ovas variantes do coronavírus, até mesmo mais transmissíveis e letais que a Delta, podem surgir a qualquer momento. Para acabar com os riscos, é preciso vacinação – e reforço – em massa, além de todas as medidas de segurança constantemente incentivadas por médicos e autoridades sanitárias, como o simples uso da máscara.
“É importante que todos entendam que o surgimento da Delta ou o crescimento da frequência dela não são as últimas cenas desse filme”, reforça o professor do Departamento de Genética, Ecologia e Evolução da UFMG, Renan Pedra. Pesquisador na área da medicina de precisão, ele integra a linha de frente dos estudos da cepa no Estado. Os trabalhos de sequenciamento do vírus são feitos no Observatório de Vigilância Genômica de Minas Gerais, que semanalmente analisa amostras de dez regionais de saúde. Pedra é um dos coordenadores do projeto e falou sobre os estudos em andamento. Confira a entrevista.
Por que a variante Delta é mais transmissível?
Quando a gente fala que existe uma nova variante, na verdade estamos falando de um conjunto de pequenas variações, que são as mutações. Esse conjunto é único, e essa singularidade é um dos pontos que caracteriza a Delta. Dentro dela, existe uma mutação que não era vista em variantes como a Gama e a Alfa, e ela parece ser a grande responsável pela transmissibilidade aumentada.Fernando Michael/Hoje em Dia
Qual a maior preocupação com relação a essa variante?
Se você não está imunizado, está mais suscetível à infecção. Mas mesmo para a pessoa que já está vacinada, todas as variantes têm capacidade de infecção, e parece que a Delta faz isso com mais facilidade. Ela consegue infectar pessoas imunizadas de uma forma mais eficiente. Isso vai contra uma ideia que muita gente já construiu de que a pessoa vacinada está completamente imune. A chance de desenvolver casos graves ou morrer em decorrência da Covid-19 é muito menor, mas você ainda pode ser um elemento na cadeia de transmissão.
A variante ameaça o fim da pandemia?
Sem a presença da Delta, a gente vinha discutindo, por exemplo, por quanto tempo a resposta imune gerada tanto pela infecção natural como pelas vacinas estaria presente. Existiam algumas dúvidas quanto à ideia de que, uma vez vacinado, tudo estaria resolvido. Mas com a entrada da Delta, essa linha de raciocínio se mostra mais frágil. Como os números indicam, a Delta tem maior facilidade de infectar pessoas que já estão vacinadas. Com isso, há expectativa de que ela continue circulando por mais tempo.
O senhor acredita que pode surgir uma variante ainda mais perigosa que a Delta?
O vírus simplesmente muda, mas o ambiente seleciona as variantes que sejam mais interessantes ao próprio vírus. Então, vai continuar acontecendo. Enquanto a pandemia não estiver sob controle, não tem como imaginar um cenário em que novas variantes não vão surgir. É importante que todos entendam que o surgimento da Delta ou o crescimento da frequência dela não são as últimas cenas desse filme.
Como é feito o trabalho de sequenciamento genético do vírus para identificar as variantes do coronavírus na UFMG?
A primeira parte é o recebimento das amostras que já chegam separadas, para que essas variantes sejam caracterizadas. Esse trabalho pré-analítico é todo feito na Fundação Ezequiel Dias, e as amostras das regionais que nós monitoramos chegam ao laboratório toda semana. É o material genético do vírus que foi retirado da amostra usada para fazer o diagnóstico. O que nós fazemos é, por meio de reações químicas, perguntar quais são as variantes naquele material genético. Esse processo dura cerca de seis horas para cada cem amostras, depois vem o resultado que precisa de análise computacional. Então, juntamos isso com as informações que temos de cada amostra e fazemos a notificação para os órgãos dentro do Estado.Fernando Michael/Hoje em Dia
A UFMG tem equipamentos suficientes para absorver a demanda?
Costumo dizer que existem três necessidades nesse processo. A estrutural, de equipamento mesmo, mas essa frente quero acreditar que estamos bem amparados. Existe uma segunda que é o capital humano. A gente está com diversos projetos acabando, e isso pode gerar um gargalo por conta do fim das bolsas. E tem um terceiro elemento, que são os materiais consumíveis. Uma parte desse processo é destrutivo: quando eu faço a reação, é preciso usar alguns insumos, e para uma nova reação, são necessários mais deles. Ao contrário do equipamento, que só precisa de manutenção, esses insumos requerem um aporte de capital recorrente. E por conta da finalização de alguns projetos, eles também correm risco de acabar, o que impede a sustentação de uma iniciativa como essa por muito tempo.
O senhor acredita que isso pode levar a uma redução no ritmo de pesquisas a médio e longo prazo?
Lá no início, havia editais específicos para o enfrentamento da pandemia, e foi graças a eles que muito da estrutura hoje instalada e em operação foi criada. Muitas dessas chamadas são do primeiro semestre do ano passado, com duração de seis meses a um ano. Neste ano, nós não vimos, das várias agências que criaram chamadas no ano passado, alguma novidade nessa linha. Com a manutenção da pandemia e a entrada da Delta, a gente precisa de uma nova discussão e também um diagnóstico do que já foi feito, para aí sim termos uma nova rodada de financiamento de projetos bem estratégicos. Mas é importante que a resistência desses projetos não nos deixe incapazes de conhecer o que está acontecendo. Sem informações e dados, a luta fica consideravelmente mais difícil. Aqui na UFMG, existem algumas iniciativas de monitoramento de variantes. O Laboratório de Biologia Integrativa é uma delas.
Existe previsão para ampliação nos testes, seja na universidade ou em laboratórios parceiros?
Sei de outras iniciativas de laboratórios que podem entrar no processo, até porque nossa iniciativa só consegue cobrir dez das 28 regionais de saúde do estado. Seria essencial cobrir o Estado todo para que a Secretaria de Saúde tenha todas as informações que ajudem a tomar decisões em nível estadual. Teve um projeto, entre março e abril, em que conseguimos monitorar todas as regionais. Mas como era uma iniciativa temporária, ela já se encerrou. Foi uma foto interessante, mas temos que lembrar que a pandemia é um filme, com novas cenas a cada dia. Se a gente simplesmente tirar uma foto a cada três meses, não haverá muita informação sobre o processo. É uma questão de longevidade da iniciativa, e precisamos colocar Minas Gerais nessa posição de protagonismo.