O governo Zema apresentou um projeto de lei com o objetivo de acelerar o processo de municipalização das escolas estaduais que ofertam turmas dos anos iniciais (1º ao 5º ano) do Ensino Fundamental. Segundo a Secretaria de Estado de Educação (SEE), atualmente 320 mil alunos nessas séries estão sob responsabilidade do governo estadual.
A ideia da SEE é que os alunos passem para a rede municipal de ensino, de modo que o governo estadual foque em melhorar e ampliar a oferta do Ensino Médio, inclusive o Ensino Médio Integral.
O projeto “Mãos Dadas”, como a iniciativa é chamada, tem três ações principais. A primeira delas facilita que os municípios interessados assumam as turmas das escolas estaduais.
Se o projeto for aprovado, bastará que as prefeituras assinem um termo de adesão ao programa com duração de um ano, que é renovado automaticamente, mas pode ser rescindido pelo município a qualquer momento.
O termo de adesão elimina a necessidade de que um projeto de lei autorizando o ingresso no Mãos Dadas seja aprovado pelas respectivas Câmaras Municipais, o que seria mais trabalhoso.
O governo também sinaliza com o repasse de R$ 592 milhões de reais para os municípios que aderirem ao projeto investirem na ampliação das salas, construção de novas escolas, reformas, e aquisição de mobiliário. Este recurso já está no orçamento aprovado para 2021.
Porém, a concretização desse repasse, em 2021 e nos próximos anos, vai depender da “disponibilidade financeira e orçamentária” do orçamento estadual, segundo o texto da proposição.
Por fim, o governo Zema também acena com apoio material. O projeto de lei prevê que o Estado ceda o uso dos prédios das escolas municipalizadas para as prefeituras e também os professores concursados do Estado que atuavam nessas escolas. Além disso, o governo estadual afirma que vai prestar apoio técnico pedagógico e ajudar os municípios na transição.
O projeto foi discutido em uma audiência pública da Comissão de Educação da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) nesta quarta-feira (5), que foi realizada após requerimento da deputada Beatriz Cerqueira (PT).
De acordo com o subsecretário de Articulação Educacional da SEE, Igor Rojas, o projeto tem potencial para melhorar a qualidade da educação em Minas Gerais.
“Um exemplo nacional é o estado do Ceará, que hoje tem 99% da sua rede sob responsabilidade dos municípios. E vemos um resultado positivo lá: entre 2005 e 2019 o Ceará apresentou um crescimento de 125% do seu IDEB”, afirmou.
Diálogo com as prefeituras e a comunidade escolar
A assessora chefe de Articulação Municipal do governo estadual, Patrícia de Sá Freitas, disse que foram promovidos seminários nos últimos meses para detalhar o que o projeto propõe.
“Nós cuidamos de cada especificidade local. Não fizemos um projeto com um único formato, porque entendemos que as necessidades são diversas. […] Não é um processo de municipalização de qualquer jeito. A própria forma como o projeto se apresenta, por adesão, traz tranquilidade a prefeitos, secretários municipais e comunidades escolares de que estamos cuidando de cada parte”, afirmou na audiência pública.
De acordo com a Secretaria de Educação, houve diálogo com a Associação dos Municípios Mineiros (AMM), União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação de Minas Gerais (Undime-MG), Conselho Estadual de Educação, Ministério Público e Defensoria Pública.
Também já há reunião marcada com o Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE) e com o Fórum Estadual Permanente da Educação de Minas Gerais (Fepemg).
Porém, deputados e representantes de associações educacionais criticaram o fato do Mãos Dadas, segundo eles, não ter sido discutido de forma prévia à sua apresentação na ALMG.
“Nós do Fepemg não soubemos de nenhum dos seminários que a colega Patrícia se referiu aqui. […] Não é diálogo quando eu informo o que eu vou fazer. É diálogo quando os dados são disponibilizados amplamente, quando se tem tempo para analisar os dados e consultar as comunidades”, afirmou a coordenadora do Fepemg e professora da UFMG, Analise Silva.
