Com o avanço da tecnologia, ciberbullying é desafio para famílias e escolas

Por Dentro De Tudo:

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“Escuta aqui, seu merdinha, ninguém te ama e nunca vai te amar. Você é um lixo, esquilo. Seu dente parece o (dente do) Bart Simpson”. As mensagens foram enviadas por um aplicativo de conversas para um garoto de 13 anos, aluno de uma escola da rede particular no bairro Floresta, na região Leste de Belo Horizonte. O autor das mensagens é um colega de classe, que possui a mesma idade do menino alvo das ofensas. O episódio envolvendo os estudantes, ocorrido no final do ano letivo de 2022, configura ciberbullying, um tipo de violência cada vez mais comum e desafiador para famílias e a comunidade escolar.   

Para a coordenadora do Núcleo de Referência da Cultura da Paz e do Programa de Convivência do Colégio Santo Agostinho, Kely Cristina de Moura, o avanço das tecnologias e a inserção nas redes sociais de crianças e adolescentes fez com que esse fenômeno de violência, que não é atual, se fortalecesse muito nos últimos anos. “É uma violência que na rede social ganha uma proporção muito grande e que se tornou ainda mais comum na pandemia da Covid-19″, avalia. A especialista entende que as medidas sanitárias adotadas durante o período pandêmico, que suspenderam as aulas presenciais, fizeram com que o convívio social de muitas crianças e adolescentes se transferisse do espaço físico para a web. 

Com isso, conforme Moura, os conflitos que fazem parte do processo de sociabilidade, que ainda se encontra em fase de desenvolvimento para esses estudantes, começaram a ocorrer no ambiente virtual, onde o acompanhamento por parte da família e da comunidade escolar é ainda mais restrito, o que inibe o controle desse tipo de violência. “A internet entrou na casa da gente, e a gente, na internet. E isso agrava a situação, já que esse é um espaço onde é difícil acompanhar. Por isso, as crianças precisam ter essa orientação dos adultos, seja em relação à escola ou não”, avalia. 

O ciberbullying é um tipo de violência caracterizado por perseguição, humilhação, intimidação, agressão e difamação sistemática. Ele se assemelha ao bullying, mas só ocorre quando esses problemas saem da esfera da convivência física e passam para o ambiente do convívio virtual, como nas redes sociais e nos aplicativos de mensagem. Diante do advento das tecnologias e do acesso cada vez maior de crianças e adolescentes, um estudo global sobre o tema procurou identificar os ambientes onde essas violências ocorrem com maior frequência. Entre as principais plataformas de mídia social, é no Facebook e no WhatsApp que crianças e adolescentes brasileiros se tornam vítimas do ciberbullying.  

O relatório revelou que 45% dos entrevistados brasileiros com idade entre 10 e 18 anos dizem ter sofrido ciberbullying no WhatsApp, no mundo a média é 38%. No Facebook, 46% dos entrevistados no país dizem ter sido vítimas da violência, enquanto o índice global foi de 49%. O estudo também verificou a média brasileira no Instagram (33%), no Facebook Messenger (18%) e no TikTok (17%). A pesquisa realizada pela McAfee Corp, empresa de proteção online, entrevistou 11.687 pais e filhos em dez países e foi divulgada em agosto do ano passado. 

No caso ocorrido com o garoto de 13 anos, que é estudante em uma rede particular da capital mineira, a mãe do menino, que preferiu não se identificar, temendo novos episódios de violência com o filho, afirma que ficou assustada quando viu as mensagens no celular. “Me doeu muito ver alguém chamando meu filho de ‘merda’, de ‘’lixo e falando que alguém não o ama. Como eu, que sou mãe, não vou amar meu filho? Na mesma hora perguntei por que não me havia me dito nada, ele pediu para deixar isso para lá. Só que eu percebi que isso ficou incomodando, ele mudou o comportamento”, relata a mãe do garoto, que possui o diagnóstico de Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH). 

Após ter conhecimento do episódio de violência, que segundo ela teria ocorrido pela segunda vez, a decisão tomada junto ao seu marido, que é pai da criança, foi restringir o tempo de uso do aparelho de celular para o filho. “Mesmo trabalhando o dia inteiro, e o pai com os horários mais flexíveis, a gente criou uma rotina. Hoje ele usa o celular perto da gente. Além disso, eu sempre falo que não é para deixar fazerem isso com ele, mas que também não deve fazer com ninguém”, explica a mãe. No entanto, a mudança no ambiente familiar não foi acompanhada por novas formas de convivência no espaço escolar. Segundo a responsável pelo garoto, ela chegou a conversar com os diretores e professores da escola, mas o ocorrido “parece ter sido ignorado”.

O papel da escola

Uma violência que transcende o espaço físico da escola, mas que tem como autor e vítima personagens que convivem diariamente em um mesmo espaço. Para a coordenadora do Núcleo de Referência da Cultura da Paz e do Programa de Convivência do Colégio Santo Agostinho, Kely Cristina de Moura, essa é uma realidade e um desafio para a educação em tempos de mais acesso à tecnologia. “A escola não tem que fechar os olhos quando esses casos ocorrem. Ela tem que reafirmar o papel de parceria com a família. Hoje nós vivemos em outra época”, afirma. 

