Representantes de instituições de ensino municipais e estaduais e de trabalhadores da educação cobram debates públicos com a participação das comunidades escolares antes da implementação do Projeto Mãos Dadas, do Governo de Minas. Essa foi a principal reivindicação apresentada durante audiência pública da Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), realizada nesta quarta-feira (5).
Segundo o Executivo estadual, o objetivo do projeto Mãos Dadas é que os municípios mineiros ampliem a oferta dos anos iniciais do ensino fundamental nas unidades escolares. Essa ampliação se dará por meio da municipalização de escolas estaduais e da transferência de alunos da rede estadual para a rede municipal. O impacto financeiro para as cidades será amenizado, segundo o governo, pelo repasse de cerca de R$ 420 milhões.
Logo no começo da reunião, o subsecretário de Articulação Educacional da Secretaria de Estado de Educação, Igor Rojas, ressaltou o fato de que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) prevê que os municípios devem assumir a demanda do ensino dos anos iniciais, cabendo aos estados a responsabilidade pelo ensino médio. Ele citou o exemplo do Ceará, onde 99% da rede dos anos iniciais é de responsabilidade dos municípios.
“Este programa é bem estruturado e estamos conversando com a Associação Mineira de Municípios, o Conselho Estadual de Educação, a Defensoria Pública e o Ministério Público. Também estamos conversando com cada prefeitura, que pode aderir, não aderir ou aderir parcialmente a essa iniciativa. Oferecemos acompanhamento pedagógico e cursos de capacitação para que os profissionais da educação possam lecionar em outros níveis de ensino, se assim desejarem”, explicou.
A assessora-chefe da subsecretaria, Patrícia Freitas, destacou que todos os professores terão garantia de poderem trabalhar no mesmo município em que atuam, sem precisarem se deslocar. “Promovemos seminários com as prefeituras ao longo dos últimos meses, explicando todas as etapas do projeto. Não estamos obrigando nenhuma cidade a aderir. Teremos um período de transição de um ano, durante o qual o professor do Estado ficará cedido ao município para atender esses alunos, sendo pago pelo governo”, afirmou.
Sindicalistas acreditam que municípios serão prejudicados Segundo Diego Oliveira, a descentralização do ensino tem de ser aprovada nas câmaras municipais, o que não seria considerado pelo projeto.
Apesar dos argumentos do governo favoráveis ao Mãos Dadas, Diego Oliveira, economista e coordenador técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), chamou atenção para o fato de que as reuniões com as prefeituras não contemplam os principais impactados pelo projeto: a comunidade escolar e os trabalhadores da educação.
“A descentralização do ensino tem de ser aprovada nas câmaras municipais, e a proposta desse projeto é de tirar essa etapa, algo absurdo. Em todos os governos anteriores em que isso foi feito sem diálogo com a população, sempre os principais prejudicados foram os alunos, familiares e professores. Como esse recurso vai ser distribuído? Quais os critérios metodológicos? E os municípios onde só houver uma escola estadual, aqueles profissionais vão trabalhar onde? São muitos detalhes a serem esclarecidos e que não foram divulgados”, argumentou.
O economista alertou ainda que, apesar do recurso adicional anunciado, a maior parte dos municípios que optarem por aderir ao projeto terão prejuízos e serão obrigados a investir verbas municipais adicionais para cobrir as despesas dos alunos.
“Na rede municipal das 442 prefeituras que ofertam ensino nos anos iniciais e estão aptas a aderir ao projeto, atualmente é investido em média R$ 7,7 mil por aluno. Se esse investimento se mantiver e for aplicado aos alunos que serão municipalizados, para se manter o nível da qualidade do ensino, o aumento na despesa será de 58%, com um deficit que pode chegar a R$ 1,3 bilhão”, assegurou.
