A aprovação do Projeto de Decreto Legislativo nº 3/2025 pela Câmara dos Deputados reacendeu o debate sobre os direitos reprodutivos e a proteção de meninas vítimas de violência sexual no Brasil. Por 317 votos a favor e 111 contra, os parlamentares decidiram revogar a Resolução nº 258/2024 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), que definia diretrizes nacionais para o atendimento humanizado de crianças e adolescentes em casos de aborto legal.
A resolução revogada não ampliava o direito ao aborto, já garantido por lei desde 1940 em casos de estupro, risco de vida da gestante ou anencefalia fetal. O documento apenas regulamentava o acolhimento das vítimas, assegurando sigilo, agilidade e proteção integral no atendimento. Com a decisão, especialistas alertam que o protocolo técnico que orientava hospitais e profissionais de saúde pode deixar de existir, abrindo brechas para interpretações diversas e dificultando o acesso das meninas ao procedimento.
A revogação da norma preocupa movimentos de defesa dos direitos humanos, que apontam riscos de retrocesso no atendimento a vítimas de estupro. Segundo o 19º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 76,8% dos casos de estupro registrados em 2024 tiveram como vítimas meninas menores de 14 anos. Em quase metade dos casos, o agressor era um membro da própria família. Sem as diretrizes do Conanda, profissionais de saúde poderão voltar a exigir boletins de ocorrência ou autorizações judiciais, medidas consideradas ilegais e que aumentam o tempo de espera para o atendimento.
Organizações feministas e entidades médicas afirmam que a revogação fragiliza o princípio da prioridade absoluta da infância, previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), e amplia desigualdades sociais e raciais. Meninas negras, pobres e periféricas tendem a ser as mais afetadas, por dependerem da rede pública de saúde e de mecanismos institucionais de proteção. Especialistas alertam ainda para o risco de revitimização, já que a falta de protocolos claros pode expor novamente as vítimas a constrangimentos e violência institucional.
Caso o PDL seja aprovado também no Senado Federal, a resolução será definitivamente anulada, sem necessidade de sanção presidencial. Em resposta, organizações de defesa dos direitos das mulheres anunciaram manifestações em capitais como São Paulo, Rio de Janeiro, Florianópolis, Vitória e Porto Alegre, pedindo que os senadores rejeitem o projeto e mantenham em vigor as diretrizes do Conanda.
A decisão da Câmara, na avaliação de movimentos sociais e juristas, representa um duro golpe nos direitos das meninas e mulheres brasileiras, além de reforçar o estigma e o silenciamento em torno da violência sexual. Para especialistas, ao revogar uma norma que buscava garantir atendimento seguro e humanizado, o país corre o risco de agravar um cenário já alarmante, no qual milhares de meninas seguem tendo a infância interrompida pela violência e pela ausência de políticas públicas eficazes.
Fonte: Revista Marie Claire — Redação, São Paulo (SP)
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