A avaliação vai ao encontro da análise que é feita por Denise Romano, que é coordenadora geral do Sindicato Únicos dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE). “A escola não pode ser o lugar da destruição, não pode ser o lugar do medo e da morte. Ela precisa ser o lugar do acolhimento, e infelizmente não é isso o que tem acontecido. Há um esvaziamento das políticas de proteção à criança e ao adolescente”, afirma.  

Esse acompanhamento aos estudantes, quando estes se tornam vítimas desse tipo de violência na web, é de responsabilidade da família e também dos profissionais da escola, como afirma o professor Paulo Fonseca. No entanto, segundo ele, são necessárias campanhas educativas sobre o que é o ciberbullying e também o fortalecimento da rede de assistência aos estudantes por meio de uma equipe multidisciplinar. 

“A escola tem esse papel de intermediação com as famílias envolvidas, mas ela precisa ter à sua disposição psicólogos, profissionais de assistência social. É importante ter essa estrutura até para que a gente consiga mediar essa situação”, sugere o professor. 

O uso das redes e da tecnologia

Embora o bullying não seja algo novo, a internet aumentou as proporções e intensificou os sentimentos provocados pelo ato, de acordo com especialistas. A Lei 13.185/2015, que institui o Programa de Combate à Intimidação Sistemática, também joga luz sobre o que é cometido online, o chamado ciberbullying.  

“Há intimidação sistemática na rede mundial de computadores (ciberbullying) quando se usarem os instrumentos que lhe são próprios para depreciar, incitar a violência, adulterar fotos e dados pessoais com o intuito de criar meios de constrangimento psicossocial”, define. 

Com isso, especialistas sugerem que o uso das tecnologias por crianças e adolescentes precisa ser acompanhado pelos pais. As crianças, conforme os estudiosos, devem seguir uma rotina, e os responsáveis necessitam estabelecer uma relação de confiança para que seus filhos relatem sobre como utilizam a rede. 

“Um pai não deixaria um filho sozinho às 22h na praça do Papa, mas permite que seu filho fique sozinho com o celular o dia inteiro. Os pais precisam tirar essa visão de que a internet é um espaço controlável, porque não é assim. Quando perceberem, já pode ter ocorrido um grande estrago na vida da criança”, justifica a coordenadora do Núcleo de Referência da Cultura da Paz e do Programa de Convivência do Colégio Santo Agostinho, Kely Cristina de Moura.  

O acesso irrestrito à rede também é uma questão que serve de alerta e preocupação para os responsáveis, como aponta a psicoterapeuta Myrian Durante. A especialista acredita que as crianças podem acabar sendo influenciadas por aquilo que acessam. Em adição, os jogos online, muitas vezes, podem acabar gerando confusão entre o que é o mundo real e o que é o mundo virtual.  

“No joguinho, a criança ou adolescente mata as pessoas, depois coloca reiniciar e está todo mundo lá novamente. Porém, na vida não é assim. Matou, matou”, frisa.  

Projetos nas escolas

A Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais afirma que desenvolve diversas iniciativas que colaboram para o enfrentamento do bullying e do ciberbullying nas escolas da rede estadual em Minas. “Dentre as ações, destacamos o Programa de Convivência Democrática, criado em 2017, que tem como foco a promoção da paz no ambiente escolar e que está em consonância com a Lei 23.366/2019, que institui a Política Estadual de Paz nas Escolas”, revelou em nota.  

O programa busca fortalecer as políticas de prevenção às diversas formas de violência no ambiente escolar, além de padronizar os procedimentos a serem adotados pelas escolas, incluindo o bullying. “O documento orienta que, ao presenciar uma situação específica de bullying, é importante que os profissionais da escola intervenham de maneira adequada e viabilizem um momento e um espaço para o diálogo restaurativo entre o praticante e a pessoa em situação de violência”, explica a Secretaria.  

No último ano, o projeto passou a ter a colaboração dos Núcleos de Acolhimento Educacional (NAEs), que conta com psicólogos e assistentes sociais. Os profissionais desenvolvem diversas ações nas escolas para apoio, acolhida e resgate da autoestima dos alunos, além de atuar na prevenção à violência. A pasta afirmou também que pretende implementar um sistema de consolidação de dados de violência em escolas, por meio do Sistema Integrado de Monitoramento e Avaliação em Direitos Humanos (Sima Educação). A medida servirá como guia para definir as ações que serão executadas nas unidades de ensino. 

Em Belo Horizonte, a prefeitura afirmou que também desenvolve projetos pedagógicos, com alunos e professores, que buscam garantir a melhor convivência e a segurança nas redes municipais. Para enfrentamento ao bullying, a Secretaria Municipal de Educação destaca que os professores possuem uma cartilha com orientações sobre a temática. 

As escolas também contam com o documento “Escola, lugar de proteção: Guia de orientações e encaminhamentos”. O relatório contém “direcionamentos para tratar situações de violência, ato infracional, crimes, violações de direitos e outras ocorrências no ambiente escolar ou que acontecem fora da instituição e acabam interferindo no clima escolar”.  Além das medidas pedagógicas, a Secretaria garante que realiza ações de abordagem preventiva e o tratamento das situações de violências. Essas ações são, em sua maioria, realizadas junto à Guarda Municipal. 

Fonte: O Tempo.

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