A cada 24 horas, 495 pessoas morrem em decorrência de uma septicemia no Brasil. Dados do Portal da Transparência do Registro Civil mostram que, só no ano passado, 180.753 certidões de óbito foram registradas constando septicemia ou sepse (popularmente conhecida como infecção generalizada) como causa da morte. O dado representa um crescimento de 13% em relação a 2021. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), uma a cada cinco mortes no mundo é causada pela septicemia. Ao todo, são cerca de 11 milhões de vidas perdidas por ano. Estima-se que, das pessoas internadas com sepse em unidades de terapia intensiva (UTIs), ao menos 42% perderão a vida.
Recentemente, a morte do ex-deputado federal David Miranda comoveu o Brasil. Aos 37 anos, o marido do jornalista Glenn Greenwald havia sido hospitalizado, em agosto de 2022, para tratar uma infecção gastrointestinal, e foi alvo de infecções sucessivas, causando um quadro fatal de septicemia. Em abril, a cantora Preta Gil, que passa pelo tratamento de um câncer de intestino,revelou ter ficado internada por conta de uma septicemia, que felizmente foi controlada a tempo. “Já estou melhor e seguindo firme no tratamento”, escreveu nas redes sociais.
A enfermidade, embora muito comum, costuma gerar dúvidas sobre sua origem e por que ela acontece com tanta frequência. O infectologista e presidente da Sociedade Mineira de Infectologia, Adelino de Melo Freire Júnior, explica que a septicemia parte de um quadro de infecção, que pode ser qualquer uma, e que doenças infecciosas, como uma pneumonia bacteriana, por exemplo, ainda são causa muito relevante de morte no mundo. “A sepse é um evento extremo de uma infecção. Quando a gente fala que a sepse é uma causa de morte comum é porque ela está englobando várias infecções, mas, no final, ela acaba sendo colocada como a causa da morte”, diz.
Mas como a sepse surge?
A septicemia é uma resposta exacerbada a um quadro clínico de infecção, bacteriana ou viral, e acontece por meio de um conjunto de manifestações e alterações ao mesmo tempo, por isso se usa o termo infecção generalizada. “São alterações do sistema metabólico, circulatório, com reflexos em vários outros sistemas, como o neurológico. É uma série de alterações que decorrem do mesmo processo”, explica Adelino.
Ou seja, a sepse pode surgir de qualquer tipo de infecção, seja ela uma infecção urinária ou um quadro de infecção gastrointestinal. “Depois que instala a situação de sepse, já se assume a gravidade do problema, independente da origem da infecção”, explica o médico. “Uma vez que uma infecção desencadeia o processo de sepse, tempo é vida”, diz, lembrando que a equipe médica precisa ser ágil para tratar o problema. Esse tratamento será feito com medicamentos adequados, incluindo antibióticos.
Além disso, Adelio lembra que a sepse pode ser, muitas vezes, silenciosa e só ser percebida após desencadear um evento mais grave. Por isso, a experiência e atenção da equipe médica são ser muito importantes para o diagnóstico precoce.
Por que ela acontece?
Uma das causas da sepse é a demora para iniciar o tratamento de uma infecção, que pode evoluir rapidamente, agravar e acabar causando um quadro de infecção generalizada. No entanto, esse é só um dos fatores que contribui. “A causa da síndrome em si parte de uma série de fatores genéticos, relacionados a cada uma das pessoas e ao equilíbrio que se estabelece entre a pessoa e o agente infeccioso. É algo individual, tem vários fatores envolvidos, que vão desde qual o agente infeccioso, quanto tempo de infecção, até como aquela pessoa responde individualmente”, explica Adelino. “Mas, claro, se você tem uma infecção sem o tratamento adequado, aumenta-se o risco de sepse”, pondera.
O especialista reforça que a sepse não é uma questão que acontece somente em hospitais. Muitas vezes o paciente pode chegar à unidade de atendimento já com um quadro de sepse avançado. Aliás, infecção generalizada e infecção hospitalar são coisas diferentes! A infecção hospitalar é uma infecção adquirida em ambiente hospitalar após internação para tratamento de outra condição, uma cirurgia, por exemplo. Já a sepse é uma resposta exacerbada do organismo a uma infecção já existente.
Tem como evitar?
Outra dúvida sobre a sepse é quanto à prevenção. Adelino Júnior explica que existem formas de se evitar que uma sepse ocorra. Vacinas, por exemplo, podem ajudar porque evitam o agravamento de uma doença. “A vacina contra pneumococo protege tanto de uma pneumonia quanto de uma bronquite. A vacina da Covid também é um exemplo. Os imunizantes reduzem muito o risco de sepse”, exemplifica.
Buscar tratamento tão logo se perceba os sintomas de uma infecção, como alterações urinárias e respiratórias, também é uma forma de prevenção. Isso porque, ao tratar a infecção, o paciente pode evitar que ela evolua. O médico explica ainda que ter conhecimento sobre doenças e sobre o próprio corpo e perceber os sintomas ajuda muito na busca precoce de um tratamento. No caso de crianças e idosos, é preciso que familiares deem atenção ao comportamento, já que a verbalização dos sintomas é mais difícil de acontecer.
“Crianças até 5 anos são uma preocupação. Na verdade, o primeiro ano é o mais crítico”, diz. Aliás, idosos e crianças estão no grupo de risco para a sepse, que inclui ainda imunossuprimidos, pessoas em tratamento de câncer, transplantados e pessoas com HIV. De acordo com a OMS, a cada ano, quase metade dos 49 milhões de casos de sepse (dado mundial) ocorre entre crianças, resultando em 2,9 milhões de mortes.
Recentemente, a OMS divulgou também orientações à comunidade global para que os casos de sepse sejam evitados. Entre as orientações do órgão estão questões como melhorar a prevenção, o diagnóstico e o tratamento da sepse (isso inclui fortalecer os sistemas de informação em saúde e garantir o acesso a ferramentas de diagnóstico rápido). Além disso, a OMS cita formas de evitar a origem de infecções no geral (que consequentemente vão evitar os casos de sepse), como melhorias no saneamento, qualidade e disponibilidade da água e medidas como higiene adequada das mãos.
Confira as orientações da OMS à comunidade global:
- Melhore projetos de estudo robustos e coleta de dados de alta qualidade, especialmente em países de baixa e média renda
- Amplie a defesa global, financiamento e capacidade de pesquisa de evidências epidemiológicas sobre a verdadeira carga da sepse
- Melhore os sistemas de vigilância, começando no nível de atenção primária – incluindo o uso de definições padronizadas e viáveis de acordo com a Classificação Internacional de Doenças (CID-11) e aproveitando programas já existentes e redes de doenças
- Desenvolva ferramentas de diagnóstico rápido, acessíveis e adequadas, especialmente para a atenção primária e o segundo nível de atenção, para melhorar a identificação, vigilância, prevenção e tratamento da sepse
- Envolva e eduque melhor os profissionais de saúde e as comunidades a não subestimar o risco de infecções que evoluem para sepse, e a buscar atendimento imediatamente a fim de evitar complicações clínicas e a propagação de epidemias
Confira os registros de óbitos por sepse no Brasil:
2019: 157.832
2020: 146.867
2021: 159.430
2022: 180.753
2023: 63.531 (dados contabilizados até 16/05/2023)
Fonte: Portal da Transparência Registro Civil