Após emitir comunicado alertando para a possibilidade de ao menos oito reservatórios de usinas hidrelétricas do Sudeste e Centro-Oeste do Brasil chegarem quase vazios a novembro próximo, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) alterou o discurso e garantiu, em nota técnica, que as ações conduzidas pelo governo federal são suficientes para abastecer o país neste ano. A mudança de tom ocorreu no último sábado, dia seguinte ao posicionamento, e não surpreendeu analistas do setor, que descartam racionamento em 2021, mas consideram inevitável novos aumentos nas contas de energia, as quais já vêm pressionando a inflação.
Não há mágica para garantir o fornecimento de energia num ano marcado por crise hídrica considerada histórica no Brasil. As soluções passam por medidas que têm sido adotadas e devem ser intensificadas, incluindo a flexibilização de restrições hidráulicas sobre as usinas das bacias dos rios Paraná e São Francisco, participação maior da geração das térmicas, energia mais cara, e a importação do insumo da Argentina e do Uruguai.
A Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) admite a criticidade do momento hídrico. Contudo, assegura esforços para manter o abastecimento.
A concessionára diz que apenas o ONS tem condições de prever racionamento e possíveis apagões. Especialistas ouvidos pelo Estado de Minas não acreditam na oficialização de política pública para controlar o consumo. Há, no entanto, quem aponte a possibilidade de problemas na geração.
Embora reconheça que o Brasil é assolado pela pior crise hidrológica desde 1930, o ONS deposita fichas em campanhas pelo uso consciente de água e luz. “O único cenário em que há risco de déficit é o cenário de referência, utilizado para demonstrar que ações precisavam ser tomadas com o intuito de evitar essa ocorrência. Sendo assim, diversas medidas foram aprovadas pelo Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) e já estão em curso, o que faz com que esse cenário não se concretize e se garanta o fornecimento de energia e potência em 2021”, diz o comunicado mais recente emitido pelo ONS.
Walter Fróes, CEO da CMU Comercializadora de Energia, também não vê risco de apagões. “A situação hídrica no Brasil exige atenção sempre, mas está longe de ser um cenário catastrófico como estão apregoando por aí. A possibilidade de racionamento, por exemplo, é mínima”, diz. Segundo ele, simulações sobre os índices de precipitação no Brasil mostram que, até mesmo na hipótese mais delicada, o país dispõe de alguma reserva hídrica. “No pior cenário, ainda haverá 5% de água nos reservatórios em novembro, sendo que as chuvas começam já em setembro, em um ano normal”.
Ainda que não seja adotado um programa oficial de redução de gastos de energia, os brasileiros sentirão no bolso os efeitos da crise hidrológica, avalia Raimundo de Paula Batista, sócio-diretor da Enecel Energia. “Podemos passar sem a decretação do racionamento? Sim. Podemos passar sem aumento de custos ao consumidor? De forma nenhuma. O consumidor já está pagando o aumento — e vai pagar”, sustenta, fazendo menção à crise ocorrida entre 2014 e 2015, quando o governo federal, então sob o comando de Dilma Rousseff (PT), rechaçou a ideia de política para equacionar o uso de energia.
Para instituir eventual racionamento, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) precisa editar decreto sobre o tema, a exemplo do que fez Fernando Henrique Cardoso (PSDB), em 2001. “As chances de ele (Bolsonaro) decidir isso (racionamento), acho, são pequenas. (Sobre) a condição de atendimento do sistema, eu diria que está precária e sujeita a termos alguns blecautes”, opina Raimundoo Batista.
O presidente da Associação Brasileira das Empresas Geradoras de Energia Elétrica (Abrage), Flávio Neiva, não crê em racionamento neste ano. A entidade espera que as medidas do Executivo deem fôlego ao setor. “As maiores preocupações recaem no início de 2022, quando já teremos uma ideia concreta sobre o próximo período chuvoso”, destaca.