Uma viagem de um caminhão, que dura dois dias, pode levar até quatro, e aumentar em 40%, ou mais, o custo do transporte no Brasil, a partir da mudança estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na Lei dos Caminhoneiros (13.103/2015), alerta o Sindicato das Empresas Transportadoras de Combustíveis e Derivados de Petróleo do Estado de Minas Gerais (Sindtanque). Por 8 votos a 3, o STF julgou inconstitucional alguns dispositivos que tratam sobre a jornada de trabalho e descanso.
Com a decisão, ficou estabelecido que os trabalhadores deverão fazer, obrigatoriamente, 11 horas ininterruptas de descanso – com caminhão parado. Além disso, o tempo de espera de carga e descarga, que em alguns portos, por exemplo, pode levar até a 14 horas na fila, passa a ser considerado como horas de trabalho e, a cada seis dias, o motorista deverá usufruir do seu descanso semanal (35 horas). “Vai cair como uma bomba no setor”, afirma Irani Gomes, presidente do Sindtanque. Ele explica que o impacto das novas regras deve ser na casa dos bilhões, levando ao aumento do frete, e, até mesmo, a um colapso viário.
Irani Gomes também alerta que o país não oferece infraestrutura para que os caminhoneiros possam cumprir a regra do descanso devido à extensa malha rodoviária e a falta de investimentos públicos, principalmente, e privado. “Não tem lugar que comportaria tantos caminhões parados tanto tempo. Alguns [motoristas] estão parando à beira da estrada. Os postos já estão lotados e há custos, como abastecimento, alimentação, higiene. Vai ficar mais oneroso para o transporte”, explica. Alguns postos também combram pelo estacionamento do caminhão.
Atualmente, os motoristas fazem o período de descanso revezando a direção com outro colega, uma medida para evitar a exaustão e prevenir acidentes. “A lei de 2015 já permitia esse descanso e era eficiente. A falta de fiscalização nas estradas que leva os motoristas a não respeitarem esta parada”, considera o presidente do Sindtanque.
Iran explica que, com as novas regras, o tempo de entrega mais longo acende alertas sobre cargas perecíveis, por exemplo, e também ao risco de desabastecimento de combustível no país. Segundo ele, o transporte de biodiesel, que demanda viagens mais longas, como para Rondonópolis (MT), deve aumentar em até três dias a sua duração. Isso leva a custos maiores com a diária do motorista, redução da produtividade e, claro, tempo de espera maior pela entrega, afetando contratos. “Um caminhão que dava seis viagens, vai dar três. Até as distribuidoras de combustíveis estão preocupadas. Quem está arbitrando, não tem conhecimento de transportes”, detalha Gomes.
O Sindicato das Empresas de Transportes de Cargas e Logística (Setcemg) estima um impacto financeiro acima de 30% nos custos das empresas, especialmente nas despesas com folha de pagamento, jornada de trabalho, número de trabalhadores, equipamentos e insumos. “As empresas de transportes rodoviário de cargas devem se preparar para reorganizar toda a sua operação logística, comercial e de recursos humanos, assim como promover o diálogo com o setor produtivo e comercial, visando melhorar as condições no transporte, no tempo de carga e descarga, no armazenamento (rotas, tempo de carregamento/descarregamento, etc.) e no aumento do valor do frete”, destacou a entidade em nota.
Diante de um impacto tão grande no setor de transporte, o presidente do Sindtanque afirma que a categoria já começou a se mobilizar em reuniões e busca o diálogo com o Ministério do Trabalho e toda a cadeia de governança. “Se não houver um recuo do mérito, pode vir a ter uma paralisação. A adesão dos caminhoneiros é grande. Já se teme uma greve como em 2018, quando o país ficou parado por 11 dias”, afirma.
Aumento do frete pode causar inflação
Atualmente, o modal rodoviário é responsável por mais de 60% de todo o transporte de tudo que é produzido e consumido no Brasil, segundo dados da Confederação Nacional dos Transportes. Com a mudança na Lei do Caminhoneiro, a queda da produtividade atual será de 25%, segundo o Sindicato das Empresas de Transportes de Cargas e Logística (Setcemg), e será preciso aumentar o número de motoristas para dar conta de tamanha demanda.
