Doença milenar, crônica e curável, mas ainda cercada de mitos, estigmas e preconceitos, a hanseníase tem em janeiro um mês dedicado à atenção para o tema e ao esclarecimento sobre sintomas, prevenção e tratamento. O objetivo da campanha “Janeiro Roxo” é ampliar o conhecimento da população sobre a doença, por meio de ações de conscientização, e reforçar a importância do diagnóstico precoce para evitar a ocorrência de sequelas graves, que geram incapacidades físicas.
Segundo o Ministério da Saúde, o Brasil é o segundo país com maior número de casos no mundo, perdendo apenas para a Índia. Já os dados da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG) mostram que, entre 2016 e 2020, foram notificados 5.044 novos casos de hanseníase no estado no período. A maior parte (2.833) é do sexo masculino, o que corresponde a 56,2% do total.
A Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig) possui quatro casas de saúde, que são ex-colônias de hanseníase: Santa Izabel (CSSI), em Betim, fundada em 1931; Santa Fé (CSSFE), em Três Corações, fundada em 1942; São Francisco de Assis (CSSFA), em Bambuí, fundada em 1943; e Padre Damião (CSPD), em Ubá, fundada em 1945.
A Fhemig também conta, no Hospital Eduardo de Menezes (HEM), com um ambulatório específico de cuidados para casos complexos, com abrangência estadual, compondo a rede de serviços de dermatologia sanitária. O ambulatório do HEM ainda realiza treinamentos de profissionais para todo o Estado de Minas Gerais.
Avanço no atendimento
As Casas de Saúde da Fhemig, à época de sua criação, eram exclusivamente sanatórios, com o objetivo de atender, mas principalmente isolar especificamente pacientes da hanseníase de Minas Gerais e de outros estados. A internação compulsória e a rigidez de seu controle, com agravantes de exclusão social, foram a tônica da história desses sanatórios. Famílias inteiras foram internadas, e os filhos que ali nasciam eram separados das mães e cuidados em preventórios.
O avanço da ciência e a conquista de direitos promoveram mudanças na política oficial em relação às colônias, colocando fim à crueldade histórica da segregação. As colônias transformaram-se em centros de reabilitação e cuidado ao idoso, com destaque para o tratamento da hanseníase, por meio de uma linha de cuidados exclusiva para este público, atendido por equipes multidisciplinares. As unidades também oferecem atendimento à população em diversas especialidades médicas.
Segundo a diretora assistencial da Fhemig, Lucineia Carvalhais, uma das características deste trabalho é a forma humanizada como ele é realizado atualmente. “O protocolo específico da Fhemig, que padroniza o cuidado nas Casas de Saúde, trabalha de forma cada vez mais integrada com o SUS regional, contribuindo para a redução do preconceito e para auxiliar no acesso dos pacientes a todos os serviços que são ofertados à população da região”, explica a diretora, que também é infectologista.
Ex-hansenianos remanescentes e seus familiares vivem em áreas residenciais nas quatro Casas de Saúde que a Fhemig mantém. Recentemente, 146 famílias que residem na CSSI receberam suas escrituras, tendo Minas Gerais sido o primeiro estado a entregar esses títulos de propriedade de imóveis a ex-internos de colônias de hanseníase. “Ter, enfim, o registro da casa própria em mãos trará segurança a esses moradores, além de potencializar o investimento em políticas públicas e, principalmente, o desenvolvimento econômico. É, sem dúvidas, um grande avanço”, afirmou a presidente da Fundação, Renata Dias.
Guia Assistencial
Com o objetivo de delinear e padronizar a assistência em suas Casas de Saúde, a Fhemig lançou, em julho de 2021, o Guia Assistencial de Atendimento nas Casas de Saúde às Pessoas Acometidas pela Hanseníase. A publicação traz as principais orientações aos usuários que têm acesso à linha de cuidado oferecida por estas unidades.
No guia, que foi totalmente padronizado, é possível conhecer os princípios do SUS que norteiam os direitos dos usuários e os deveres do Estado para a garantia da assistência. Também são demonstradas as necessidades dessas pessoas e como são traçados os planos individuais de atendimento, de forma multiprofissional e interdisciplinar. Essa assistência foi elaborada a partir das diretrizes do Ministério da Saúde, no que diz respeito à saúde do idoso e da pessoa com deficiência, vigilância epidemiológica e tratamento da hanseníase. “O atendimento multiprofissional e interdisciplinar, com planos de cuidados bem definidos, acolhimento humanizado e assistência integral é o compromisso da Fhemig, no reparo a uma população que foi excluída do convívio social devido à política sanitária implantada em todo o país no passado”, salienta o diretor da CSPD, Adelton Barbosa.
Para cada paciente é elaborado um plano individual, buscando sua autonomia e independência; ou seja, que a pessoa seja capaz de gerir a própria vida a partir de comandos e tomadas de decisões, e de realizar atividades de autocuidado. O guia contempla todos os objetivos da linha de cuidados, mediante sistematização e normatização de assistência das Casas de Saúde, de acordo com os princípios do SUS, garantindo os direitos do usuário”, completa o gerente assistencial da CSSFE, Luiz Antônio Mendes.
Atendimento
Por meio de todos estes avanços, as Casas de Saúde da Fhemig puderam, ao longo desses anos, oferecer um tratamento cada vez mais direcionado e humanizado aos pacientes acometidos pela hanseníase.
