Parecia que ia ser fácil. A ansiedade dos alunos pelo retorno ao presencial era tamanha que bastavam os portões se abrirem para os ânimos se acalmarem. Eles seriam acolhidos, recebidos de volta à escola e logo mais as atividades curriculares poderiam ser retomadas. Mas depois de um ano e meio dentro de casa, com aulas pela tela e tantas vontades represadas, será que foi assim mesmo?
Definitivamente, não. E quem responde são as próprias escolas, públicas e particulares. Passado o primeiro bimestre escolar, reuniões de pais e conselhos, a percepção é de que os alunos, em sua grande maioria, voltaram com algumas “dificuldades” e precisaram de um tempo extra para conseguirem se readaptar ao ambiente e retomar a rotina.
Dificuldade entre aspas porque não são problemas, são enfrentamentos naturais e esperados para quem viveu um ano e seis meses em isolamento social numa fase em que o social é responsável por muitos dos aprendizados – e alegrias. Crianças e adolescentes, de Fundamental a Ensino Médio, retornaram ansiosos, dispersos, extremamente agitados e felizes. Muito felizes.
Tão felizes que não conseguiam se conter em momentos que era preciso mais calma, escuta e concentração. Crianças e adolescentes voltaram com uma necessidade exacerbada de falar, conversar, rir. Necessidade de estarem juntos. E o que fazer com tamanha empolgação depois do longo período privados do convívio?
A escola, além do seu papel pedagógico, é também um espaço de reencontro, afeto e de ressocialização. O processo todo de desenvolvimento das relações humanas, fora do círculo familiar, acontece, principalmente nas escolas quando somos crianças e adolescentes e a suspensão destes encontros por conta da pandemia exigiu um maior cuidado. O que parecia simples e óbvio tem sido desafiador tanto às escolas quanto aos próprios alunos.
“Os alunos voltaram bem mais dispersos e alguns até catatônicos nas primeiras semanas”, conta Fátima Santana de Almeida, Diretora da EE Dom Angelo Cardeal. “Como faço a recepção e a aferição de temperatura deles no portão, pude reparar que muitas vezes os pais estavam redirecionando os filhos, como se não soubessem mais entrar na escola, entretanto, aos poucos isso foi mudando. Estão muito mais alegres também”, conta.
Alegria esta que não dá para represar. Não dá para simplesmente dizer “aqui não pode” ou “aqui não”. Fernanda Brito, mãe de uma menina que está no 4º., conta que a filha voltou com “a corda toda”. “Nas primeiras semanas a empolgação era tanta que atrapalhou um pouco a concentração, mas agora já se reajustou. Não quer perder nenhum dia! Ela está muito mais feliz e empolgada com as tarefas da escola agora que pode ir presencialmente”.
O tempo de isolamento também trouxe impactos importantes para a relação dos alunos com a produção escolar. “O trabalho remoto, vivido dentro das casas das famílias, ofereceu uma experiência individualizada de relação com a escola e ao retornamos para o presencial, estamos todos sujeitos às regras do coletivo. E aí encontramos alguns atritos importantes”, fala Fernando Pimentel, coordenador pedagógico.
“Além de alguns repertórios típicos de sala de aula que parecem ter se fragilizado durante o processo do isolamento, nos parece que a ânsia pelo contato com o outro é tão grande que, em alguns momentos, tal contato também acontece de forma ‘desorganizada’. Como podíamos imaginar, voltar para a escola parece mais difícil do que a migração para o online”, revela.
O longo tempo de escola dentro de casa desestruturou muito do que eles tinham por rotina e hábitos dentro do espaço físico. É como se eles tivessem perdido o traquejo.
Para ele, a experiência do ensino online foi desafiadora para os estudantes, justamente por estar muito apoiada na autorregulação deles. “Mas sabemos também que nem todos conseguiram desempenhar a tal autorregulação de forma satisfatória e a regulação dos tempos escolares é algo que tem sido fonte de alguns conflitos também. Não há mais a escolha de se fazer atividades em outro horário que não o da aula, por exemplo. Não se pode ficar no celular enquanto o professor fala. Estes são alguns exemplos de atitudes que não foram reguladas externamente durante o ensino online e que agora precisam ser reguladas por adultos da escola”.
Agora pensem, até ontem eles precisavam de celulares ou computadores para assistir às aulas e fazer atividades. Voltam à escola presencialmente, mas ainda com exigências remotas, como fica o uso do aparelho dentro do espaço físico? O que antes tinha um delimitador muito claro e compreensível, hoje se misturou ao modelo híbrido e os alunos têm dificuldade de entender e, principalmente, de controlar os dedinhos em sala de aula.
Estão tão acostumados a usar a tela e fazer aula enquanto olham as redes sociais que está complicado se autocontrolar dentro da escola. Renata Alcalá, mãe de uma menina que está no 4º., conta que o uso do celular aumentou significativamente e acredita ser por conta do uso na pandemia. “Até há pouco, todo registro era feito no portal da escola. Minha filha também usava muito para conversar com as amigas e fazer encontros virtuais. Desde que voltou para escola, determinei que só pode usar de sexta a domingo e a escola proibiu o uso”.
Nem toda escola lida com a mesma questão, mas fato é que todas têm lidado com crianças e adolescentes que passaram um ano e seis meses afastado do ambiente que tanto lhe eram familiar e íntimo. Alguns chegam mais tímidos, outros mais ansiosos, mas todos precisam de tempo para se reconhecerem novamente dentro da escola e dentro do contexto social que ela carrega.
Longe de ser fácil, longe de ser apenas uma reabertura de portões. Alunos precisam de acolhimento mais do que adaptações.