A Câmara concluiu, na noite desta terça-feira, 17, a votação em segundo turno da proposta de emenda à Constituição (PEC) da reforma eleitoral, que traz de volta as coligações entre partidos nas disputas para deputados federais, estaduais e vereadores, já em 2022, e restringe o alcance de decisões do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Na lista dos parlamentares que chancelaram o retorno das coligações há um grupo de 116 deputados que em 2017 votou a favor de medida exatamente oposta, para acabar com esse modelo de alianças.
A PEC da reforma eleitoral foi aprovada na noite desta terça, em segundo turno, por um placar de 347 votos a favor, 135 contra e três abstenções. O texto terá agora de passar pelo crivo do Senado, também em duas votações.
As coligações proporcionais foram extintas pelo Congresso em 2017. Se o Senado ratificar a proposta, as eleições municipais de 2020 terão sido as únicas sob a vigência daquela regra.
Na noite de 05 de setembro de 2017, a Câmara havia aprovado em primeiro turno a PEC 282/2016, vinda do Senado. A proposta acabava com coligações proporcionais e também alterava as regras de acesso ao Fundo Eleitoral. À época foram 384 votos favoráveis e apenas 16 contrários. Quase quatro anos depois, em 11 de agosto, 116 daqueles deputados que disseram “sim” ao fim do modelo tão criticado mudaram de posição e cravaram o voto a favor da volta do mecanismo, que permite aos partidos se juntar como se fossem uma única sigla ao disputar vagas no Legislativo.
Na prática, a volta das coligações é fruto de um acordo costurado entre deputados governistas e partidos de oposição, principalmente o PT, ainda no primeiro turno de votação, na semana passada. O “distritão”, que até então era o mote da proposta, foi excluído do texto em troca do retorno das coligações. Por causa disso, muitos dos deputados da lista dos 116 são de partidos de esquerda.
A reforma aprovada pela Câmara atende aos interesses dos pequenos partidos e deverá frear a queda na fragmentação do sistema político. O fim das coligações proporcionais tinha o objetivo de diminuir o número de siglas. Com o seu retorno, a tendência é que o País continue tendo um grande número de legendas com assento no Congresso, inclusive aquelas sem linha ideológica clara.
Efeito Tiririca
Quando o Congresso aprovou o fim das coligações, o objetivo era minimizar o chamado “efeito Tiririca”, ou seja, a possibilidade de um candidato popular ajudar a eleger outros da mesma coligação que não tivessem qualquer semelhança ideológica com o “puxador de votos”. Curiosamente, o próprio Tiririca (PL-SP) foi um dos que mudaram de ideia entre 2017 e 2021.
Então senador e hoje deputado, Aécio Neves (PSDB-MG) foi o autor da PEC aprovada em 2017, que acabou com as coligações. Neste ano, ele votou contra o retorno desse tipo de aliança. “Desde que em 2006, de forma equivocada, o Supremo Tribunal Federal acabou com a cláusula de desempenho, legando ao Brasil esse número quase que imoral de partidos políticos, a única mudança positiva que ocorreu no nosso sistema foi exatamente o fim das coligações, para que os partidos pudessem buscar na sociedade a sua legitimação para funcionar no Parlamento”, disse Aécio na sessão desta terça-feira, dia 17.
“A volta das coligações é legítima, é o direito que você tem de coligar com outro partido da mesma ideologia. E quem tem que resolver (…) o modelo eleitoral do Brasil é o Congresso Nacional, não é o TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Eu já ouvi falar que o ministro (Luís Roberto) Barroso (presidente do TSE) não aceita as coligações. O ministro Barroso não manda no Parlamento brasileiro. O TSE tem que acatar a decisão do Congresso, que quer a volta das coligações”, disse o deputado José Nelto (GO), vice-líder do Podemos.
O deputado Henrique Fontana (PT-RS) afirmou, por sua vez, que petistas votaram pelo retorno das coligações proporcionais porque optaram pelo “mal menor”. “Eu sempre fui contra as coligações proporcionais. Sempre fui e continuo sendo. Não acho que é o melhor caminho. Mas eu participei de uma negociação política efetiva, onde aqueles que queriam apoiar o ‘distritão’ abriram mão deste embate, para manter o sistema proporcional. E, neste acordo, nós assumimos (…) a ética do mal menor, que é a volta das coligações”, argumentou Fontana, que foi o relator de uma reforma política anterior, aprovada pelo Congresso.
A proposta também limita a atuação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e até do Supremo Tribunal Federal (STF) no processo eleitoral, a partir das disputas de 2022. Caso essa versão seja mantida, qualquer decisão das duas Cortes só poderá começar a valer quando aprovada um ano antes das eleições, respeitando a regra da anualidade.
Se essa norma estivesse em vigor em 2020, por exemplo, a reserva de recursos do Fundo Eleitoral e do horário de propaganda no rádio e na TV para candidatos negros não teria valido nas eleições municipais daquele ano. Em setembro de 2020, o ministro do STF Ricardo Lewandowski decidiu que a regra deveria valer para as eleições municipais ocorridas em 15 de novembro. O plenário do tribunal manteve o entendimento, apesar dos protestos dos partidos.
Na noite desta terça-feira, 17, durante a votação dos destaques, deputados barraram a tentativa de dar mais uma chance para que partidos vençam a cláusula de barreira. Um requerimento retirou da proposta o dispositivo que livrava dessa cláusula partidos que conseguiram eleger ao menos cinco senadores. A mesma regra valeria se, na data da eleição, a sigla tivesse uma bancada de cinco senadores.
Incluído na proposta por sugestão da deputada Renata Abreu (Podemos-SP), relatora da reforma eleitoral, o mecanismo foi criticado por distorcer a regra, já que o mandato na Câmara pertence ao partido, enquanto no Senado é do parlamentar. Se esse trecho da reforma não tivesse sido derrubado, os senadores poderiam mudar de partido, sem risco de punição ou perda do mandato, para que as legendas conseguissem atingir o número mínimo estabelecido e, assim, receber verbas milionárias do Fundo Partidário.