“Vamos precisar de mais caminhões, mais funcionários. A gente não tem isso. Não temos nem estrada”, reclama Gladstone Lobato, proprietário da Transavante, que transporta insumos e produtos acabados de grandes grupos industriais em todo território nacional.
Segundo ele, as novas regras estabelecidas pelo STF mostram que “não dá para investir mais no país”, já que o custo operacional vai aumentar consideravelmente. “Com a decisão, vai aumentar o frete e o custo chegará à população. Nós já temos um problema com o óleo diesel: vai aumentar em R$ 0,15 o litro. O governo antecipou a cobrança parcial dos impostos para setembro, para financiar o programa de incentivo à venda de carros para a indústria automobilística”, diz Lobato.
O economista Diogo Santos, do Instituto de Pesquisas Econômicas, Administrativas e Contábeis de MG (Ipead) da UFMG, explica que o frete é um custo importante do transporte de mercadorias. “No Brasil, que é um país essencialmente rodoviário, ele tem um impacto generalizado, assim como combustíveis e energia de modo geral na economia. Então, é possível afirmar que um aumento considerável, relevante e generalizado do frete no país vai ter um repasse nos custos das mercadorias transportadas”, explica.
Porém, o economista pondera que, certamente, existe algum estudo relevante que indique a vantagem dessa medida do STF. “Seja benefício na segurança dos próprios trabalhadores, seja na segurança das estradas, que também reduziria os gastos públicos, por exemplo, no caso de acidentes, que demandam mobilização do sistema de saúde. Além, é claro, do evidente benefício de reduzir a perda de vidas em decorrência da sobrecarga de trabalho”, analisa.
Entidades reclamam de insegurança jurídica para operar
Antônio Luís Júnior, presidente do Setsemg, reclama que as mudanças na legislação causaram uma insegurança jurídica absurda, que pode levar a um passivo trabalhista sem precedentes. “Eles julgaram a lei sem entender. Haverá uma chuva de ações, dependendo da publicação do acórdão. Se for retroativo, desde a origem, o caos está feito”, considera.
Ele explica que a decisão vai dificultar ainda mais a contratação de motoristas, devido ao risco maior. “Para nós é péssima. Quem fez a mudança, não conhece de logística, de viagem e de caminhão no Brasil”, afirma. Segundo ele, a decisão do STF vai afetar não só o transporte, mas todo o setor produtivo: “quem vai pagar a conta é o consumidor”, diz.
A advogada trabalhista Patrícia Muzzi esclarece que a decisão relatada pelo ministro Alexandre de Moraes, tal como foi apresentada em seu voto, realmente traz uma série de inseguranças jurídicas para as transportadoras. “Ela afasta a aplicabilidade das normas, que foram introduzidas pela Lei do Motorista (13.103/2015), principalmente na CLT. Declarando inconstitucionalidade, ela afasta aplicação de uma série de dispositivos que trazia uma peculiaridade para o trabalho dos motoristas, principalmente ao tempo de espera, gozo do intervalo intrajornada, possibilidade de fracionamento e acumulação dos descansos semanais remunerados”,explica.
Para a advogada, a declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos na lei impossibilita que os empregadores tracem uma logística com seus motoristas. “O empregador, nesse primeiro momento, fica sem amparo legal para adequar a sua atividade nessas possibilidades que antes eram autorizadas pela lei”, observa.
Ela lembra, por exemplo, que o tempo de espera não era computado na jornada dos motoristas. “Todo período que os motoristas estão aguardando carregamento, puxando fila, e era indenizado a proporção de 30% o salário-hora, agora deverá integrar a jornada. Se chegar no embarcador, vai computando hora, se passarem 8 horas, começa a contabilizar como hora extra. Isso tem sim um grande impacto econômico de logística para empregadores e setores de transporte em geral. E, muito possivelmente, vai afetar os custos dessas operações”, explica.
A advogada lembra que a decisão ainda não foi publicada e só o resultado da votação está disponível. “A gente aguarda para ver se terá alguma modulação de efeitos. Ou seja: se o STF vai talvez vá se pronunciar em alguma outra decisão, para modular o efeito de a partir de quando vai valer essa declaração de inconstitucionalidade. Se o tempo pretérito vai ser acertado ou se será só daqui para frente. A gente aguarda como vai ser a definição final desse julgamento”, explica.
Fonte: O Tempo.