Depois de tramitar por dez anos no Congresso Nacional, o novo Código de Processo Penal (CPP) será debatido em um grupo de trabalho (GT) criado na Câmara dos Deputados.
O assunto foi tema de uma comissão especial da Casa nos últimos cinco anos sem que o parecer final do deputado João Campos (Republicanos-GO) tenha sido votado.
Entre outros pontos, o texto altera regras sobre o tribunal do júri e os poderes de investigação do Ministério Público; retoma a figura do juiz de garantias; regulamenta a investigação defensiva; e prevê a inclusão da Justiça Restaurativa na legislação.
Segundo o deputado mineiro Subtenente Gonzaga (PDT), que integra a comissão, o principal desafio ao tratar de uma nova legislação para substituir o atual CPP, que data de 1941, é que algumas das mudanças em discussão dividem opiniões entre advogados, juízes, policiais e integrantes do Ministério Público.
“Infelizmente, o deputado João Campos fez um relatório muito na linha do empoderamento dos delegados. Então, é um tema que tem resistência das polícias militares, de agentes da Polícia Civil e Polícia Federal, peritos e papiloscopistas, ou seja, em todos os segmentos que não o dos delegados. E é um texto que não permite avançar naquilo que o Estado mais precisa, que é melhorar sua capacidade de elucidação de crimes”, avalia o parlamentar, que também integrou as comissões anteriores.
Nesse sentido, para o deputado, a criação de um GT é uma boa saída para se rediscutir o tema. Ele, porém, não concorda com o fato de que o grupo partirá do relatório de João Campos, que nem sequer foi votado. “Inclusive, levantei esse questionamento porque entendo que o relatório nem poderia ser a base para a discussão do grupo”, diz.
Também integram o grupo de trabalho outros dois mineiros: os deputados Lafayette Andrada (Republicanos), que foi relator do pacote anticrime aprovado no ano passado e que trouxe algumas alterações ao Código de Processo Penal, e Paulo Abi-Ackel (PSDB).
Técnico
O tucano crê que a criação do GT favorece o avanço dos debates, uma vez que tem uma dinâmica diferente da comissão especial.
“A matéria é muito técnica, e a comissão se perde no discurso. O grupo de trabalho se fecha numa sala, discute tecnicamente e deixa o debate político para o plenário. E a comissão antecipa muito o debate político e não dá um resultado tão efetivo quanto um grupo de trabalho”, avalia. Ele citou como exemplo justamente o Pacote Anticrime, que também foi discutido em um GT.
A discussão acerca da reformulação do CPP surgiu de uma proposta elaborada por uma comissão de juristas do Senado e chegou à Câmara em 2010. O texto já foi discutido em uma comissão especial criada em 2016 e renovada em 2019, ambas sob relatoria de João Campos, que é ex-delegado.
Em abril último, ele apresentou um novo parecer, substituindo o apresentado por ele em 2018. O texto tem 247 páginas e incorpora 377 propostas apensadas ao projeto de lei original (PL 8.045/2010), mas não foi colocado em votação por falta de acordo.
Ministério Público questiona mudanças
A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) e demais entidades representativas do Ministério Público propuseram 48 sugestões de mudanças ao texto da comissão sobre o novo Código Penal.
O presidente da ANPR, procurador Ubiratan Cazetta, avalia que ele traz retrocessos e sua maior crítica é o esvaziamento do poder de investigação do Ministério Público.
“A própria questão da investigação pelo Ministério Público, que o João Campos depois voltou atrás e colocou como estava no Supremo, você percebe que havia uma intenção de fortalecer as polícias Civil e Federal, excluindo outros agentes que podem investigar”, alega.
A investigação criminal por parte do MP ainda não foi regulamentada, e o atual CPP prevê que a competência de investigar é da polícia judiciária. Mas, em 2015, o Supremo Tribunal Federal formou maioria pela tese de que o Ministério Público poderia realizar investigações criminais próprias.
Cazetta também critica a investigação defensiva, modalidade em que uma investigação paralela poderia ser feita “por advogado ou defensor público no exercício da ampla defesa do imputado”. Ele aponta riscos, entre eles coação de vítimas e testemunhas.
“Investigação não é da acusação ou da defesa, e sim uma investigação dos fatos”, aponta o procurador, que questiona a necessidade de elaboração de um novo código diante das atualizações feitas nos últimos anos.