A CSSI conta com uma unidade hospitalar com pronto atendimento 24 horas, internação em clínica médica e a Unidade de Cuidados Continuados Integrados (UCCI), inaugurada em 2021, serviços acessíveis para os pacientes da linha de cuidado e para a população em geral, conforme necessidade. “A inauguração da UCCI foi um ganho para os pacientes que ainda sofrem com as sequelas provocadas pela hanseníase, uma vez que a unidade tem por objetivo prestar atendimento de reabilitação, recuperação total ou parcial e readaptação do usuário, que demanda cuidados prolongados”, explica a diretora geral da CSSI, Eliane Daniele Magalhães.
Para prestar o atendimento aos 477 pacientes cadastrados na linha de cuidado da pessoa acometida pela hanseníase, a unidade possui atualmente sete lares inclusivos, que têm por objetivo abrigar aqueles que não possuem condições de prover o seu próprio cuidado. “Nesses lares, os pacientes recebem, além da moradia, alimentação, serviço de lavanderia e limpeza, toda assistência necessária conforme o seu grau de fragilidade. Atualmente, a unidade possui 50 pacientes institucionalizados”, completa a diretora.
A CSSFA, que oferece assistência integral a 115 pessoas acometidas pela hanseníase, é referência em toda a macrorregião oeste de Minas Gerais como retaguarda na rede de urgência e emergência para os cuidados prolongados, reabilitação integral e intensiva dos usuários. “A vocação para esse tipo de cuidado se deu pelos anos dedicados ao cuidado às pessoas atingidas pela hanseníase”, afirma a diretora da unidade, Vanessa Silveira.
A Casa de Saúde também vem investindo na infraestrutura para realizar os atendimentos, principalmente em equipamentos médicos usados para fisioterapia e odontologia. “Estas aquisições ampliaram as possibilidades de assistência e procedimentos na área de reabilitação, que trouxeram benefícios como melhoria da força muscular, equilíbrio, amplitude de movimento e redução de dor do paciente”, completa Vanessa.
Já a CSPD, que conta com atendimento ambulatorial e hospitalar na prevenção e tratamento da Hanseníase, e é referência microrregional no atendimento à doença, vem investindo na contratualização com os municípios da microrregião, com oferta de serviços hospitalares, ambulatoriais, laboratoriais, de imagem, diagnóstico e fisioterapia. “Dentro deste relevante papel microrregional, realizamos o treinamento de equipes de Estratégias de Saúde da Família dos municípios vizinhos para a busca ativa e diagnóstico precoce destas doenças crônicas infectoparasitárias”, explica o diretor Adelton Barbosa.
A CSSFE é referência como unidade de saúde à população da região de Três Corações, oferecendo atendimento ambulatorial de diversas especialidades médicas e realização de exames complementares, além de possuir um centro especializado de reabilitação física Nível 2, credenciado pelo Ministério da Saúde. A unidade promove a assistência integrada dos pacientes de cuidados prolongados, por meio de procedimentos assistenciais disponíveis com supervisionamento técnico especializado. “Nosso objetivo consiste em estimular ações voltadas à reabilitação física – funcional, além de garantir a convivência familiar e comunitária e social, assim como a realização de atividades de socialização, que facilitem o acesso aos mais diversos instrumentos públicos e sociais”, ressalta o gerente assistencial da unidade, Luiz Antônio Mendes. Atualmente, 53 usuários são assistidos na linha de cuidados da CSSFE.
Doença e tratamento
Quanto mais cedo ocorrer o diagnóstico e o tratamento da doença, maiores as chances de cura e de prevenção de suas consequências. A hanseníase pode causar perda de sensibilidade à dor, feridas e perdas dos ossos das extremidades, com deformidades das mãos, pés, nariz e orelhas. O paciente em tratamento deixa de ser transmissor da doença. Os pacientes passam por avaliações clínicas e neurológicas periódicas e recebem orientações sobre o uso correto da medicação.
Para ser atendido em uma das Casas de Saúde, o paciente deve ser encaminhado por um médico de um posto de saúde. Chegando à unidade, o atendimento é feito por um especialista que indica os procedimentos necessários e fornece o pedido para a retirada dos medicamentos, que são distribuídos gratuitamente. O uso da medicação pode ser feito em casa ou em dias pré-agendados nos serviços de saúde da comunidade – “medicação assistida”. A internação pode ser necessária quando o paciente apresenta reações do tipo alérgicas, quando do uso da medicação; nos casos de doença recente (formas agudas), em que o paciente tem muita febre, lesões de pele e dores em todo o corpo e juntas; em casos muito graves ou quando a família não tem condições de acompanhar o início do tratamento em casa.
A duração do tratamento varia de acordo com a forma da doença, podendo levar de 6 meses (para as formas mais brandas) a 24 meses (para as formas mais graves ou de tratamento mais tardio ou resistente). Os sintomas da doença são: aparecimento de caroços ou inchaços no rosto, orelhas, cotovelos e mãos; entupimento constante do nariz, com um pouco de sangue e feridas; redução ou ausência de sensibilidade ao calor, ao frio, à dor e ao tato; manchas em qualquer parte do corpo, que podem ser pálidas, esbranquiçadas ou avermelhadas; partes do corpo dormentes ou amortecidas.