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quinta-feira, 3 de outubro de 2024

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Só 2% das cidades de MG têm abrigo a vítimas de violência

Por Dentro De Tudo:

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Abrigo: lugar que se destina a proteger, amparar e esconder. Dentro da rede de proteção à mulher vítima de violência, os abrigos, espaço destinado àquela que não pode ter a localização descoberta para permanecer viva, são a última opção. Mas só uma pequena parte das vítimas consegue ter acesso ao recurso. Em Minas Gerais, apenas 18 cidades oferecem abrigos para mulheres vítimas de violência – o que representa 2% do Estado. 

São sete abrigos no total, sendo um deles um consórcio entre 12 municípios (confira lista detalhada abaixo). Todas as casas de acolhimento às mulheres em risco de feminicídio em Minas Gerais são iniciativas municipais. E seis regiões do Estado vivem um deserto de proteção, sem nenhum equipamento de permanência qualificado às vítimas de violência doméstica (Jequitinhonha, Noroeste, Campo das Vertentes, Oeste de Minas, Central e Zona da Mata).

A título de comparação, em São Paulo, onde está a maior quantidade de abrigos do Brasil, são 32 espaços de amparo a mulheres vítimas de violência para 645 cidades – cerca de um abrigo a cada 20 municípios. No Paraná, são 14 abrigos para 399 cidades – cerca de um a cada 29. Já em Minas Gerais, a taxa é de um abrigo a cada 121 cidades. O número escancara uma insuficiência em proteger as mulheres vítimas de violência de gênero no Estado, segundo especialistas em política pública e direito das mulheres. Esse é o tema da série “Procura-se abrigo antes que ele me mate”, que O TEMPO começa a publicar nesta segunda-feira (25 de setembro). 

Para um Estado que atende uma ocorrência de violência doméstica a cada quatro minutos, somando 437 casos ao final de um dia, segundo dados da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública de Minas Gerais (Sejusp), sete abrigos deixam a maioria das vítimas que precisam do lado de fora. “É evidente que um número como esse não é suficiente. É praticamente inviável, parece uma brincadeira. Estamos falando mesmo em política pública?”, questiona Elizabeth Fleury, pesquisadora da Fiocruz Minas e especialista em políticas públicas. “Em questão de planejamento, é uma fórmula básica. É avaliar o tamanho da demanda e perceber que é preciso de mais. Não é viável termos regiões inteiras sem um abrigo sequer. Não deixa de ser uma das razões de até hoje não termos conseguido diminuir os números de feminicídio no Estado”, avalia.

De fato, como mostrou a 17ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, Minas Gerais é o segundo Estado do país com mais mortes de mulheres por feminicídio. E os assassinatos não param de crescer. Em 2021, 155 mineiras tiveram as mortes registradas como feminicídio, enquanto em 2022, foram 174, o que indica que os casos aumentaram 12%. Neste ano, até início de julho, 93 vidas já foram perdidas – 13 mulheres vítimas de violência doméstica e familiar foram assassinadas por mês. 

O problema é maior no interior. “Há uma soma de obstáculos que as mulheres encontram à medida que se distanciam da capital”, afirma a presidente da Comissão Especial de Enfrentamento à Violência Doméstica da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG), Isabel Araújo Rodrigues. “Ainda lidamos com um número alto de vítimas de violência que não chegam à rede de proteção, ou, mesmo que cheguem, têm o atendimento perdido pelo caminho. No interior, as políticas dependem das redes de enfrentamento local, do juiz, do promotor, do delegado, da assistência social, e por aí vai. Isso ajuda onde as situações estão mais precárias, mas não é suficiente. Lugar de mulher é no Orçamento público. Sem que sejam adotadas políticas públicas, não há mudança significativa”, ressalta. 

Parceria garante hotéis para mulheres em risco no interior

Em Barbacena, no Campo das Vertentes, uma das regiões do deserto de proteção, o município sentiu a necessidade de firmar um convênio com o Instituto Avon. Já que não há um abrigo, a parceria oferece diárias em hotéis a mulheres em risco de feminicídio. “A mulher pode permanecer por até 15 dias no hotel credenciado e levar os filhos, se for preciso. Como sua vida está em risco, não há contato com o mundo exterior, o local é sigiloso, e a vítima passa a responder por um outro nome. É comum a mulher ser levada para um hotel fora da cidade quando o caso é grave”, explica o secretário de Assistência Social do município, Daniel Melo. Segundo ele, a iniciativa tem sido realizada há cerca de três anos e surgiu do aumento de casos de violência contra a mulher na cidade durante o período da pandemia.

