Valéria Bax, conselheira do Decisão Atacarejo, é a sétima entrevistada da temporada Minas S/A sobre o setor supermercadista, que segue até dezembro em todas as plataformas de O TEMPO.
A empresa tem aproximadamente 600 colaboradores e está em Belo Horizonte com quatro lojas; duas unidades na cidade de Santa Luzia; e uma loja em Lagoa Santa, na Grande BH.
Empresa familiar, o Decisão Atacarejo tem plano de abrir mais três unidades até 2025, e, se depender do ambiente de negócios, a expansão pode ser até maior.
A operação, que conta com cartão de crédito próprio, escola de gastronomia e presença em alguns marketplaces, também vai contratar de 50 a 80 pessoas por nova loja.
O Decisão Atacarejo começou com uma loja de 100 m² no Ceasa Minas, em Contagem?
A gente começou com alguns produtos e muito no início segmentamos para o ramo de bomboniere. Então o Decisão é um atacarejo que surgiu do atacado baleiro e doceiro. A gente vendia bala, chocolate, pipoca. Eu lembro que chegava carreta de caixa de suspiro, maria-mole, pipoca. E já começamos com o autosserviço logo no início, que foi uma ideia de colocar prateleira para o cliente ver o produto e acessar melhor.
Você começou numa época em que a atividade era dominada pela figura masculina, não é?
Eu falo que o varejo ainda é (assim). Mas há 34 anos atrás eu tinha 18 anos. Por começar até no próprio Ceasa que ainda hoje é uma ambiente muito masculino, então eram poucas mulheres que tinham até trabalhando mesmo dentro do próprio Ceasa. E eu lembro que lá a gente tinha uma Kombi, era o carro de carga, e quantas vezes eu saí no volante da Kombi para dirigir e buscar mercadoria e entregar.
E a presença feminina em cargos de liderança, em cargos estratégicos dentro de uma empresa, seja no setor supermercadista, ou em qualquer outro setor da nossa economia?
Eu vejo que é um olhar mais humanizado, mais preocupado. Eu acho que, por ser mulher, mesmo nessa questão da maternidade, de se permitir emocionar com algumas coisas, não é aquela coisa de que homem não chora. E a mulher acaba trazendo essa humanização em qualquer tipo de negócio, de se colocar no lugar do outro, nessa parte da empatia, que a mulher faz isso melhor.
O negócio criado pelo seu pai, Euler, e a sua mãe, Neiva, teve um crescimento com pé no chão para chegar a sete lojas e 600 funcionários. Qual é o ponto em que o negócio deslanchou?
A gente sempre foi pautada em um crescimento com pé no chão. Então a gente vem com crescimento constante mas nada de extraordinário, de deslanchar. A gente vem crescendo a cada ano passo a passo porque é uma questão de família.
É uma empresa familiar?
A nossa empresa é capital 100% da família. E a gente vem deslanchando com inovações. Há 16 anos, e ainda hoje, o nosso é o único atacarejo que tem uma escola de culinária onde a gente foi pensando nos clientes, no desenvolvimento de microempreendedores, doceiras, baleiros, salgadeiras. E aí eu falo que é um mercado muito feminino, mas sempre tivemos homens também fazendo aula com a gente. Tem muitos chefs e confeiteiros.
Como foi pensada uma escola de culinária dentro de um atacarejo? Isso é para fidelizar o cliente, aproximar mais a indústria da marca, e ter mais produtos da indústria ali, é um ganha-ganha para todo mundo?
Sim, na época a gente viu uma oportunidade, porque o Decisão surgiu da bomboniere. Então uma das linhas mais fortes até hoje, se você olhar todos os nossos concorrentes, grandes concorrentes, ninguém tem a linha de bomboniere tão completa, porque é a nossa origem.
Tão diversificada.
A gente viu essa oportunidade de ter uma escola de culinária junto às indústrias porque eles às vezes tinham locação de alguns lugares para poder promover esses encontros. E aí a gente começou a pensar que, se tivéssemos uma escola de culinária, a gente traz esses clientes para dentro do nosso negócio e, fora isso, a gente ainda vai poder estar promovendo algo de bom também para o mercado, de estar treinando outras pessoas que podem desenvolver, muitas vezes, uma profissão. A gente tem depoimentos muito legais.
De pessoas que tiveram as vidas transformadas?
Tem um senhor que fez uma aula e começou a vender empada. A gente tem um depoimento dele dizendo que formou o filho na faculdade, e ele fala que é supergrato por isso.
A pessoa paga uma taxa mais baixa, democrática, uma coisa que dá para ela pagar?
