da independência, que ele mesmo defendeu. O brado de “Independência ou morte!” é central nas representações do grito do Ipiranga, que marcou o 7 de setembro, mas sequer se sabe com certeza o que ele de fato gritou às margens do riacho em São Paulo. Hoje, historiadores tentam desmistificar esse momento e recusam que dom Pedro seja um herói que carregou a independência nas costas sozinho.
Após a independência, o Brasil seguiu um caminho singular em comparação a outras histórias de rompimento com o colonizador e preservou a monarquia, centrada na figura de dom Pedro I. Mas, com a lembrança do medo de seu pai após a decapitação da realeza na Revolução Francesa, ele já havia entendido que seus poderes monárquicos tinham um limite.
Anos mais tarde, quando havia retornado a Portugal, dom Pedro I escreveu, em uma carta a dom Pedro II, que havia deixado no Brasil para sucedê-lo: “o tempo em que respeitavam-se os príncipes por serem príncipes unicamente acabou-se; no século em que estamos, em que os povos se acham assaz instruídos de seus direitos, é mister que os príncipes igualmente o estejam e conheçam que são homens, e não divindades”.
Dom Pedro I deixa o Brasil
Ainda assim, dom Pedro I concentrou poderes no Brasil com o Poder Moderador, que, na prática, permitia que ele nomeasse quem desejasse para cargos políticos vitaliciamente e conferia em suas mãos o centro do poder no país. Quando a pressão das críticas ao seu reinado tornou-se insustentável, em 1931, ele partiu para Portugal, deixando o filho de cinco anos no reinado — dom Pedro II só sagrou-se imperador, de fato, aos 14 anos.
Dom Pedro I já havia abdicado do trono português em 1826. Ele deixou sua filha, dona Maria da Glória, futura dona Maria II, no trono, com apenas sete anos. O pai acertou o casamento da primogênita com dom Miguel, irmão de dom Pedro I e tio da menina — o casamento foi anulado anos mais tarde, por não haver consumação física. Dom Miguel usurpou o reinado e proclamou-se rei, com apoio da mãe dos dois irmãos, Carlota Joaquina. Só em 1834, com ajuda do pai no campo de batalha, dona Maria II assumiu o trono português.
FONTE: O Tempo – Foto: Gestão Educacional / Reprodução