Apesar de ser uma parceria que ajuda as mulheres vítimas de abuso, a promoção de hotéis com o Instituto Avon não é considerada abrigamento, se encaixando mais na proposta de acolhimento provisório, e deveria ser usado para mulheres que não correm risco de serem assassinadas. “Por mais que tenham serviços alternativos, só um abrigo qualificado e público é capaz de acolher uma mulher por prazo estendido, sem arriscar sua exposição, sem colocar em risco outras pessoas, e podendo conduzi-la até sua autonomia”, afirma a advogada Eliana Piola, integrante do movimento Quem Ama Não Mata. Piola esteve como superintendente na última gestão do Consórcio de Promoção da Cidadania Mulheres das Gerais, responsável pelo abrigo em Belo Horizonte. 

Em Juiz de Fora, na Zona da Mata, outra região do deserto de proteção, o problema chamou a atenção da arquiteta e urbanista Priscila Azevedo, que publicou por meio da faculdade o estudo de criação de um abrigo para mulheres vítimas de violência na cidade. “O que chamou a minha atenção é que Juiz de Fora é uma cidade média, referência para cidades vizinhas, tanto mineiras quanto cariocas, é palco de grandes programas sociais, mas não tem um abrigo para mulheres vítimas de violência”, comenta. “Quando comecei a estudar o assunto, pude conhecer mulheres que estavam sendo violentadas sem ter para onde ir. Pude perceber que enquanto uma está nessa situação, nenhuma outra está livre. Por isso, pensei nesse trabalho, para chamar atenção para o problema”, reforça Priscila. 

Mesmo em BH, onde há abrigo, demanda recai sobre alternativas improvisadas 

O abrigo consorciado em BH que atende a 12 municípios pode receber até no máximo 30 famílias (mulher e filhos) por vez. Ele é o maior de Minas Gerais. Segundo apurado pela reportagem, as demais casas-abrigo ficam lotadas, com uma média de 20 famílias (mulher e filhos). E, como são municipais, não podem atender vítimas de outras cidades. 

Boa parte da demanda do Estado chega pelo Centro Risoleta Neves de Atendimento à Mulher (Cerna). Nele, as mulheres são escutadas, recebem atendimento psicossocial e são encaminhadas para abrigos, caso avaliado como necessário. De acordo com o governo de Minas, em todo o ano de 2022, foram realizados 2.555 atendimentos pelo Cerna. E só no primeiro semestre deste ano, 83% desse número já foi batido – foram feitos 2.122 atendimentos até junho. O aumento da demanda resultou em aumento de soluções alternativas. 

A coordenadora da Casa de Referência da Mulher Tina Martins (foto), fruto de uma ocupação do Movimento de Mulheres Olga Benário, Pedrina Gomes, denuncia que a Casa está abrigando mulheres encaminhadas pelo Estado, mesmo não sendo um equipamento de abrigo. “Como o Estado não tem para onde enviar as mulheres, as encaminha para nós. Estamos abrigando mulheres de outros municípios, funcionando como uma porta aberta, sendo que não é o nosso papel”, diz.

“Somos um movimento social, uma iniciativa autônoma, não recebemos nenhum investimento do Estado. Mas praticamente 100% das mulheres abrigadas foram encaminhadas por ele. Está claro que há uma sobrecarga”, continua Pedrina. Como a Casa Tina Martins não tem o endereço e as informações sob sigilo, como acontece com os abrigos, as mulheres abrigadas seguem um perfil de serem de outro município, e, dessa forma, os agressores não sabem da nova localização. No momento, há quatro mulheres e duas crianças acolhidas no espaço. “Se não houvesse sobrecarga, todas estariam no abrigo de BH”, afirma a coordenadora. 

Rede de abrigamentos pode se inspirar no SUS

De acordo com a advogada Isabel Araújo Rodrigues, o ideal seria que o abrigamento à mulher vítima de violência funcionasse em rede, como o Sistema Único de Saúde (SUS). “É uma opção para tornar mais eficazes políticas de cooperação entre os municípios. Isso é muito comum na área da saúde, na qual temos experiências positivas. Por exemplo, cidades maiores, de 100 mil habitantes, podem receber mulheres encaminhadas de cidades do entorno”, explica. 

A iniciativa é a mais indicada, uma vez que nem todas as cidades conseguem ou precisam manter um abrigo sozinhas. “Manter espaços como esses não é barato. Tem municípios que não têm como traduzir isso para a realidade, e nem é preciso. Só é possível por meio de consórcios. A mulher precisa ser encaminhada para o abrigo de referência na cidade mais próxima”, adiciona a advogada Eliana Piola. 

