Quando a diarista Maria Aparecida Santos, de 50 anos, passou a notar alterações no comportamento do pai, ela ainda não imaginava que ele poderia estar com alguma doença. “Nas primeiras atitudes dele, pensávamos que era nervosismo e teimosia. Ele estava muito bravo”, lembra ela. O diagnóstico de Alzheimer veio após uma consulta com um psiquiatra.
A confirmação da doença, porém, não tornou as coisas mais fáceis. “Não sabíamos lidar e não entendíamos a situação, então a gente perdia a paciência porque queríamos fazer com que ele entendesse as coisas, mas ele não entendia. Não nos obedecia. Lutava e ficava agressivo durante as crises”, lembra Maria Aparecida. Ela conta que, em um dos piores dias, o pai chegou a agredi-la. O mesmo aconteceu com sua irmã.
O nervosismo exacerbado e a agressividade manifestadas no pai da diarista são apenas alguns dos muitos sintomas causados pela doença. Segundo o neurologista Camilo Azeredo, situações de perda de memória e dificuldade na execução de tarefas anteriormente simples são outros sinais do Alzheimer. “A memória de curto prazo pode ser prejudicada no início da doença e o paciente pode apresentar dificuldades para ir ao supermercado, fazer uma compra, utilizar o cartão de crédito”, explica.
Ele pontua que na medida em que a doença evolui, outras esferas da cognição são prejudicadas, como a linguagem, a orientação no tempo e no espaço, a concentração. “Mais tarde também podem surgir sintomas comportamentais como depressão”, afirma.
Todas essas alterações são causadas porque a doença afeta o cérebro do paciente, provocando a perda dos neurônios em regiões importantes e responsáveis pela nossa comunicação, memória, raciocínio, reconhecimento de estímulos e pelo pensamento abstrato.
Toda a família é afetada
Embora acometa, principalmente, a cognição dos pacientes, a doença também afeta familiares e pessoas que vivem próximas do enfermo. “Vejo que as pessoas sofrem muito além do que a gente prevê, porque você perde o paciente em vida. Você vê o familiar, aquela pessoa que você ama, esquecendo quem você é e a história que ele tem com você. Imagine o peso emocional disso?”, observa a psicóloga Denise Salim Paes.
Especialista em terapia familiar, ela destaca que é fundamental que, diante do diagnóstico, toda família busque ajuda. “Todo mundo precisa de orientações emocionais adequadas para que o sistema familiar funcione bem”, pontua.
Com um quadro clínico que pode ter início com alterações na memória e na personalidade, o Alzheimer evolui para estágios mais graves que demandam ainda mais atenção dos envolvidos no cuidado com o paciente. “Durante a evolução da doença, o Alzheimer traz para os familiares uma série de dificuldades, uma vez que o paciente se torna cada vez mais dependente e com menos autonomia”, explica o neurologista. “Outros pontos difíceis de serem lidados são as mudanças comportamentais, como alterações no sono, agitação no final do dia, apresentação de uma hipersexualidade que traz comportamentos sexuais inapropriados”, enumera.
Diante dessas dificuldades trazidas pela doença, familiares que convivem com os pacientes e cuidam deles podem ter a saúde mental comprometida. Segundo Camilo Azeredo, há pesquisas que indicam que o índice de suicídio em familiares de pacientes com Alzheimer é aumentado.
O estigma social, principalmente quando os responsáveis decidem internar os enfermos em instituições especializadas, também é outra questão enfrentada por essas pessoas. “Já conheci famílias que internaram um paciente e foram criticadas por pessoas que estavam de fora, mas quem diz isso não tem conhecimento da doença e do cuidado que é demandado”, ressalta a psicóloga.
“Há uma crítica social que diz que você se livrou do familiar, mas não é isso. Às vezes dependendo da sua condição emocional, se você não fizer isso, não dá conta”, afirma ela, que cita o caso de uma paciente que acompanhava para exemplificar que, em determinados momentos, essa pode ser a melhor solução. “O marido dela sofria muito por vê-la daquela maneira, então, ele acabou morrendo antes. Com menos de um ano”, recorda.
A afetação na família acontece porque lidar com perdas progressivas e uma demanda em crescimento não é fácil. “É importante deixar claro que todos precisam de ajuda sistêmica, quem está cuidando também precisa de ajuda, porque não é possível dar conta sozinho. Fazer isso é esquecer de você para cuidar do outro. É uma mentalidade que vai te adoecer”.
Diante de tanta dificuldade, qual é a melhor maneira de lidar com a doença?
Não há segredo para tornar as coisas mais fáceis. Mas, a compreensão da doença, da situação do paciente e dos sentimentos dos próprios familiares pode ser um bom caminho para amenizar o sofrimento. É com um discurso que segue essa premissa que o espetáculo “Maio, Antes Que Você Me Esqueça”, que fica em cartaz de sexta-feira (01) a domingo (03) no Teatro Feluma, aborda o Alzheimer.
Com leveza, delicadeza, o texto, escrito pelo neurocirurgião Jair Raso, aproveita de situações causadas pela doença para fazer humor. Pequenos esquecimentos, brincadeiras e até mesmo repetições ganham um tom cômico.
“[A doença] deve ser uma coisa muito desgastante e muito cruel. Então, o que tentamos passar na peça é a mensagem para que as pessoas escutem e entendam. Às vezes, o sofrimento pode ser amenizado se entendermos por que está havendo a doença, de onde ela veio, como ela começou. É isso que mostramos”, explica o ator Ilvio Amaral.
Conhecer a doença, seus estágios e peculiaridades também é um bom caminho. Segundo Camilo Azeredo, exercer a empatia e fortalecer a saúde mental são outros passos fundamentais para que a família lide melhor com a situação. Além disso, o especialista indica que os familiares procurem pelo auxílio de profissionais da saúde que tenham experiência no cuidado de pacientes acometidos pelo Alzheimer, como fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, psiquiatras e enfermeiros.