Aos poucos, o ensino presencial vai sendo retomado nas escolas e o home office vai deixando de ser opção para trabalhadores das mais diferentes áreas. Mesmo com o uso de máscaras e medidas de distanciamento, as atividades vão voltando à “normalidade”. Mas nem todos estudantes e trabalhadores se sentem à vontade para o retorno ao contato com o mundo que vai além do ambiente doméstico.
Além do medo da Covid, existe uma resistência em retomar uma vivência de contatos humanos muito mais complexos do que as ferramentas virtuais proporcionam. Essa realidade é observada em várias partes do mundo. No exterior, o medo de voltar às atividades presenciais ganhou até nome: FORTO (“fear of returning to the office”, medo de voltar ao escritório).
Teresa Kurimoto, professora da Escola de Enfermagem da UFMG e especialista em saúde mental, explica que os relacionamentos humanos são as principais fontes de sofrimento para as pessoas e muitos preferem evitar os contatos. “Uma parcela da população privilegiada que pôde ficar em casa ficou no quarto vivendo pela janela da tela. Houve embate com o outro e consigo mesmo, mas isso ficou mais diluído no ambiente virtual. É muito importante ter redes sociais e fazer chamadas de vídeo para ter contato com os outros, mas eu posso desligar, posso bloquear”, explica a professora. “O embate termina quando desligo um botão. Mas no presencial, não é possível bloquear o outro”.
A especialista lembra que a pandemia proporcionou à grande parte da população um processo reflexivo sobre o cotidiano, sobre as relações que cada um de nós tem com o outro, com o trabalho, com a natureza, com o consumo. Foi preciso encarar que o mundo se transformou. “É preciso viver o temos agora em vez de ficarmos esperando por uma volta a uma realidade que tínhamos no passado”, diz.
Para muitos trabalhadores, não é possível manter a labuta de maneira virtual, especialmente com o avanço da vacinação. O comediante Ricardo Bello, 43, é um dos muitos profissionais que ficaram reclusos durante toda a pandemia e decidiram retomar o trabalho presencial somente após a imunização completa (duas semanas após a segunda dose).
Ele manteve o contato com o público por meio de vídeos na internet e, em breve, vai encarar um público diferente, de máscara no rosto. “Há alguns meses, as pessoas começaram a me perguntar sobre apresentações presenciais, mas eu sempre deixei claro que só retomaria depois de tomar as vacinas”, diz.
Bello deseja que a plateia mantenha os cuidados de distanciamento e a segunrança durante as apresentações. “Espero que o público esteja consciente. Porque pelo que vemos nas redes sociais é que as pessoas estão vivendo como se fosse verão nos anos 90, como se não tivesse pandemia”.
Covid ainda é temor para quem retomou presencial
Muitos trabalhadores que já retomaram o trabalho presencial ainda convivem com o temor intenso da contaminação pela Covid. O professor Victor Coelho, 33, conta que os protocolos bem seguidos na escola em que trabalha não aliviaram o medo. “Minha maior preocupação neste momento é com o transporte público, que passei 17 meses sem usar, mas agora não posso mais evitar. Outra preocupação grave são as notícias de que as bolhas de alunos receberão mais alunos, mas as salas físicas não aumentarão de tamanho”, diz Victor, que é pai de dois bebês e tem medo de contaminar os filhos.
A ativista cultural Carem Abreu, 50, só assumiu um novo trabalho por contas das medidas de segurança rigorosas do local. Mas ela sente que sua relação com o mundo não será mais o mesmo. “O meu receio está no fato de que eu, que me sinto muito bem em meio a várias pessoas, não ter mais isso. Hoje se encontro uma pessoa e ela não fez um teste de PCR, tenho muito dificuldade de me aproximar. Se entro em um local de alimentação e tem alguém sem máscara, nem consigo me alimentar naquele local”, relata.
Mas a volta ao presencial pode ser extremamente benéfica, especialmente para quem sofreu muito durante o isolamento. O assessor parlamentar Pedro Munhoz, 41, diagnosticado com ansiedade e depressão, voltou a trabalhar presencialmente em maio e diz que isso, aliado ao tratamento e à terapia, tem feito muito bem à mente. “O isolamento foi horrível para mim. Tinha acabado de me separar e, por causa da ansiedade, não conseguia assistir a filmes e lives como as outras pessoas. No início, senti medo e incerteza na volta ao presencial, mas a comunicação é muito mais fluida no contato real”, conta.