fbpx

COLUNA: Restrição ao transporte intermunicipal em Belo Horizonte

Por Dentro De Tudo:

Compartilhe

Os efeitos da pandemia do novo coronavirus aparenta estar longe do fim, tendo em vista o potencial risco de contaminação e a frágil estrutura do sistema público de saúde para atender toda a demanda ocasionada pelo Covid-19, neste sentido, várias medidas restritivas foram tomadas em todos os setores da administração pública no sentido de conter a disseminação e avanço do vírus sobre a coletividade.

Neste sentido, vale análise dos aspectos jurídicos sobre o Decreto nº 17326 de 06 de abril 2020 que determina a proibição da circulação no território do Município de Belo Horizonte de transporte público coletivo oriundo de municípios que interromperem as medidas de isolamento social.

Tais medidas não poderiam, s.m.j., ultrapassar os limites legais impostos pela legislação, especialmente a Constituição Federal que é que, em última análise, define a competência dos entes, União, estados e municípios, sendo certo que o decreto publicado na capital mineira ultrapassa, em tese, a competência de legislar sobre matéria que não lhe pertence.

Embora respeitável a determinação municipal através do decreto em comento, eis que visa a propagação do coronavirus, a proibição de circulação do transporte público oriundo de municípios que interromperam as medidas de isolamento das pessoas, atinge a esfera de outro município, além do poder estadual acerca de tal assunto.

Dessa forma, a Constituição destaca que cabe aos estados, no exercício de sua competência residual, legislar sobre transporte rodoviário intermunicipal, conforme entendimento já consolidado pelo Supremo Tribunal Federal. Neste contexto, através da legislação mineira, notadamente pelo novo decreto estadual 47069, o Estado de Minas Gerais regulamentou tal meio de transporte pelo Departamento de Edificações e Estradas de Rodagem, amplamente conhecido como DEER. Há que se lembrar que as linhas intermunicipais são resultado de convênios entre municípios e estado que permitem às empresas de transporte de pessoas explorarem comercialmente, na forma de contratos licitados, tais concessões.

Na semana passada, o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Alexandre de Moraes, decidiu de forma liminar, em Arguição de Descumprimento de Preceito Constitucional n. 672, autorizou que os governos estaduais, distrital e municipal, no exercício de suas atribuições e no âmbito de seus territórios, competência para a adoção ou manutenção de medidas restritivas durante a pandemia da Covid-19, tais como a imposição de distanciamento social, suspensão de atividades de ensino, restrições de comércio, atividades culturais, circulação de pessoas, entre outras. A decisão deverá ser confirmada pelos demais ministro da Corte.E, não autorizou, entretanto, que municípios avançassem sobre a competência que é do estado, no caso, regular transporte intermunicipal. Este serviço necessariamente implica em circulação de pessoas.

Ora, se cabe ao estado regular o transporte intermunicipal e cabe, também, ao município regular a circulação de pessoas, pode-se pensar que o círculo não se completa, pois desembarcar passageiros implicará em circulação, e sem o desembarque, não há transporte, por óbvio.

Estamos vendo várias medidas, em todos os níveis da administração pública, de contenção do avanço da contaminação – suspensão de aulas, recomendação de adoção de trabalho remoto, fechamento de comércios e interrupção de atividades culturais e recreativas, entre outras – com fundamento na própria Lei 13.979/2020, além da competência conferida pela Constituição Federal (art. 23, II e art. 24, XII) para atuar em prol da saúde pública.

A questão se torna mais intricada a partir do momento em que há outro elemento a ser considerado, o famoso habeas corpus, que nada mais é do que o direito de “ir e vir”, este regulado pela Constituição Federal e sobre o qual os municípios não podem legislar, podem regulamentar.

Citando mais uma vez a Constituição Federal, nos seus arts. 196 e 197, a saúde foi alçada a “Dever do Estado”, e, a nosso sentir, o equilíbrio dos direitos e deveres citados se torna um desafio, caberia, sim, ao município de Belo Horizonte, desejando restringir a circulação das pessoas, tomar medidas restritivas, mas que não inviabilizassem o desembarque de passageiros vindos de outros munícipios. Se a vida e a saúde integram de forma imediata a consagração da dignidade humana, o direito de ir e vir, também.

Ainda, a título de exemplo, suponha-se que poderia o prefeito de Belo Horizonte, no uso dessa atribuição, impor outras medidas pós desembarque, como a aferição de temperatura, exigir exames, cadastros e até mesmo impor quarentena, dentre outros que a melhor técnica possa sugerir.