Os cálculos tiveram como base o valor anunciado pelo Estado nesse processo de transição, dividido por cada município, o que dá pouco mais de R$ 1 milhão por cidade. “No projeto consta que esse repasse só será feito se o governo tiver dinheiro em caixa, um governo que está parcelando o 13º dos servidores públicos”, complementou.
Deficit de professores – Diretor do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE/MG), Múcio Alves também criticou a previsão de que os trabalhadores do Estado serão cedidos no processo de municipalização, em um primeiro momento, e retornarão depois ao Executivo estadual, o que terá impacto direto nas prefeituras, que serão obrigadas a abrir concurso para cobrir a falta de profissionais.
“Vai desestruturar a rede estadual, porque transfere uma leva de matrículas, e sobrecarregar a rede municipal, que terá de assumir muitos trabalhadores”, ponderou.
Professora da Universidade Federal de Minas Gerais e coordenadora do Fórum Estadual Permanente da Educação (Fepemg), Analise Silva também criticou a falta de diálogo do governo com a população e a ausência de acesso público a informações e detalhamento de dados relativos ao projeto Mãos Dadas.
“Isso é parte da política de ajuste fiscal, que busca reduzir a ação do Estado no que a Constituição diz que é sua obrigação. Impressiona que em um projeto de tamanho impacto nada seja de conhecimento público”, reforçou.
Divergência de dados – Após ouvir todos os convidados, a assessora-chefe de Articulação Municipal, Patrícia Freitas, questionou alguns dos dados apresentados, especialmente os do economista Diego de Oliveira. Ela salientou que cada município é tratado de forma individualizada.
“Nós apresentamos as receitas, estimadas em 5% para baixo, e também as despesas, além do saldo positivo final, usando dados específicos de cada município, a partir de dados do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) e da organização Todos pela Educação. O governo trabalha com dados oficiais”, salientou.
Sobre a alegada falta de disposição do governo para o diálogo, a assessora disse que não faz sentido acionar as comunidades escolares primeiro, se quem decide sobre a adesão é o prefeito e os secretários municipais de educação. O diálogo teria sido iniciado com 279 municípios prioritários. Ela também garantiu que não é intenção do governo que a apreciação das câmaras municipais seja desrespeitada.
Patrícia Freitas ainda informou que o projeto será apresentado na semana que vem ao Fepemg, ao Sind-Ute e à Associação dos Diretores das Escolas Oficiais de Minas Gerais.
Deputados criticam condução da proposta pelo governo
A presidenta da comissão, deputada Beatriz Cerqueira (PT), que solicitou a audiência, também criticou o fato do projeto ter sido apresentado ao Legislativo pelo governo apenas após ter sido acionado pela Comissão de Educação. Ela fez um histórico sobre a desativação de várias turmas e o fechamento de escolas estaduais nos últimos anos, ressaltando que quase 180 mil estudantes abandonaram a rede estadual em 2019.
Beatriz Cerqueira também apontou como possíveis prejuízos trazidos pelo projeto Mãos Dadas a demissão de designados e o recuo na nomeação de concursados pelo Estado.
O deputado Professor Cleiton (PSB) foi mais um a cobrar o diálogo com as comunidades e criticou a condução da proposta pelo Executivo, que estaria ignorando especificidades dos municípios em aspectos culturais e socioeconômicos.
O deputado Betão (PT) lamentou que mais um tema polêmico esteja sendo lançado pelo governo durante uma pandemia, assim como foi feito com a reforma da previdência. Conforme o parlamentar, Juiz de Fora (Zona da Mata) já sinalizou que não irá aderir ao projeto. No entanto, estaria havendo pressão da Superintendência Regional de Ensino sobre diretoras escolares.
A deputada Laura Serrano (Novo), por outro lado, defendeu o projeto. Ela ratificou que a comunidade escolar será consultada sobre o Mãos Dadas, mas que os prefeitos foram os primeiros a tomarem conhecimento da proposta porque é a eles que cabe a decisão de aderir ou não ao projeto de municipalização.