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Boate Kiss: júri começa após nove anos e pode durar até 15 dias

Por Dentro De Tudo:

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Depois de quase nove anos de espera, e com previsão de durar de 10 a 15 dias, começa nesta quarta-feira (1º) o julgamento das quatro pessoas acusadas de terem sido responsáveis pelo incêndio na boate Kiss, que deixou 242 mortos e 636 vítimas.

Caberá a um júri formado por sete pessoas decidir se os quatro réus – os sócios da boate, Elissandro Spohr e Mauro Hoffmann, e os integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo dos Santos e Luciano Leão – são culpados pelos crimes de homicídio e tentativa de homicídio por dolo eventual (quando a pessoa assume o risco de matar alguém com suas ações) pelo incêndio ocorrido na madrugada de 27 de janeiro de 2013 em Santa Maria, no interior do Rio Grande do Sul.

O TJ-RS (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul) sorteou inicialmente os nomes de 150 jurados para compor o júri. Na manhã antes do início do julgamento, será feito o sorteio final deixando os sete do chamado Conselho de Sentença. O plenário começará à tarde.

O julgamento de uma das maiores tragédias do país foi transferido de Santa Maria para Porto Alegre a pedido de três dos réus. Eles argumentam que o clima na cidade poderia não garantir a imparcialidade do júri.

“O Tribunal de Justiça acolheu o pedido, porque identificou que o ambiente em Santa Maria e o envolvimento das pessoas falecidas com possíveis jurados era evidente. A gente baseou isso numa pesquisa realizada na época que mostrava que 70% da cidade tinha algum tipo de perda na tragédia e o tribunal acolheu”, explica o advogado Jader Marques, da defesa de Spohr.

À reportagem, seu cliente disse que está cansado, que toma remédio para dormir e que a chegada da data traz um misto de ansiedade e alívio. O advogado afirmou que, caso a denúncia fosse por homicídio culposo (quando o autor não tem a intenção de matar), já poderia ter ocorrido. Caso o crime tivesse sido classificado como culposo, o caso seria decidido por um juiz, não por um júri.

Tanto as defesas dos réus quanto o Ministério Público dizem ter interesse de ver o julgamento realizado o quanto antes.

“Esperamos ter um julgamento que inicie e termine. Provavelmente o maior julgamento em termos de tempo que tenhamos no Brasil, com maior número de vítimas que temos na história do país, porque não estamos falando apenas nos que morreram, mas nos que sobreviveram e trazem a marca da sua dor”, diz a promotora Lúcia Helena Callegari.

Segundo informações divulgadas pelo TJ-RS, o júri seguirá sem interrupção a partir do dia 1º de dezembro, incluindo aos fins de semana, com intervalos de uma hora para almoço e jantar, sem previsão de encerramento. Os primeiros ouvidos em plenário serão os sobreviventes –ao todo, 14 vítimas devem falar.

No final, quando estiverem prontos a votar, os jurados serão levados a uma sala privada, onde responderão a um questionário, depositado depois em uma urna. O voto individual será secreto e a maioria prevalece. No retorno ao plenário, o juiz anuncia o resultado e profere a sentença.

Inicialmente, os debates entre defesa e acusação estavam previstos para durarem 20 horas. Na semana passada, porém, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) acatou o pedido da defesa de um dos réus, Hoffmann, e diminuiu para 9 horas.

Segundo o advogado Bruno Seligman de Menezes, que representa o réu, a decisão do juiz Orlando Faccini Neto, titular do 2º Juizado da 1ª Vara do Júri da Comarca de Porto Alegre, que estendeu o tempo de debate, poderia ser louvável, mas não tem previsão no Código de Processo Penal.

“Ele tem uma previsão específica sobre o que deve acontecer quando há mais de um réu, como é o caso, e nós entendemos que essa ampliação de tempo não agrega muito às partes e temos uma preocupação que é a exaustão dos debates”, explica ele.

“A defesa está preparada para o júri e está empenhada que ele termine, sem contratempos que o comprometam. Entendemos que, com 20 horas de debate, há chance grande de gerar alguma nulidade futura”, diz, citando inclusive a possibilidade de que algum jurado passe mal.

O número de réus, comparado aos indiciamentos encaminhados pela Polícia Civil ainda em 2013, tem sido alvo de questionamentos. O primeiro inquérito, que apurou causas e consequências do incêndio, indiciou 16 pessoas, sendo 9 por homicídio. Durante o processo, porém, cinco desses nomes acabaram sendo retirados da lista, e até que restaram apenas os 4 réus atuais.

Além disso, outros nomes foram apontados por responsabilidades que deveriam ser investigadas em outros âmbitos, como a Justiça Militar. Um segundo inquérito, no ano seguinte, apurou a história da boate e apontou que sempre existiram problemas com alvarás, questões ambientais e outros pontos – neste, foram indiciadas 18 pessoas.

“Se eu fosse concluir o inquérito hoje, não mudaria uma vírgula dos indiciamentos. Continuo tendo convicção de que as pessoas que indiciamos eram responsáveis. Para mim, faltam pessoas no banco dos réus”, diz um dos delegados responsáveis, Sandro Luís Meinerz, citando outros funcionários e sócios da boate e dois bombeiros que fizeram vistoria no local.

“A nossa preocupação era apontar todas as responsabilidades, e demonstramos porque estávamos apontando cada uma delas”.

Os quatro réus chegaram a ficar presos por alguns meses, logo após a tragédia, mas depois foram libertados pela Justiça. Além deles, bombeiros foram condenados pela Justiça Militar estadual por irregularidades na documentação e na liberação de alvarás da boate. No ano passado, foi acolhido recurso pedindo a condenação de outro militar, absolvido anteriormente.

A AVTSM (Associação das Vítimas da Tragédia de Santa Maria) apresentou ainda uma denúncia por violação de direitos humanos à CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos), da OEA (Organização de Estados Americanos), em 2017 –este ano, uma comissão da Câmara dos Deputados pediu à presidência da comissão que dê prioridade ao caso.

“A gente apresentou a denúncia pedindo o reconhecimento de que o Estado brasileiro violou os direitos à vida, dos 242 jovens mortos, e à integridade dos familiares e dos 636 sobreviventes do massacre da boate Kiss”, explica a advogada Tâmara Biolo Soares.

“O Estado brasileiro, nas figuras da prefeitura de Santa Maria, dos órgãos públicos envolvidos, não houve nenhum processo judicial contra eles, diferentemente das pessoas físicas”, afirma a advogada. Uma condenação na CIDH teria caráter apenas simbólico, já que a entidade não tem poderes para impôr punições ao Brasil.

Durante os quase nove anos em busca de justiça pela tragédia, familiares de vítimas da Kiss acompanharam movimentações processuais das ações sobre o caso, chegaram a tentar pedir a federalização do caso e três deles foram processados por críticas a promotores.

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