A quantidade de casos de dengue em Minas Gerais já é quase quatro vezes maior neste ano do que o registrado em todo o período de 2022, acumulando mais de 280 mil diagnósticos positivos. Em Belo Horizonte, os dados também são alarmantes: houve aumento de 748,9%, entre janeiro e a primeira quinzena de setembro, na comparação com o mesmo período do ano passado. A proximidade da época quente e chuvosa acende o alerta para o risco de um recrudescimento da doença no estado.
Segundo o boletim epidemiológico divulgado pela Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG), 282.591 mineiros adoeceram até o último dia 25. Em todo ano passado, foram 71.056 registros, conforme balanço da SES-MG, divulgado em 3 de janeiro. O número representa um aumento alarmante de 297,7%. Outros 104.816 ainda estão em investigação.
Em Belo Horizonte, a situação não é diferente do restante do estado. De acordo com dados da Secretaria Municipal de Saúde, de janeiro até 22 de setembro, 10.799 pessoas foram contaminadas pela dengue, um aumento de 748,9% na comparação com o dado consolidado do ano passado.
Mais da metade dos municípios (53,5%) estão em risco ou alerta para o combate ao Aedes aegypti, vetor do vírus que transmite a doença, de acordo com dados do segundo Levantamento Rápido de Índices para Aedes aegypti (LirAa/LIA) de 2023, divulgado pela SES-MG em julho deste ano.
O cenário epidemiológico de 2023 preocupa as autoridades de saúde. O Lira é realizado quatro vezes ao ano e faz parte das estratégias para monitoramento e controle do mosquito. O resultado do documento ainda é melhor do que o primeiro levantamento, divulgado em fevereiro, que expôs a situação alarmante de quase 80% dos municípios mineiros.
DIFERENTES TIPOS DE VÍRUS
Por trás desses números, segundo especialistas em infectologia ouvidos pelo Estado de Minas, há dois fatores combinados: a interação entre a imunidade da população e o tipo de vírus em circulação. Doenças como a dengue são cíclicas – a cada três ou cinco anos há um pico.
A última epidemia em Minas Gerais foi registrada em 2019. Como o vírus da dengue tem quatro sorotipos, a cada ano um deles pode se sobressair e causar essa escalada de casos. “É por isso que a dengue vai e volta, sempre. Se o que está prevalecendo agora é o sorotipo 1, por exemplo, a população não está imune e os casos voltam a subir”, explica o médico infectologista Leandro Curi.
A infecção por um sorotipo gera imunidade contra o mesmo, mas, ainda assim, é possível contrair dengue novamente se houver contato com um sorotipo diferente. “Isso dificulta adquirir uma imunidade de rebanho, que é aquela que chamamos de imunidade coletiva. Se eu sou picado por um tipo, eu estou protegido daquele, mas estou vulnerável aos outros três”, completa o infectologista Alexandre Sampaio, professor da Faculdade de Saúde Santa Casa BH.
O vírus do tipo DEN1 é o que mais afeta os brasileiros, sendo visto como o mais explosivo dos quatro e que pode causar grandes epidemias em um curto prazo. É justamente este sorotipo que está em maior circulação no estado neste momento, conforme o último boletim epidemiológico divulgado pela SES-MG, dia 25/9. O DEN-2, um dos responsáveis por causar formas mais graves da doença, é o outro tipo mais recorrente em Minas. Não há registro dos sorotipos 3 e 4 no balanço da SES-MG.
“Já era esperado esse aumento em vista do padrão histórico. Apesar disso, não observamos um reflexo no número de internações”, destaca Sampaio. Essa oscilação de períodos endêmicos, vista desde o primeiro caso registrado no país, em 1980, é esperada enquanto não houver uma vacinação em massa contra a doença.
INFECÇÃO SIMULTÂNEA
O aumento significativo de dengue não é exclusivo de Minas Gerais, tendo atingido diversos outros estados brasileiros. Mas, em terras mineiras, um estudo de vigilância genômica epidemiológica, conduzido pelo Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pelo Laboratório Hermes Pardini/Grupo Fleury, divulgado no início de setembro, colocou Minas Gerais sob alerta nacional. Isso porque o número de casos de infecção simultânea para dengue e chikungunya, ou seja, quando o paciente contrai as duas doenças ao mesmo tempo, disparou no estado. De janeiro a julho de 2023, 11% dos mineiros adoeceram com ambos os vírus no organismo. Durante os picos de epidemia, a taxa de coinfecção, como é chamado esse raro fenômeno, gira em torno de 2% a 3%. No mesmo período de 2022, por exemplo, o índice era de 2%, ainda raro. Os altos índices são compatíveis com surtos nos períodos chuvosos.
Ambas as doenças têm o mesmo agente transmissor: o mosquito Aedes aegypti, vetor do vírus. A combinação entre altas temperaturas e chuvas isoladas aumentam os pontos de água parada e criam o ambiente ideal para a proliferação do pernilongo. Com a proximidade do período quente e chuvoso, as transmissões de arbovírus podem aumentar ainda mais.
