Especialistas que participaram da audiência realizada na Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial da Câmara dos Deputados, nesta quinta-feira (29), defenderam a legalização no Brasil do plantio de Cannabis sativa (maconha) para uso medicinal.
Uma comissão especial da Câmara já aprovou o Projeto de Lei 399/15, que prevê a autorização do plantio de maconha para produção de medicamentos destinados a doenças como epilepsia, esclerose múltipla, Alzheimer e Parkinson, além do uso veterinário e industrial. A proposta será analisada pelo plenário da Câmara antes de seguir para o Senado.
Para o presidente da Associação Nacional do Cânhamo Industrial, Rafael Arcuri, é “irracional” a situação da Cannabis medicinal no país. Ele lembrou que, atualmente, há diferentes formas de usar o medicamento, inclusive pelo Sistema Único de Saúde (SUS) nos vários estados, mas esbarra na proibição do cultivo.
“Podemos importar de diferentes formas, a gente pode produzir, vender, temos uma indústria se estabelecendo, um comércio cada vez mais forte, que cresce 100% ao ano, de Cannabis medicinal, mas não temos a possibilidade de produção nacional desses insumos”, afirmou Rafael.
A boa notícia é que o Ministério da Saúde deve analisar os 28 projetos do Congresso Nacional que tratam do tema, além de discutir a incorporação em âmbito nacional dos medicamentos à base de maconha no SUS, o que significa também rever protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas. A informação foi passada aos parlamentares presentes na audiência pelo coordenador-geral de Atenção Especializada do Ministério da Saúde, Rodrigo Cariri de Almeida.
O desafio, segundo ele, é incorporar não apenas uma substância para uma determinada condição clínica, mas uma planta com várias formulações possíveis e várias possibilidades de resposta clínica possível. Para isso, é preciso discutir custos, o financiamento, a produção e o plantio.
A deputada federal Sâmia Bomfim (Psol-SP), autora do requerimento que gerou o debate, lembrou que hoje alguns pacientes conseguem acesso ao medicamento importado pelo SUS, após entrar na Justiça, trazendo um custo elevado para o sistema. “Por que não o Brasil, que tem condição, tem capacidade de ter uma auto-suficiência inclusive na produção, pegando a expertise que muitas associações desenvolveram no Brasil?”, questionou a parlamentar. “Acho que são muitos temas que o parlamento precisa enfrentar”, avaliou.
Benefícios
Na audiência, a presidente da Cultive Associação de Cannabis e Saúde, Cidinha Carvalho, contou o caso de sua filha Clárian, portadora da Síndrome de Dravet, que, antes de tomar o óleo de Cannabis, não interagia e tinha convulsões por mais de uma hora. A menina não corria, não pulava, não transpirava, tinha apneia no sono e a coordenação motora prejudicada. Cidinha entrou na Justiça em 2013 e conseguiu o direito de importar o óleo da maconha e, desde então, a filha teve diversos benefícios, como diminuição das crises convulsivas, fim da apneia no sono, melhora cognitiva e da coordenação motora, além de ter começado a transpirar depois de quatro meses de uso.
A presidente da Cultive também conseguiu autorização judicial para cultivar Cannabis e fundar a associação em 2016, que doa o excedente de óleo. Para que esse tipo de medicamento seja incorporado ao SUS, Cidinha defende que os óleos produzidos pelas diferentes associações sejam certificados, testados e fiscalizados por uma agência reguladora autônoma, já que a importação representaria alto custo para os cofres públicos.
Apesar da necessidade da legalização do plantio de Cannabis no país, o neurocientista, biólogo e professor Sidarta Ribeiro, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), lembrou que existem algumas razões para a demora nesse processo, como o pânico moral da sociedade brasileira com a maconha e os conflitos econômicos diretos. “Por que existe monopólio na importação de óleo terapêutico de Cannabis no Brasil? Porque a indústria quer monopolizar todo o mercado mesmo que muita gente fique de fora dele, mesmo que muita gente não possa ter nenhum acesso”, argumentou.
Segundo o especialista, não há impedimentos legais para que o governo compre o óleo de maconha das associações e os disponibilize no SUS. “Todo mundo que é contra pode ter câncer, Alzheimer, Parkinson, Doença de Crohn, Tourette, autismo na família, dor crônica. Não espere precisar para ser a favor”, disse Sidarta.
(*) Com Agência Câmara de Notícias.