Enquanto a vacinação para crianças ainda anda a passos lentos, autoridades se organizam para ampliar a imunização desse público-alvo. O debate chega mesmo ao campo jurídico: que tipo de sanção os pais podem sofrer caso se recusem a vacinar os filhos contra a Covid-19? A perda da guarda realmente é uma ameaça?
Especialistas apontam para duas interpretações da legislação, com base no Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19 (PNO), definido pelo Ministério da Saúde. Uma delas se volta à obrigatoriedade da vacinação dos pequenos. A outra se agarra ao que fala em “recomendação não obrigatória”. A primeira visão é defendida pelo defensor público Wellerson Eduardo da Silva Corrêa, da Defensoria Especializada dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes (Dedica-Cível-BH).
“O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é uma lei que está no mesmo grau hierárquico da que regula o PNO, mas é mais novo, mais moderno. Tem um princípio em direito que fala que, quando duas leis regulam a mesma matéria de maneira diferente, a mais nova prevalece. Outro ponto é que o ECA é uma lei especial”, argumenta ele.
Nesse cenário, Wellerson Corrêa diz que os pais não têm a opção de não vacinar as crianças. Diante disso, a Defensoria Pública acredita que as escolas de BH devem requisitar os cartões de vacinação infantil logo que as aulas voltem, encaminhando os casos de ausência de imunização aos Conselhos Tutelares.
O próprio protocolo de retorno das aulas da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG) cita que é dever dos gestores das escolas “solicitar a apresentação do cartão de vacina” para promover “medidas educativas de prevenção de doenças imunopreveníveis”. Mas, vale ressaltar: não há “passaporte da vacinação”. A criança não pode ser impedida de ter acesso à educação.
“As escolas, se detectarem casos de alunos não vacinados, vão acionar os Conselhos Tutelares, que vão acionar os pais. Se os pais reiterarem o descumprimento da obrigação de vacinar seus filhos, o ECA prevê multa e medidas que podem chegar à revogação e suspensão da guarda”, afirma o defensor público. Depois, o Ministério Público pode até mesmo entrar com ações para que os pais respondam criminalmente, explica Wellerson Corrêa.
A advogada Ana Amélia Ribeiro Sales, integrante do Instituto Brasileiro de Direito de Família, ressalta uma segunda visão sobre o fato. Segundo ela, a maneira como o Ministério da Saúde redigiu a autorização da imunização de crianças no PNO abriu essa brecha. Quando deu o aval, a pasta comunicou que recomendava a “vacinação não obrigatória” dos pequenos.
“Também inexiste a recomendação da Anvisa para que ela seja aplicada de forma obrigatória. Essa corrente doutrinária (do direito) entende que a vacina não é obrigatória. Seria uma opção dos pais”, argumenta ela.
Para Ana Amélia, a “recomendação não obrigatória” segue a agenda do governo federal contra a campanha de vacinação. “O Ministério da Saúde apenas não lançou a recomendação de forma obrigatória por razões políticas. O direito de proteger as crianças tem uma série de princípios, até da proteção integral das crianças (por pais, autoridades e sociedade)”, aponta.
Ansiedade. A ativista social Polly do Amaral aguardou com ansiedade pela vacinação da filha de 7 anos. Ela tentou imunizar a pequena na xepa três vezes, mas só conseguiu a tão esperada proteção no último sábado, data de convocação pela PBH. Polly atribui a baixa cobertura vacinal às notícias falsas e à alta taxa de infecção pelo vírus. “Muitas crianças tiveram Covid-19 ou sintomas gripais nesse início de ano. Neste cenário, a recomendação é de esperar 30 dias para vacinar. Tenho visto muitas mães relatando isso!”