O presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, devem anunciar nos próximos dias uma alteração no status da Covid-19 no país. Sairia o quadro de pandemia, vigente desde 2020 por meio do decreto de emergência sanitária, para uma situação de endemia. No entendimento do governo, a queda nos casos de mortes e infecções por coronavírus nas últimas semanas favorece a mudança.
Queiroga tem promovido reuniões com autoridades de outros poderes para aprimorar a ideia desde o mês passado. A medida é contestada por especialistas, que alegam não ser o momento de baixar a guarda. Mas Bolsonaro e o ministro têm condições legais de executá-la, sustando os efeitos do decreto que instituiu a “Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (Espin)”.
A modificação de pandemia para endemia não significa que uma doença seja menos grave, ou mesmo que sua proliferação esteja perto do fim. O quadro é o de considerar que uma doença atua de forma constante em uma localidade, eventualmente com resultado morte, mas com um número de novos contágios que é de certo modo previsível.
Exemplos de doenças que se encaixam como endemias são a malária e a tuberculose, especialmente em regiões mais quentes e de condições sanitárias piores. A Covid-19 passou a ser considerada uma pandemia quando a Organização Mundial de Saúde (OMS) entendeu que o número de novos contágios estava fora de controle.
Em termos técnicos, tanto endemia quanto pandemia são exemplos de emergência sanitária, quadro que é formalizado por normas jurídicas e cria condições especiais para a gestão pública. Um dos exemplos é a possibilidade do descumprimento de regras fiscais e a ausência de licitação para a aquisição de bens.
Queiroga disse recentemente que não iria “tomar essa decisão sozinho”, mas sim “ouvindo as Secretarias Estaduais de Saúde, outros ministérios, outros Poderes”, para transmitir segurança à população.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e o do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, foram algumas das autoridades que conversaram com Queiroga sobre a possibilidade. Pacheco disse ao ministro, após reunião no mês passado, ter preocupação com a retomada de casos em países europeus e na China.
Foram as nações europeias, inclusive, que iniciaram o debate sobre a flexibilização dos mecanismos de controle e a transformação da pandemia em endemia. A ação começou a ganhar corpo em fevereiro, puxada por países como França, Reino Unido e Dinamarca. Os países agiram motivados pela queda no número de mortes e pelo avanço da vacinação. Com o “rebaixamento” para endemia, os países puderam diminuir a obrigatoriedade do uso de máscaras e a exigência de comprovantes de vacinação.
Juridicamente, governo tem poder para transformar pandemia em endemia
A pandemia é uma questão de saúde e, como exposto por Queiroga, uma decisão com o teor da alteração da Covid-19 tem impactos que vão além do campo jurídico. Mas, em termos de legislação, o Poder Executivo tem condições técnicas de fazer a alteração e decretar o fim, pelo menos no papel, da pandemia no Brasil.
Segundo o advogado constitucionalista Camilo Onoda Caldas, sócio do escritório Gomes, Almeida e Caldas Advocacia, a principal legislação sobre a pandemia no Brasil determina que a duração do estado de emergência é uma decisão da alçada do ministro da Saúde. Ele pode, portanto, extinguir o quadro.
Caldas explica também que a norma determina que a duração da pandemia no Brasil não pode ser superior ao previsto pela OMS; não há, no entanto, vedação para o oposto, ou seja, um recuo antes do determinado pelo órgão internacional.
Outro ponto abordado por Caldas é o de que o Brasil optou por fazer com que a gestão desse aspecto ficasse com a Presidência da República, e não com o Congresso Nacional. “O Congresso, em tese, poderia legislar sobre isso, porém, ele não o faz porque a pandemia é uma situação dinâmica, sujeita a mudanças, e, portanto, os decretos ou outros atos administrativos do Poder Executivo, que são criados de uma forma mais rápida e menos burocrática que uma lei, são o meio mais adequado para estabelecer a duração da situação de emergência”, disse.
Conselho de Saúde diz que “canetada” não resolve pandemia
A posição do presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Fernando Pigatto, é a de rejeição à ideia de término da pandemia no Brasil. “No nosso ponto de vista, não há como um presidente e um ministro da Saúde, de forma isolada, decretarem o fim da pandemia”, declarou.
Pigatto aponta que o ideal seria que as autoridades brasileiras seguissem o fluxo estabelecido pela OMS. “Se foi a OMS que estabeleceu a pandemia, é ela que deve ser ouvida para acabar com a pandemia. Nós precisamos ter uma boa avaliação da realidade, e não precipitar algo que é a ciência que mostrará para nós”, disse.
A mudança de status para endemia deve ter impacto na validade de normas atreladas à vigência da emergência sanitária, afetando autorizações emergenciais concedidas a vacinas, testes e remédios contra a Covid-19.
A doença já matou 661.656 pessoas no Brasil e mais de 30,2 milhões de brasileiros foram infectados pelo coronavírus, segundo o painel da Covid-19 do Ministério da Saúde.