A dose transforma o remédio em risco? Cresce número de intoxicações por suplementos e acende sinal de alerta

Por Dentro De Tudo:

Compartilhe

Especialista alerta para os perigos de consumir vitaminas e suplementos sem orientação; Anvisa registra notificações e remoção de anúncios irregulares.

A máxima de Paracelso — “a dose faz o veneno” — volta a ganhar relevância diante do aumento do uso indiscriminado de vitaminas e suplementos alimentares voltados a ganhos estéticos e desempenho rápido. Segundo dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), desde 2024 foram registradas 240 notificações de efeitos adversos atribuídos a suplementos vitamínicos, das quais 28% foram consideradas graves. No mesmo intervalo, mais de 62 mil anúncios irregulares desses produtos foram retirados da internet.

O mercado de suplementos movimenta bilhões anualmente no Brasil e muitos itens chegam ao público sem comprovação científica sólida. Casos extremos, como o da empresária baiana Perinalva Dias — que ficou 28 dias em coma após intoxicação por vitamina D — evidenciam o risco da banalização dessas substâncias e o papel prejudicial do marketing e de interesses comerciais na saúde pública.

Para a nutricionista Silvia Hespanha, qualquer nutriente pode deixar de ser benéfico quando usado em excesso. “Nutrientes em doses fisiológicas ajudam; em excesso, tornam-se nocivos. Produtos rotulados como ‘naturais’ não são isentos de risco. Além da dose, a interação entre suplementos, medicamentos e condições individuais — como idade, insuficiência renal ou gravidez — define o potencial de dano”, afirma. Ela reforça que suplementos devem ser complemento e só usados após avaliação clínica e confirmação laboratorial de deficiência.

Riscos e sinais de alerta

Silvia destaca diferenças importantes entre vitaminas hidrossolúveis (como vitamina C e complexo B), que geralmente são eliminadas com facilidade, e vitaminas lipossolúveis (A, D, E e K), que se acumulam no fígado e nos tecidos adiposos, aumentando o risco de toxicidade. Sintomas que podem sinalizar excesso incluem: descamação da pele, queda de cabelo e alterações nas enzimas hepáticas (vitamina A); sede intensa, náuseas e fraqueza (vitamina D); sangramentos e hematomas (vitamina E); e alterações na coagulação (vitamina K). Na prática clínica, a combinação de sintomas novos, uso recente de suplementos e exames com dosagens elevadas costuma indicar intoxicação.

Sobre produtos proteicos e ergogênicos, a profissional observa que whey protein costuma ser seguro em doses recomendadas para pessoas saudáveis, mas pode agravar a função renal em quem já tem doença renal, sobretudo quando associado a desidratação ou uso simultâneo de outras fórmulas. A creatina, amplamente estudada, é considerada segura em 3–5 g/dia para adultos saudáveis, embora relatos isolados vinculem uso excessivo a problemas renais. Polivitamínicos e fórmulas com múltiplos ingredientes também já foram associados a hepatotoxicidade em séries de casos.

Pré-treinos e termogênicos merecem cuidado especial por conterem estimulantes concentrados (cafeína em alta dose, sinefrina, yohimbina) e, ocasionalmente, substâncias proibidas como DMAA. Esses produtos podem provocar palpitações, taquicardia, hipertensão, arritmias, síncope e até aumentar o risco de eventos isquêmicos em pessoas vulneráveis; também são citados relatos de ansiedade, insônia e, em raros casos, rabdomiólise.

Precauções práticas

A especialista relaciona o aumento de intoxicações à pressa por resultados estéticos — que leva muitas pessoas a elevar doses ou combinar produtos — e aconselha priorizar hábitos básicos: sono adequado, alimentação equilibrada e treino consistente. “Suplemento não substitui autocuidado; é um apoio quando há indicação clínica”, diz Silvia. Para diagnosticar intoxicação, ela recomenda relato detalhado do paciente sobre substância, dose e tempo de uso, exame físico e exames laboratoriais direcionados.

Responsabilidade e ética

Silvia também responsabiliza clínicas e a indústria pela divulgação de soluções milagrosas sem respaldo científico. Profissionais têm o dever ético de fundamentar práticas em evidências, esclarecer riscos e obter consentimento informado. “Vender ou promover terapias sem avaliação clínica e sem respaldo científico é eticamente questionável e pode explorar a vulnerabilidade do paciente”, afirma. Antes de indicar megadoses, o caminho seguro, segundo ela, é avaliar a necessidade clínica e conhecer o histórico do paciente.

Em resumo: suplementos podem ajudar quando usados com critério, mas a dose e o contexto importam — e o uso indiscriminado, impulsionado por promessas rápidas e publicidade, pode resultar em danos sérios à saúde.

Encontre uma reportagem