Mais do que uma moda passageira e muito além de uma dieta de verão, a carbofobia – como é chamado o fenômeno baseado na crença de que a ingestão de carboidratos é a principal causa do ganho de peso e de problemas de saúde, como o diabetes e doenças cardíacas – vem se consolidando como uma tendência alimentar que, nos anos mais recentes, tem ganhado espaço, sendo reconhecida como uma alternativa para o emagrecimento rápido.
Esse comportamento alimentar não é novo e já se apresentou com nomes diversos, ganhando popularidade a partir da proliferação de dietas “low carb”, como a cetogênica e a páleo, que priorizam o consumo de proteínas em detrimento da ingestão de carboidratos. “A verdade é que essas receitas ditas milagrosas sempre tiveram um viés carbofóbico”, assinala o nutricionista Thiago Cunha, sócio da Clínica Be Light.
Mas, se é fato que o fenômeno é cada vez mais comum entre as pessoas que buscam emagrecer, será mesmo que essa aversão aos carboidratos é a solução para perder gordura? Segundo o especialista em performance, emagrecimento e longevidade, esse pensamento é um equívoco que pode levar a problemas de saúde.
“O segredo para o emagrecimento é manter um déficit calórico, ou seja, gastar mais calorias do que se consome ao longo do dia. E isso pode acontecer sem que haja a necessidade de adoção de uma rotina alimentar restritiva, que pode ser prejudicial ao corpo. Inclusive, é possível ter uma dieta com carboidratos controlados, buscando um balanço calórico adequado”, explica Cunha.
O nutricionista adverte que muitas dietas que restringem carboidratos promovem uma perda de peso rápida, mas essa mudança na balança pode ser ilusória. “Geralmente, essa redução do peso é resultado de uma perda de líquido, e não de gordura. Ou seja, a pessoa continua com acúmulo de gordura no organismo, o que pode levar a quadros inflamatórios”, indica.
Além disso, ele destaca que pacientes que adotam dietas restritivas podem desenvolver transtornos alimentares e ter uma relação disfuncional com a comida, impactando a saúde mental. Ocorre que a restrição de carboidratos pode levar a sentimentos de privação e ansiedade em relação à comida, o que pode desencadear transtornos alimentares, como a anorexia e a bulimia. “Já atendi casos mais extremos, de pessoas que foram adotando dietas restritivas no seu cotidiano e, agora, enfrentam transtornos alimentares, tendo uma relação disfuncional com a comida, como no caso daqueles que precisam esconder o carboidrato que vão ingerir no meio das folhas para não ver o que estão comendo”, relata.
Outro fator que precisa ser considerado é a importância dos carboidratos para o ganho de massa magra, diretamente relacionado à taxa metabólica basal, ou seja, a quantidade de calorias necessárias para manter o corpo em funcionamento. “Isso significa que, quanto maior a massa magra, maior será a taxa basal, o que resulta em uma mais eficiente capacidade de perda de gordura e de manutenção do peso”, informa Cunha.
E tem mais. Conforme o especialista, uma privação extrema pode levar a quadros de hipoglicemia, que podem ser confundidos com outras doenças por causa dos sintomas, como tontura e visão turva – aumentando potencialmente o risco de acidentes, como quedas durante treinos ou mesmo em outros contextos.
Restrição de carboidratos impacta o humor
Evidentemente, Thiago Cunha reconhece que, assim como a falta, o consumo excessivo de carboidratos é prejudicial à saúde. O alerta é ratificado pela nutricionista Júnea Drews sobre o tema. “O excesso vai gerar inflamações e ganho de gordura, ampliando o risco de ocorrência de doenças cardiovasculares”, adverte ela, ponderando que, por outro lado, evitar esses alimentos a qualquer custo é também temerário.
Embora as dietas restritivas possam parecer promissoras no início, Júnea expõe que, muitas vezes, a sensação de desinchaço cobra um preço alto à medida que leva à perda de massa magra. “Como o carboidrato era a principal fonte de energia, o organismo vai precisar se adaptar e buscar uma alternativa. Por isso ele usará a massa muscular, naturalmente muito hidratada. Então, junto dela, também perdemos água”, comenta. E esse processo tem outras repercussões nocivas ao bem-estar, pois, para sintetizar a massa magra e transformá-la em energia, “o organismo vai quebrar a proteína em um processo que gera muita amônia, que provoca dor de cabeça e, consequentemente, mau humor”, cita. O quadro é agravado pela dificuldade de relaxar, uma vez que os carboidratos integrais mantêm a glicemia à noite, favorecendo um sono de melhor qualidade.
Por fim, ela adverte que a carbofobia pode levar a uma dieta desequilibrada, com baixo consumo de frutas, legumes e grãos integrais, alimentos que são fontes importantes de nutrientes e fibras e fundamentais para o funcionamento regular do estômago e do intestino. Além disso, a nutricionista assevera que o consumo excessivo de proteínas pode aumentar o risco de problemas renais.
Simples e complexos
Júnea Drews explica que os chamados “carboidratos simples” são mais facilmente absorvidos pelo organismo, liberando energia quase imediatamente. “Eles estão presentes no pão francês, nos açucarados e até no suco de laranja coado”, diz. Já os carboidratos complexos são ricos também em fibra e, por isso, vão demorar mais a cair na corrente sanguínea. “Eles vão ser encontrados na laranja, quando se come também o bagaço, na maçã com a casca e em outras frutas e legumes”, detalha.
Mas a profissional rechaça que os primeiros sejam carboidratos “ruins”. “Se uma pessoa vai fazer exercícios e, meia hora antes, come um pão francês, ela pode ter mais energia e render melhor no treino”, garante, embora reconheça que, em alguns casos, pode haver a indicação de uma tentativa de substituição gradual das fórmulas simples pelas mais complexas.
Fonte: O Tempo.