Nas últimas semanas, os casos de covid-19 não param de crescer no Brasil. De acordo com o painel do Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass), a média móvel diária de novas infecções está atualmente em 56 mil. Há pouco mais de um mês, esse número estava em 13 mil, uma taxa quatro vezes menor.
Esse aumento, relacionado à circulação de variantes mais infecciosas e ao relaxamento das medidas de proteção, nos leva a pensar na ação do Sars-CoV-2, o coronavírus responsável pela pandemia atual, e como ele consegue se espalhar com tanta facilidade.
Nesta reportagem, você vai conhecer em detalhes o “caminho” que ele faz pelo nosso organismo e o que acontece em cada dia desde o momento em que temos o primeiro contato com o patógeno.
Mas, antes de entrar nos detalhes, um alerta importante: as datas apresentadas são apenas estimativas médias, baseadas em informações publicadas em estudos científicos e revisados por agências de saúde nacionais e internacionais. Pode ser que esses prazos variem, para mais ou para menos, em casos específicos.
Dia 0: a infecção
Tudo começa quando temos contato próximo com alguém que já está infectado com o coronavírus.
Quando essa pessoa fala, canta, tosse ou espirra, ela libera pequenas gotículas ou aerossóis de saliva que carregam partículas do Sars-CoV-2.
A quantidade de vírus varia consideravelmente de indivíduo para indivíduo. “Alguns têm uma carga baixa, de 10 mil cópias virais a cada mililitro de saliva”, calcula o virologista José Eduardo Levi, coordenador de pesquisa e desenvolvimento da Dasa.
“A carga média vai de 10 mil até 1 milhão de partículas, mas vemos alguns que carregam até 1 bilhão de cópias virais por ml”, compara o especialista, que também é pesquisador do Instituto de Medicina Tropical da Universidade de São Paulo.
Essas gotículas minúsculas infectadas podem ser lançadas diretamente no nosso rosto — ou ficam em suspensão, “vagando” pelo ambiente durante minutos ou até horas (numa dinâmica muito parecida com a fumaça do cigarro), a depender da circulação de ar do ambiente de cada local. Nesse segundo caso, nós mesmos aspiramos esses aerossóis durante a respiração.
E é aí que começa de verdade o processo de infecção. O Sars-CoV-2 utiliza a espícula (também conhecida como spike ou proteína S), que está localizada na superfície de sua estrutura, para se conectar aos receptores das células da mucosa do nariz, da boca e até dos olhos.
A partir daí, ele vai iniciar a rotina comum a qualquer vírus: invadir a célula e usar todo o maquinário biológico para criar, de forma incessante, novas cópias de si mesmo.
“Nessa replicação, ele produz de 100 a mil novos vírus numa única célula”, estima Levi.
“Trata-se de um número tão grande que a célula não aguenta, estoura e morre. Esses vírus são, então, liberados e vão repetir esse processo nas células vizinhas.”
Essa replicação massiva, aliás, tem a ver com o surgimento das variantes do coronavírus. Nem todas as cópias saem iguais e algumas apresentam mutações genéticas importantes.
Se essa alteração no genoma representar alguma vantagem para o vírus, isso abre alas para o surgimento e o espalhamento das novas linhagens de preocupação — como as já conhecidas alfa, beta, gama, delta e ômicron.
Dias 1, 2 e 3: a incubação
As milhares de cópias que são liberadas de cada célula invadida avançam cada vez mais no organismo — se elas iniciam os trabalhos na superfície do rosto, logo estão dentro do nariz, descem para a garganta e eventualmente podem chegar até os pulmões.
Esse período de evolução silenciosa, em que a presença do vírus não gera nenhuma pista, é conhecida entre os especialistas como incubação.
“E percebemos nos últimos meses que o tempo de incubação das novas variantes diminuiu”, observa o virologista Anderson F. Brito, pesquisador científico do Instituto Todos pela Saúde.
De acordo com um relatório da Agência de Segurança em Saúde do Reino Unido, a incubação da variante alfa durava, em média, de cinco a seis dias.
Durante a onda da linhagem delta, essa janela caiu para quatro dias.
Já na ômicron, o período entre a invasão viral e o início dos sintomas sofreu uma nova redução e fica em apenas três dias.
Ou seja: se antes a pessoa tinha contato com alguém infectado e levava quase uma semana para manifestar os sinais típicos da covid, atualmente esse processo é bem mais rápido e pode acontecer quase de um dia para o outro.
Vale mencionar aqui que o tempo de incubação pode variar: em alguns casos, os sintomas aparecem até 14 dias depois do contato inicial com o vírus.
Dias 4 a 14: o aparecimento e a evolução dos sintomas
Conforme o vírus avança pelas vias aéreas superiores (nariz, boca e garganta), ele eventualmente chama a atenção do nosso sistema imunológico, que inicia um contra-ataque.
A primeira linha de defesa envolve células como os neutrófilos, os monócitos e as natural killers (exterminadoras naturais, em tradução literal), como detalha um artigo publicado em 2021 por dois pesquisadores do Hospital Universitário de Zhejiang, na China.
Com o passar do tempo, entram em cena outras unidades imunes, como os linfócitos T, que coordenam uma resposta mais organizada à invasão viral, e os linfócitos B, que liberam os anticorpos.
Mas o importante disso tudo é que os sintomas acontecem em algumas pessoas justamente a partir dessa reação imunológica: coriza, tosse, febre e dor de garganta são, ao mesmo tempo, tentativas de eliminar o vírus do organismo e um efeito de tantas células trabalhando de forma incessante.
Dia 15 em diante: resolução do quadro (ou aparecimento de sintomas duradouros)
Passadas até duas semanas desde o contato com o coronavírus, o sistema imune costuma “vencer a batalha” e interrompe aquele processo de replicação e destruição das células na maioria das vezes.
Essa vitória, claro, é facilitada pela vacinação — as doses permitem “treinar” as unidades de defesa de forma segura, de modo que elas saibam como combater o patógeno antes mesmo de ter contato com ele.
Em alguns casos, infelizmente, o quadro não evolui tão bem assim: o vírus consegue ganhar muito terreno, chega até órgãos vitais (como os pulmões) e gera um quadro inflamatório bem grave.
Geralmente, essas situações exigem internação em UTI (Unidade de Terapia Intensiva) e intubação, além de aumentar o risco de morte.
E, mesmo nos pacientes que se recuperaram bem, há o risco nada desprezível da covid longa, marcada por incômodos que duram meses (ou até anos).
Embora essa área ainda esteja rodeada de muitas incertezas, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos estima que até 13,3% das pessoas com covid apresentam sintomas de longa duração por um mês ou mais. Cerca de 2,5% relatam problemas ao menos por três meses.
Ainda segundo a instituição, mais de 30% dos pacientes com covid que foram hospitalizados ainda sentem algum mal-estar depois de seis meses, que varia de cansaço e dificuldade para respirar até ansiedade e dor nas articulações.
O CDC aponta que “está trabalhando para entender mais sobre essas experiências pós-covid e por que elas acontecem, incluindo o motivo pelo qual alguns grupos são afetados de forma desproporcional”.
– Este texto foi originalmente publicado em https://www.bbc.com/portuguese/geral-62002188
Fonte: BBC Brasil.