Isto, provavelmente, implicaria em gastos altíssimos, materiais, kits para exame, pessoal treinado e paramentado com os devidos EPI´s (Equipamentos de Proteção Individual), locais para promover o isolamento, como acomodações dignas, monitoramento daqueles que contaminados ou meramente suspeitos de contaminação…

Fato é que, os municípios que entendem que restringir o desembarque de passageiros de outros municípios, que entendam tal medida como intensão de não afrouxar as medidas de restrição de atividades não possuem estrutura e recursos para tanto, valendo-se do poder normativo para, por não terem tais recursos financeiros, ou não desejarem deles dispor, optam por uma estratégia ilegal de restrição do direito de ir e vir.

A discussão dos instrumentos normativos é complexa, é lenta, mas é nela que se deve pautar o Estado Democrático de Direito, a dedução de que medidas ilegais sejam as corretas a serem tomadas, pois visam garantir bens legitimamente tuteláveis, é alternativa populista, para não dizer oportunista.

A administração da saúde e dispensa dos cuidados exigidos, concessão de medicamentos e tratamentos, já desenham um quadro antigo e trágico em terras brasileiras, sendo que a justiça num sem número de vezes é chamada a intervir e obrigar que os entes da administração garantam tais direitos dos cidadãos e o discurso da escassez de recursos e limites de responsabilidade dos gestores sempre são usadas como meios de defesa dos gestores públicos.

Novamente este expediente vem sendo utilizado, talvez realçado pelas disputas políticas, que já se precipitam, talvez pelo aceno do STF através da liminar comentada acima, do ministro Alexandre de Moraes, a administração pública municipal da Capital optou por sacrificar o direito de ir e vir dos cidadãos, ao pretexto de preservação da saúde pública e com a garantia de não gastar recursos financeiros do município, colocando a conta novamente para a população pagar.

Presumir que o transito das pessoas, vindas de municípios “a” ou “b” seja ato meramente deliberativo delas, não é só ilegal é execrável também, pois afronta a democracia, afronta o estado de direito, afronta a Lei Maior, e permite ao gestor pensar que ele é acima de tudo um guardião dos cofres do erário, subvertendo a ideia de que o direito à vida, à saúde e o direito de ir e vir, possam ser interesses menores, o que não são.

A presunção em questão é condenável, pois moradores de cidades da região metropolitana não são, em primeiro lugar, responsáveis pelas normas mais ou menos rigorosas da administração pública dos municípios de origem. Em segundo lugar, são cidadãos com necessidade de locomoção que até mesmo o fazem em favor da saúde de cidadãos belo-horizontinos, cite-se casos como enfermeiros, técnicos, cuidadores de idosos, profissionais do ramo farmacêutico, para citar poucos casos.

Beira à vocação autoritária usual e contrária a população que presumivelmente vive em condições mais singelas, quando não mais precárias, cidadãos de cidades dormitório, em alguns casos, mas que na maioria prestam serviços, também os essenciais, aos belo-horizontinos.

Há que se amenizar a crítica à administração da Capital dado ao descompasso de entendimento entre os gestores da administração estadual e federal, que ao contrário das medidas de restrição tem comportamento público provocadores, estimuladores do questionamento às orientações da OMS (Organização Mundial da Saúde) e do próprio Ministério da Saúde pondo em dissenso as práticas mais conservadoras de proteção e isolamento social.

A saúde pública, bem valioso e sonegado das populações periféricas nos dias mais comuns, não pode, agora, servir de pretexto para o tratamento desigual dos cidadãos, de forma indiscriminada, a mesma deverá ser instrumento de promoção da igualdade e da plena dignidade do indivíduo o que não haverá com subtração do legítimo direito de locomoção.

Colunista: Dr. Vinícius Fernandes, advogado, pós-graduando, atuante no mercado imobiliário, especialista em direito civil e condominial, síndico profissional, que colaborou na redação deste artigo, escrito pelo Dr. Valério Carvalho, advogado, pós-graduado em direito empresarial, sócio sênior do escritório VCL ADVOCACIA, atuante no mercado imobiliário, especialista em direito civil e incorporações imobiliárias, planejamento tributário de obras. Contato: (31) 99164-8590 (31) 99824-6326.

** Este texto é elaborado por profissionais/colunistas, mas não reflete, necessariamente, a opinião do jornal.

Encontre uma reportagem