O assassinato da estudante Melissa Campos, de 14 anos, dentro de uma sala de aula do colégio Livre Aprender, em Uberaba, no Triângulo Mineiro, chocou o país e escancarou a crescente violência dentro das instituições de ensino. O crime aconteceu na manhã da última quinta-feira (8 de maio), durante uma aula do 9º ano do ensino fundamental. A jovem foi esfaqueada por um colega e não resistiu aos ferimentos.
O episódio é o mais grave entre os inúmeros casos de violência registrados em escolas de Minas Gerais. De acordo com dados da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, entre 1º de janeiro e 5 de maio de 2025, o Disque 100 recebeu 525 denúncias de agressões contra crianças e adolescentes dentro de unidades de ensino em Minas. A média é de 130 casos por mês — um aumento de 22% em relação ao mesmo período de 2024.
Essas 525 ocorrências resultaram em 2.481 violações, o que indica que muitas vítimas enfrentaram múltiplas formas de agressão, como violência física, psicológica, injúria racial e até incitação ao suicídio. A média é de cerca de 20 violações de direitos infantis por dia no estado.
Para Denise Romano, presidente do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE), os números são apenas a ponta do iceberg. “A escola está lidando com essa escalada de violência sozinha. Nem todos os casos chegam ao Disque 100, e os dados estaduais não são divulgados. A sensação é de abandono”, critica.
Desde a pandemia, ameaças de massacres tornaram-se mais frequentes no ambiente escolar, levando até mesmo alunos a se armarem. O caso de Melissa remete ao assassinato do estudante Leonardo Willian da Silva, também de 14 anos, morto por um colega dentro de uma escola em Poços de Caldas, em outubro de 2023. Além dos alunos, professores também têm sido alvos. Na última segunda-feira (5 de maio), uma professora da Escola Estadual Três Poderes, em Belo Horizonte, foi empurrada e xingada por um estudante ao tentar impor regras de convivência.
Segundo o especialista em segurança pública Jorge Tassi, o aumento nas denúncias é reflexo de uma negligência histórica com a comunidade escolar. “Ignoramos por muito tempo o que acontecia dentro das escolas. Somente os casos extremos geravam resposta. Hoje, a sociedade começa a discutir bullying, assédio e perseguição. Isso amplia a conscientização e, consequentemente, o número de registros”, explica.
O psicólogo Thales Coutinho destaca que o ódio crescente entre os adolescentes pode estar ligado a fatores emocionais, sociais e ideológicos. “A irritabilidade faz parte da natureza humana, mas quando se transforma em violência, revela fragilidade emocional e influências externas. Algumas ideologias extremistas, como as disseminadas por grupos conhecidos como incels, têm alto poder de convencimento e radicalização dos jovens”, aponta.
Denise Romano também alerta para os efeitos do uso excessivo das redes sociais. “Ainda não compreendemos totalmente o impacto que essas plataformas causam na mente de crianças e adolescentes, mas já vemos consequências trágicas. É urgente regulamentar esse ambiente digital”, afirma.
O governo de Minas afirma que atua na prevenção por meio da Patrulha Escolar da Polícia Militar, que realiza rondas e identifica pontos sensíveis. Em situações de violência, as escolas devem seguir o Protocolo do Programa de Convivência Democrática, acionando o Conselho Tutelar ou o Ministério Público, se necessário.
A Secretaria de Estado de Educação (SEE/MG) também informou que desenvolve projetos como o Com Viver, com rodas de conversa e palestras sobre equidade, bullying e respeito. Há ainda o Núcleo de Acolhimento Educacional (NAE), com psicólogos e assistentes sociais itinerantes, além do Serviço de Acompanhamento Sociofuncional (SAS) para o suporte emocional dos servidores.
Para Jorge Tassi, no entanto, isso ainda é insuficiente. Ele defende a presença de profissionais de segurança preparados dentro das escolas, com uso de câmeras corporais para registrar possíveis conflitos, e um sistema de atenção à saúde mental dos educadores. “Precisamos garantir que o professor tenha apoio para lidar com esses desafios e ajudar alunos vulneráveis a não seguirem por esse caminho”, conclui.
Foto: Reprodução/TV Globo e Redes Sociais
Fonte: Jornal O Tempo