Entre as 25,4 milhões de pessoas que trabalham por conta própria no Brasil, empreender nem sempre é uma vontade, mas uma necessidade para parte desses trabalhadores, em meio ao mercado de trabalho com desemprego em queda, mas ainda com nove milhões de desempregados. Hoje, quase sete em cada dez trabalhadores por conta própria declaram que preferem ter um vínculo com uma empresa a continuar a trabalhar de forma independente, segundo a recém-lançada Sondagem do Mercado de Trabalho, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).
O designer de interiores Mateus Alves, 28, por exemplo, tinha esperança de trabalhar em uma empresa após se formar, mas conta que, desde que terminou a graduação, não encontrou uma oportunidade de emprego. Por isso, contra sua vontade, ele próprio precisa partir em busca de clientes. “Eu empreendo por necessidade, falta de oportunidade de CLT no mercado de trabalho. Um atrativo do trabalho autônomo é a flexibilidade, eu controlo meu horário. O atrativo da empresa é mais a estabilidade financeira e os outros benefícios, porque, em tese, hoje eu tenho que tirar do meu bolso para pagar um plano de saúde e contribuir para o INSS. Outro é uma rotina mais estável de trabalho, porque, querendo ou não, quando você trabalha autônomo, tem que ter disciplina. Ainda mais na minha área, as pessoas me procuram no horário de folga delas, que eu queria que fosse o meu”, diz.
Os dados da pesquisa sugerem que o aumento do número de autônomos nos últimos anos não está relacionado somente ao despertar de uma vocação para o empreendedorismo dos brasileiros, mas também à necessidade de sobrevivência em um mercado instável, avalia o economista e pesquisador do FGV Ibre Rodolpho Tobler. “Entre os trabalhadores por conta própria, há grupos diversos. O que a pesquisa tenta mostrar e sugere com os resultados calculados é que há uma grande quantidade de trabalhadores que estão ali muito mais por necessidade do que por vontade. As pessoas encontraram no trabalho por conta própria uma saída para receber algum tipo de renda e ter algum tipo de ocupação. E há o grupo de pessoas que estão ali porque querem”, diz.
Os motivos mais citados pelos autônomos que desejam trabalhar em uma empresa são a vontade de ter rendimentos fixos (citado por 33,1% dos entrevistados) e acesso aos benefícios das empresas (31,4%). Do lado contrário, entre os três em cada dez autônomos que preferem continuar trabalhando dessa forma, 14,3% valorizam a flexibilidade de horários e 11,9% afirmam que seu rendimento é maior do que seria em uma empresa.
A diferença de renda é determinante para a percepção sobre as vantagens e desvantagens do trabalho autônomo. Entre quem recebe no máximo dois salários mínimos, a taxa de autônomos que preferem trabalhar em uma empresa sobe para 74,9%, enquanto baixa para 56,7% na camada de quem ganha mais que isso. O coordenador do Observatório da Produtividade Regis Bonelli do FGV Ibre, Fernando Veloso, pontua que a baixa proteção social, por exemplo, estimula que quem recebe menos deseje um trabalho registrado. “Quem tem renda mais alta já se protege um pouco melhor com ela”, pontua.
O trabalho com carteira assinada ou como pessoa jurídica, com CNPJ, é um desejo de 87,7% dos trabalhadores sem qualquer registro. Hoje, mesmo com o desemprego atingindo o menor índice trimestral desde 2014, não há sinais de que o trabalho com carteira assinada volte a ser a regra, avalia o pesquisador sênior da área de Economia Aplicada do FGV Ibre Fernando Barbosa Filho. “A crise estimulou a pessoa a se virar, existe esse aspecto conjuntural. Mas há o aspecto estrutural da economia. Possivelmente, com o contrato formal da forma como era e os custos que ele têm, haverá mais pessoas por conta própria trabalhando com CNPJ”, reflete o especialista. A reforma trabalhista de 2017 e a ascensão dos trabalhadores de aplicativos podem ter impulsionado essa virada, avalia o pesquisador.
Percepção sobre o trabalho
Os dados sobre a percepção a respeito do mercado de trabalho fazem parte de um novo produto do FGV Ibre, a Sondagem do Mercado de Trabalho. Ela avaliará aspectos mais subjetivos sobre o mercado de trabalho, além dos dados que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulga sobre geração de emprego. Mensalmente, será ouvida uma amostra de 2.000 brasileiros com mais de 14 anos em todo o país. Os pesquisadores esperam que seja possível construir uma série histórica para comparar as variações de percepção da população ao longo do tempo e das mudanças do mercado de trabalho.
Fonte: O Tempo. Foto: Valdecir Galor / SMCS