Apesar do avanço na legislação que persegue e pune os agressores, as mulheres vítimas de violência ainda enfrentam um tortuoso e longo caminho para serem ouvidas: as dificuldades vão desde ausência de estrutura, como delegacias especializadas, equipes qualificadas e horário de atendimento restrito, até o controle exercido muitas vezes pelo agressor sobre a vítima, que pode ser emocional e financeiro.
Em áreas rurais, esses fatores são agravados pela distância e tolerância social à violência doméstica. Os recursos são esparsos e a demanda e a urgência são intensas. A construção de infraestrutura para atendimento das vítimas e qualificação da mão de obra para lidar com casos delicados é um processo longo, mas as mulheres precisam de ajuda imediata.
A subnotificação de registros de violência contra mulher torna ainda mais desafiador que sejam elaboradas políticas públicas para prevenir a violência e proteger as vítimas.
Para combater esse quadro, notadamente agravado pelo isolamento social gerado com a pandemia da Covid-19, surgiu a iniciativa Frida – Atendente Virtual da Delegacia da Mulher, em Manhuaçu (MG). O trabalho, desenvolvido pela equipe da Polícia Civil da cidade, tendo à frente a escrivã Ana Rosa Campos, foi premiada na categoria Justiça e Cidadania do 18º Prêmio Innovare.
Desde a criação do aplicativo, já foram feitos 1,2 mil atendimentos e, segundo Ana Rosa, não houve mais casos de feminicídio na cidade. “Em Minas Gerais, existem apenas 73 Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher (Deam) e apenas uma Delegacia da Mulher, em todo o estado, atende em regime de plantão”, conta. “O chatbot Frida salva vidas de mulheres e diminui casos de violência doméstica. A prática não custou praticamente nada aos cofres públicos e mostrou muita efetividade no que se propõe.”
A notícia da seleção para o Innovare repercutiu positivamente e a Assembleia Legislativa de Minas Gerais aprovou a extensão do serviço em todo o estado. Atualmente, o serviço já funciona nas delegacias de Polícia Civil em Manhuaçu, Ipatinga, Coronel Fabriciano, Betim e Lagoa Santa. Em breve, também será implantado em Barbacena e Ouro Preto.
Durante a reunião da Comissão Julgadora para escolha dos finalistas, a responsável por apresentar a prática aos participantes foi a ministra Grace Mendonça. Ela destacou a importância da prática no sentido de proteger o sigilo das mulheres, que muitas vezes se sentem ameaçadas por seus maridos ao voltarem para casa após uma visita presencial à delegacia.
“Em cidades pequenas as mulheres são vítima de agressão assim que chegam em casa, porque o marido já ficou sabendo que ela esteve na delegacia.” Grace Mendonça destacou a função de áudio do aplicativo, que permite o acesso mesmo às mulheres não alfabetizadas, por gravações em áudio. A ministra trouxe ainda o relato do consultor sobre o caso de uma criança de 9 anos que salvou a própria mãe utilizando o aplicativo.
“Há uma referência um relato de um consultor de um caso muito expressivo, de uma criança de 9 anos de idade que acessou aplicativo em uma região rural e relatou que mãe estava sendo vítima de violência pelo seu padrasto e a viatura chegou em tempo para levar o padrasto preso em flagrante.”
Como funciona o aplicativo Frida?
A ferramenta possibilita atendimento às vítimas de violência doméstica a partir de uma simples mensagem de WhatsApp. Por meio de um chatbot, programado para dar soluções às diversas solicitações, principalmente às mais urgentes e comuns, a mulher trava conversação com a atendente virtual. Em alguns casos, ela é direcionada para conversar diretamente com um policial civil.
Frida é uma assistente virtual que realiza atendimento imediato à vítima: acolhe a denúncia, esclarece dúvidas, faz uma avaliação preliminar do risco e aciona a polícia em situações de flagrante, inclusive enviando uma viatura (quando a vítima não consegue acionar o 190).
“Vivemos em uma época de popularização dos smartphones, existindo atualmente quase dois aparelhos por cidadão no Brasil. Por isso um aplicativo leve é uma solução viável para levar maior facilidade de atendimento às meninas e mulheres”, conta Ana Rosa.
“Se somarmos todas as mulheres que buscaram a Frida nas cidades que já contam com a ferramenta, já são mais de 1,2 mil atendimentos desde o início da implementação. Com o isolamento social imposto pela pandemia, o telefone celular passou a ser uma janela, às vezes, a única, para o mundo”, destaca a escrivã.
A ideia surgiu na terceira semana de março de 2020 e, já no dia 6 de abril, a atendente virtual Frida já estava funcionando em Manhuaçu, com ampla divulgação. A única despesa foi um aparelho celular, doado por um entusiasta do projeto. Em seguida, foi adquirida uma licença de uma empresa de chatbot pelo valor de R$ 29,90, custeado pela própria idealizadora do projeto. O celular foi ativado com um chip corporativo, já disponível. Essa forma de implantação foi copiada nas demais cidades que replicaram o projeto.
“A vida da usuária melhora, ao otimizar seu tempo, encurtar distâncias e desburocratizar atendimentos que, por si só, levam a revitimização. No mais, as delegacias poderão contar com atendimento 24 horas sem a necessidade de recursos humanos e físicos” destaca Ana Rosa. Com informações da assessoria de imprensa do CNJ.