O alarde é confirmado pelos dados do último boletim epidemiológico da SES-MG. O levantamento indica que os casos de dengue saltaram quase 2.000%, saindo de 13.802 infectados no final de fevereiro para pouco mais de 282.591 mil no mesmo período de setembro. Já as infecções por chikungunya também surpreendem: aumentaram 1402,3% nesse mesmo período. Em fevereiro, vários municípios mineiros decretaram estado de emergência.
A coinfecção de dengue e chikungunya pode ocorrer de duas formas: um mosquito pode passar as duas doenças em uma picada, caso bastante raro, ou a pessoa é infectada duas vezes ao ser picada por dois mosquitos diferentes, um carregando o vírus da dengue e outro o da chikungunya. O diagnóstico duplo é um desafio, já que as doenças têm quadros clínicos semelhantes, e só podem ser confirmadas por testes laboratoriais.
O diagnóstico correto é importante para que as autoridades de saúde possam tomar as medidas necessárias para controle da doença e para que os médicos possam dar o tratamento apropriado ao paciente. “A reação vai depender da situação da infecção e da vulnerabilidade do paciente. Mas, quando falamos de infecção simultânea, a tendência é de um mal-estar maior”, alerta o infectologista Leandro Curi.
LETALIDADE E SEQUELAS
Para o risco de morte, a doença mais grave é a dengue. Somente entre janeiro e setembro deste ano, foram confirmados 176 óbitos em Minas Gerais, número 166,6% maior do que o registrado nos 12 meses de 2022, quando 66 pessoas perderam a vida em decorrência da doença no estado. A maior mortalidade, desde o início do ano, foi registrada em Uberaba, no Triângulo Mineiro, com 16 óbitos. Uberlândia, município também no Triângulo Mineiro, teve 13 mortes. Metade delas aconteceu na Região Metropolitana de Belo Horizonte – sendo que, na capital, foram nove óbitos e, em Contagem, quatro. Outras 77 mortes ainda estão em investigação.
Por outro lado, apesar de menor letalidade, a chikungunya pode deixar o paciente incapacitado total ou parcialmente, por meses ou anos, em razão de dores articulares crônicas. “Diferente da dengue, que vem causando estrago e vai embora, a chikungunya deixa esse grupo de pessoas doentes por meses. Em torno de 15% a 20% das pessoas podem ter dores intensas nas articulações dos pés, punho e mão”, sinaliza Alexandre Sampaio.
Questionada pela reportagem, a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) informou que realiza ações de combate e prevenção ao mosquito Aedes aegypti durante todo ano. Os agentes fazem vistorias nos imóveis para eliminar os focos e orientar moradores. Em 2023, foram realizadas cerca de 3 milhões de vistorias. “Além disso, a Secretaria Municipal de Saúde realiza a aplicação de inseticida para o combate a mosquitos adultos em áreas com casos suspeitos de transmissão local e também utiliza drones para a aplicação de larvicida diretamente nos pontos de risco, quando estes são de difícil acesso”, disse por meio de nota.
O Estado de Minas também entrou em contato com a Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG) para detalhar ações de combate ao mosquito em Minas Gerais, mas até o fechamento desta matéria não obteve retorno.
VACINA EM CLÍNICAS PRIVADAS
A vacina contra a dengue da farmacêutica japonesa Takeda, a primeira de uso amplo na população, já está sendo oferecida em clínicas privadas de vacinação em todo país, segundo a Associação Brasileira de Clínicas de Vacinas (ABCVAC). O esquema vacinal contempla duas doses, que são aplicadas com um intervalo de três meses, e custará, em média, R$ 800. O imunizante, chamado Qdenga, teve eficácia de 80% nos estudos clínicos. Essa é a segunda vacina contra a doença a receber registro no Brasil, mas a primeira que pode ser usada independentemente de o paciente ter ou não infecção prévia pelo vírus da dengue. Isso porque a primeira, do laboratório francês Sanofi Pasteur e aprovada no país em 2015, só pode ser aplicada em quem já contraiu algum sorotipo da dengue, porque aumenta a ocorrência da forma grave da doença em pessoas nunca antes infectadas pelo vírus.
PERIGO NO AR
Cuidados que podem diminuir a proliferação do Aedes aegypti
Eliminar água armazenada em vasos, pneus, garrafas, piscinas sem uso;Deixar tampada e lavar com bucha e sabão a parte interna da caixa d’água;Eliminar objetos que acumulam água, como tampinhas de garrafa;Guardar garrafas vazias de cabeça para baixo;Retirar a água acumulada da bandeja externa da geladeira e lavar com água e sabão;Deixar limpo o suporte do garrafão de água mineral;Manter sempre limpo cascatas e espelhos d’água decorativos