Quando a advogada carioca Gabriela decidiu usar canetas emagrecedoras, a promessa de resultados rápidos falou mais alto do que a justificativa clínica: sem receita e fora dos critérios médicos, ela comprou Ozempic em uma farmácia do Rio de Janeiro e começou a aplicar por conta própria. Em poucas semanas os efeitos apareceram — perda de apetite, menos compulsão por comida e mudança no corpo — e, desde então, ela vem alternando ciclos do medicamento. O relato, comum em redes sociais, mostra por que especialistas soam o alerta: o uso desses remédios sem avaliação e acompanhamento pode ser perigoso e até fatal.
As chamadas “canetas emagrecedoras” (marcas como Ozempic, Wegovy e Mounjaro) contêm substâncias que imitam hormônios envolvidos na sensação de saciedade — o GLP-1 e, no caso da tirzepatida (Mounjaro), também o GIP. Inicialmente aprovadas para tratar diabetes tipo 2 e, mais recentemente, para casos de obesidade, elas têm sido usadas por pessoas com IMC abaixo dos parâmetros clínicos apenas para fins estéticos. Profissionais de saúde lembram que indicação e monitoramento são fundamentais: a prescrição deve considerar histórico, exames e avaliação de riscos.
No Brasil, a Anvisa já reforçou regras: venda com retenção de receita e proibição de manipulação da semaglutida, válidas desde junho deste ano; ainda assim, a oferta ilegal e a compra por canais online continuam sendo problemas. Em operação recente, a Polícia Federal investigou uma quadrilha que fabricava e vendia tirzepatida clandestinamente, com buscas em consultórios e até em endereços ligados a profissionais de grande alcance nas redes sociais. Denúncias e ações mostram que o mercado paralelo cresce na esteira da procura por resultados estéticos rápidos.
Os riscos são reais e vão além dos efeitos colaterais comuns, como náusea, vômito e diarreia. Há relatos de complicações graves — gastroparesia, problemas oculares e, em casos extremos, morte. Um caso no Nordeste, em que uma jovem apresentou queda acentuada da glicemia seguida de broncoaspiração, levou autoridades médicas a reforçar que a automedicação com esses fármacos pode ser letal. Conselhos regionais de medicina e sociedades científicas destacam que o acompanhamento médico reduz, mas não elimina, os riscos.
Outro impacto importante é social e psicológico: a normalização do uso por celebridades e influenciadores cria uma sensação de “atalho” estético, incentivando pessoas saudáveis a buscar o tratamento. No Reino Unido e em outros países, levantamentos mostram milhões de usuários, muitos obtendo medicamentos por meio de verificações online frágeis — sem checagem adequada da história clínica. Isso facilita o acesso de adolescentes e pessoas com transtornos alimentares, um cenário que especialistas consideram perigoso.
Há ainda efeitos na composição corporal: pessoas mais magras podem perder massa muscular mais do que gordura, e o chamado efeito sanfona — perder peso com medicação e recuperar depois — pode deixar a composição corporal pior do que antes. Endocrinologistas lembram que, para quem não tem indicação clínica, os malefícios potenciais podem superar os benefícios estéticos, além de criar dependência psicológica do tratamento.
A forma de uso também preocupa: enquanto os estudos que embasam autorizações envolvem uso contínuo e supervisão médica, muitos usuários relatam ciclos intermitentes — pausar antes de festas, usar apenas em épocas de viagem ou retomar em ciclos repetidos. Essa prática impede uma avaliação segura dos efeitos a longo prazo e dificulta a identificação de eventos adversos raros. Por isso, a recomendação unânime das sociedades médicas é: não usar por estética; buscar orientação especializada e seguir protocolos reconhecidos.
Em meio a denúncias, operações policiais e relatos de usuários que admitem sentir-se “viciados” no efeito do medicamento, o debate se amplia para além da ciência: envolve regulação, responsabilidade médica, ética das redes sociais e educação do público sobre riscos. Para quem pensa em recorrer às canetas emagrecedoras, a mensagem dos especialistas é clara: a decisão deve ser clínica, baseada em avaliação completa, e acompanhada por profissionais qualificados — a busca por estética não justifica pular etapas que preservam a segurança.
Foto: Reprodução/Redes Sociais
Fonte: g1 — reportagem de Luís Barrucho, 01/12/2025

















