Acredite: há quem empreste sua carteirinha do convênio para outra pessoa fazer uma consulta em seu lugar. Em março, o Itaú demitiu 80 funcionários por fraude na utilização do plano de saúde. Segundo o banco, eles teriam dado um golpe na solicitação de reembolso. O uso incorreto dos serviços das operadoras de saúde é apontado pelo setor como um dos fatores do prejuízo histórico de R$ 11,5 bilhões em 2022, divulgado nessa segunda-feira (24) pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
Em outubro do ano passado, a FenaSaúde, que representa as maiores operadoras do setor, denunciou ao Ministério Público uma empresa de fachada, criada para aplicar esse tipo de golpe em larga escala. Os reembolsos fraudulentos chegaram a cerca de R$ 40 milhões. “As fraudes impactam na sustentabilidade do sistema de saúde, na previsibilidade de gastos por parte dos planos e tem efeito direto na assistência aos beneficiários, uma vez que as operadoras precisam estabelecer critérios cada vez mais rígidos para garantir a segurança do paciente”, observa Vera Valente, diretora-executiva da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde).
Há uma defasagem de pesquisas mais atuais sobre o prejuízo causado por fraudes no setor, mas segundo um estudo realizado em 2017 pelo Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), quase R$ 28 bilhões dos gastos das operadoras médicos-hospitalares do país com contas hospitalares e exames foram consumidos indevidamente por fraudes e desperdícios com procedimentos desnecessários. “Certamente, a situação se agravou nos últimos anos”, avalia Valente.
A lista dos golpes é extensa, mas entre os mais comuns estão o uso de dados pessoais por terceiros, empréstimo de carteirinha, fracionamento de recibo, omissão ou falsificação de dados pessoais, falso estado clínico e fraudes virtuais.
Alessandro Acayaba de Toledo, presidente da Associação Nacional das Administradoras de Benefícios (ANAB), esclarece que as fraudes têm se concentrado muito nos planos de seguro, porque existe a possibilidade de reembolso das despesas médicas. Um golpe bastante comum, segundo Toledo, é fruto de um acordo entre paciente e médico, quando as consultas particulares custam mais do que o valor que o beneficiário teria direito no reembolso. Nestes casos, o profissional emite mais de uma nota fiscal, após 30 dias, para que a pessoa tenha direito a praticamente a integralidade do valor da consulta.
Os beneficiários precisam ficar atentos porque fraudes podem levar a penalidades diversas, multas e até reembolso aos planos pelos gastos indevidos, alerta Mariana Resende Batista Mansur, advogada especialista em direito à saúde. “Há a possibilidade ainda de ter o contrato com o plano de saúde rescindido e responder a processos na esfera cível e criminal. A pessoa que utilizou da carteirinha ‘emprestada’ também poderá responder a processos, como o crime de estelionato”, explica.
Assim como foi feito no caso do Itaú, dependendo da conduta do empregado, a fraude pode ser caracterizada como falta grave ao contrato de trabalho. “O que pode gerar a demissão por justa causa do trabalhador”, destaca a advogada.
A Lei 9656/1998, que trata sobre os planos de saúde, prevê ainda que, em caso de fraude ou má-fé do beneficiário, o plano pode negar eventual cobertura ou mesmo realizar o encerramento do contrato. “Contudo, a Lei 9.656/1998 veda expressamente a suspensão ou rescisão unilateral do contrato, em qualquer hipótese, durante a ocorrência de internação do titular”, pondera Mansur.
Tecnologia é usada contra fraudes na utilização dos planos
Segundo a Anab, as operadoras de saúde têm avançado no uso de tecnologias para evitar as fraudes cada dia mais recorrentes. “Temos, por exemplo, a questão da biometria”, lembra Alessandro Toledo, presidente da associação. Há ainda outras manobras que pedem uma documentação adicional para evitar o uso indevido dos serviços das operadoras por terceiros.
Desde o último ano, a FenaSaúde também tem intensificado uma série de ações para coibir as fraudes. Além de formalizar notícias-crime ao Ministério Público de São Paulo, que culminaram na abertura de nove inquéritos policiais, a entidade criou uma gerência de prevenção e combate às fraudes e tem realizado diversos eventos e ações para debater o cenário, além de promover a conscientização do público. Em março, durante o Dia do Consumidor, foi lançada a campanha Saúde Sem Fraude (www.saudesemfraude.com.br), que tem o objetivo de orientar a sociedade sobre os impactos das práticas fraudulentas ao sistema de saúde.
Entenda quais são as fraudes mais comuns na utilização dos planos de saúde:
- Uso de dados pessoais de terceiros
Há beneficiários que são induzidos a compartilhar seu login e senha de acesso ao aplicativo do plano de saúde com a promessa de ajuda para realizar algum processo junto à operadora. Com posse desses dados, terceiros podem ter acesso a informações pessoais e utilizá-las de forma inadequada, por exemplo, para alterar a conta bancária vinculada ao reembolso ou para solicitar reembolso de procedimentos não realizados.
- Empréstimo de carteirinha
A carteirinha do plano é pessoal e intransferível. Quando uma pessoa se passa por outra para usar o plano de saúde de um terceiro, está cometendo crime.
- Fracionamento de recibo
É quando uma única consulta ou procedimento é realizado, mas emite-se mais de um recibo ou nota fiscal, com o objetivo de conseguir um reembolso total mais alto. O pedido de reembolso deve informar corretamente o procedimento ou a consulta realizada, assim como o valor efetivamente desembolsado.
- Informações falsas na contratação do plano
A omissão ou falsificação de dados pessoais como idade, condições pessoais de saúde ou vínculos empregatícios, para contratação de plano de saúde ou obtenção de vantagens contratuais, é fraude.
- Reembolso assistido ou auxiliado
O chamado “reembolso assistido” geralmente é oferecido em troca da cessão de dados pessoais dos beneficiários, como o login e senha de acesso ao portal do cliente na operadora de plano de saúde. O beneficiário recebe como promessa a “facilitação’ do processo de pedido de reembolso”.
- Reembolso sem desembolso
Muitas vezes o beneficiário é estimulado a realizar um atendimento fora da rede credenciada, sob a promessa de que não precisará fazer qualquer pagamento pela consulta ou procedimento. No entanto, para que o beneficiário tenha direito ao reembolso, é necessário que tenha pagado previamente os valores dos serviços de saúde.
- Falso estado clínico
A alteração do estado clínico do paciente (classificação da doença no pedido médico) para solicitar procedimentos desnecessários, excessivos ou não cobertos pelos planos de saúde – por exemplo, para fins estéticos -, além de ser fraude, muitas vezes coloca a saúde do paciente em risco.
- Golpes virtuais
Criar sites falsos ou outros recursos para emitir ou alterar boletos é crime. Nesses casos, o dinheiro depositado é desviado para a conta dos fraudadores, afetando diretamente os beneficiários.
Fonte: O Tempo.