Para que as políticas funcionem, no entanto, a especialista Elizabeth Fleury denuncia a necessidade de envolvimento do governo de Minas. “O Estado não contribui com a adoção dos abrigos no momento, e é preciso que ele ajude. Ajude mesmo, precisa estar junto desses municípios. É um investimento que o Estado faz para salvar essas mulheres e seus filhos. Minas não pode continuar com essa taxa de feminicídio”, avalia. 

O que diz a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social de Minas Gerais (Sedese)? 

A subsecretária da Mulher da Sedese, Soraya Romina, afirma que não é papel do Estado implantar ou fazer gestão de casas-abrigo para mulheres vítimas de violência. “Compete ao Estado prestar apoio, oferecer orientação técnica, ações de capacitação aos municípios e gerir o Centro Risoleta Neves de Atendimento à Mulher (Cerna). Não é função implantar nem fazer gestão das casas de abrigo. Todas elas são de gestão municipal”, reforça. “O Estado tem, dentro das atribuições, o Cerna, que cumpre um atendimento especializado às mulheres de todo o Estado de Minas Gerais, e uma metodologia muito delicada no tratamento da violência”, continua. 

Ainda de acordo com Romina, a forma como a rede de proteção funciona hoje é adequada. A subsecretária negou qualquer tipo de sobrecarga. “Até hoje não vi uma mulher deixar de ser atendida por falta de vaga em abrigo em Minas”, diz. “Temos uma gestão em rede, a nível local e estadual, conectada em todos os serviços. Se aconteceu uma situação em não houve vaga em BH, por exemplo, imediatamente a rede se articula para oferecer outro espaço. Os municípios que não têm (abrigo) procuram um município de maior abrangência. Pode ser que demore 12h, 24h, mas uma mulher em risco de feminicídio não vai voltar para casa”. 

Abrigos para mulheres vítimas de violência em Minas Gerais 

  1. Sempre Viva – Região metropolitana de BH
    (consórcio entre os municípios: Belo Horizonte, Betim, Contagem, Divinópolis, Itabira, Lagoa Santa, Nova
    Lima, Nova Serrana, Raposos, Ribeirão das Neves, Sabará e Santa Luzia)
  2. Teófilo Otoni – Vale do Mucuri 
  3. Montes Claros – Norte de Minas
  4. Governador Valadares – Rio Doce 
  5. Poços de Caldas – Sul de Minas 
  6. Uberaba – Triângulo Mineiro 
  7. Uberlândia –  Triângulo Mineiro 

Fonte: Governo de Minas Gerais (Sedese)

Relação de abrigos por Estados do Brasil 

  • AC: 2
  • AL: 1
  • AP: 1
  • BA: 5
  • CE: 3
  • DF: 2
  • ES: 1
  • GO: 2
  • MA: 2
  • MG: 7
  • MS: 2
  • MT: 3
  • PA: 7
  • PB: 2
  • PE: 5
  • PI: 1
  • PR: 14
  • RJ: 5
  • RN: 2
  • RO: 5
  • RR: 1
  • RS: 10
  • SC: 4
  • SE: 2
  • SP: 32
  • TO: 1

Total: 122 

Fonte: Governo federal – Ministério das Mulheres

Onde pedir ajuda? 

  • Ligue 180 – Para orientação às mulheres em situação de violência e para denúncias
  • Ligue 190 – Se ouvir gritos ou sons de briga e em caso de emergências
  • Ligue 192 – Para emergência médica
  • Defensoria Pública Especializada na Defesa dos Direitos da Mulher em Situação de Violência (Nudem-BH). Contato pelo e-mail [email protected] ou pelos telefones: (31) 98475-2616 / 98464-3597/ 98239-8863 / 98306-1247
  • Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher: 3330-5752
  • Cerna (Centro Risoleta Neves de Atendimento): av. Amazonas, 558, 1º andar, centro. Tel.: (31) 3270-3235 / (31) 3270-3296. E-mail: [email protected].
  • Promotoria de Justiça Especializada no Combate à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher: (31) 3337-6996. E-mail: [email protected]
  • Ceam Benvinda (Centro Especializado de Atendimento à Mulher): rua Hermílio Alves, 34, Santa Teresa. Tel.: (31) 3277-4380 / 3277-4379 / 3277-4755 / 98873-2036
  • Se na sua cidade não houver serviço especializado de atendimento à mulher em situação de violência, você pode comparecer à Delegacia de Polícia Civil mais próxima, ao serviço de assistência social do seu município (Creas), à Defensoria Pública da sua cidade ou à Promotoria de Justiça da Comarca.

Fonte: O Tempo. Foto: Flávio Tavares / O Tempo

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