A deputada governista, Laura Serrana (Novo), que apoia o projeto, disse que é importante ouvir a comunidade escolar e que ela será consultada. “Mas há uma razão muito simples pelo contato inicial ter sido feito com os prefeitos. São eles que têm a faculdade de aceitar ou não a municipalização. Não faria muito sentido criar toda uma discussão junto à comunidade escolar se a decisão da prefeitura fosse, de cara, de não aceitar participar do programa”, justificou.
O vice-presidente da Comissão de Educação, o deputado Betão (PT), criticou o fato de um projeto importante ser apresentado durante a pandemia. “O jeito que foi adotado essa política é o jeito Novo de governar. Sem debate com a sociedade, como está previsto na Constituição, e mais uma vez um assunto tão polêmico sendo apresentado no meio de uma pandemia que dificulta a participação das pessoas e o entendimento por parte das prefeituras”, disse.
Economista aponta possível déficit no financiamento educacional
O economista e coordenador técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos de Minas Gerais (Dieese-MG), Diego de Oliveira, defendeu na audiência pública que o projeto Mãos Dadas vai, na prática, causar um déficit no financiamento das séries iniciais do ensino fundamental, o que terá impacto na qualidade de ensino.
Deixando de lado os R$ 592 milhões que serão repassados a título de investimento, a Secretaria de Estado de Educação argumenta que o aumento das matrículas na rede municipal será custeado pela verba de programas como o Fundeb, salário-educação e programas federais de alimentação escolar.
Esses recursos são pagos por aluno matriculado. Com a municipalização, a parte relativa às matrículas dos anos iniciais do Ensino Fundamental que hoje vai para os cofres estaduais irá para as prefeituras.
Diego de Oliveira afirma que atualmente 442 prefeituras podem ingressar no projeto. Se elas o fizerem, o economista prevê que as matrículas na rede municipal crescerão 55%, mas que esse percentual não será acompanhado pelo aumento de receitas.
Segundo ele, o aumento de receita das prefeituras será de R$ 1,4 bilhão. Porém, a transferência dos alunos da rede estadual para a rede municipal representaria uma despesa adicional de R$ 2,6 bilhões para as administrações municipais, o que representa um déficit de R$ 1,2 bi.
Outro ponto levantado pelo economista é que o gasto médio das prefeituras por aluno nos anos iniciais foi de R$ 7.600 em 2020, enquanto o Estado gastou, por aluno nas mesmas séries, R$ 3.500.
Para ele, as prefeituras não vão ter condições financeiras de absorver as matrículas estaduais e terão que gastar menos por aluno para que a conta feche.
“Você tem uma diferença de R$ 1,2 bilhão que vai ficar faltando para financiar a despesa com os anos iniciais. E se considerar que a totalidade dos R$ 592 milhões do Estado em investimento serão repassados, esse déficit é reduzido para R$ 700 milhões”, explicou.
“Ainda assim é um valor muito alto. Foi citado que fazer a municipalização vai melhorar o IDEB, e que tem exemplos como o do Ceará. Mas como nós vamos melhorar a educação se o município não tiver condições de fazer o investimento que ele faz atualmente? Se ele for obrigado a reduzir o seu investimento para não ter déficit de financiamento da educação? Como vamos conseguir resultado dessa forma?”, questionou Diego de Oliveira.
O economista também questiona como os R$ 592 milhões serão distribuídos entre as prefeituras que aderirem ao Mãos Dadas. No projeto de lei, não está previsto nenhum critério para a divisão dessa verba.
Diego de Oliveira também aponta para a falta de clareza sobre o que vai acontecer com os professores designados que hoje dão aulas para alunos das séries iniciais. O projeto de lei prevê que apenas os professores concursados sejam cedidos às prefeituras. “A escola municipalizada que tem professor designado, para onde que ele vai? Ele vai ser demitido? Isso não está claro”, criticou.