Sim, temos cursos a partir de R$ 20, R$ 30, porque são aulas subsidiadas pela indústria e temos algumas aulas também mais completas onde a gente tem culinaristas professores que vão e fazem a aula também. Então acaba tendo um custo um pouco maior. Mas são preços que para a pessoa ter uma nova profissão, aprender, é muito barato o investimento.
Ela não aprende somente a fazer doce.
Não. Tem aulas de doce, salgado. De pizza, de pães, muitas vezes, de pratos. E todo mês a gente já tem uma programação que fica no nosso site e nas redes sociais.
Sobre as lojas, qual é o motivo da escolha da abertura de lojas? O Decisão Atacarejo tem lojas em Belo Horizonte e região metropolitana. Como se deu a escolha dessas localidades?
A gente faz um estudo para poder ver a demanda do local e que venha de acordo com o nosso público também. O Decisão Atacarejo trabalha com uma linha de produtos bem focado num público mais popular. Não que a gente não tenha bons produtos. Eu falo hoje em dia não tem muito isso. Porque antigamente as pessoas pensavam que produto popular era produto barato, produto ruim. São produtos que o cliente quer dentro da casa dele.
Tem uma relação custo-benefício.
E temos muitos produtos de primeira linha também. Então a gente está em Belo Horizonte (com quatro lojas), em Santa Luzia (com duas lojas na região do São Benedito). Temos uma loja em Lagoa Santa que na região onde a gente está já é um pouco mais elitizado. A gente tem lojas com formatos diferentes para poder atender de acordo com a região, assim como para atender ao público também.
O formato das lojas no Decisão é sempre no atacarejo?
Tem atacarejo com lojas de 12 mil, 15 mil metros quadrados. As nossas lojas são de 1.000 a 4.000 m². A gente chama de um formato de atacado compacto. Então a gente tem uma linha menor de produtos mas tem de tudo, a gente encontra de tudo, mas é um atacarejo mais compacto. O nosso foco é atender o pequeno comerciante que é o dono de bar padaria, ainda tem mercearias de bairro e restaurante, hotel, mas a gente também atende o consumidor final. Então o atacarejo foi crescendo quando o público consumidor começou a ver oportunidade de comprar em maiores quantidades e muitas vezes dividir ali entre a família, entre o condomínio, entre amigos. Então o atacarejo começou a crescer e aos poucos virou uma tendência e foi abrindo para vender a unidade. Tem um diferencial: às vezes quando você compra uma quantidade maior tem um preço melhor. Para caixa fechada tem um preço melhor do que comprar uma unidade. Então, o atacarejo virou uma tendência no Brasil inteiro de atender os dois públicos.
Vocês viram que era preciso fazer um plano plurianual para a rede crescer?
Sim. A gente inaugurou a última loja há dois meses, e a gente tem um plano para os próximos três anos, até 2025, de abertura de novas lojas. Todo o planejamento está sendo feito com uma visão estratégica junto ao conselho de administração de onde o Decisão quer chegar. E a gente está com esse projeto de abertura de lojas até 2025. Um projeto de, no mínimo, uma loja por ano. Mas ele pode ser bem mais ousado agora que já passou a eleição.
Eu quero que você explique mais esse plano plurianual. Você que está no conselho e faz parte de todas as decisões. Você pode divulgar as cidades onde o Decisão vai abrir lojas ou não, isso é segredo do setor varejista?
É segredo do setor varejista, a gente nunca fala onde está estudando ou para onde está indo. São estratégias do negócios.
Essas próximas três lojas que vocês vão abrir até 2025, talvez até mais, dependendo do ambiente de negócios, elas vão continuar nesse formato de 1.000 m² a 4.000 m²?
A gente tem um planejamento daqui para frente onde o Decisão não pensa em lojas maiores do que esse formato. Já é o nosso negócio. Nas lojas menores a gente trabalha em torno de 4.000 itens a 6.000, 6.500 itens nas lojas maiores.
As vendas digitais já são uma tendência no Decisão Atacarejo e não é de hoje, não é?
A gente começou no e-commerce tem quase nove anos. Eu pesquisei muito, fui a vários eventos. E a gente não tinha atacarejo no Brasil quando a gente começou (loja virtual). A gente apanhou muito para poder aprender, não tinha sistema na época pronto para o atacarejo no Brasil, mesmo a gente trabalhando com sistema de ponta.
Se não tivesse o e-commerce, talvez o resultado do Decisão Atacarejo teria sido diferente?
No início da pandemia, a gente chegou a crescer seis, sete vezes a venda do e-commerce. A gente conseguiu segurar muito nosso faturamento porque a gente atende muito bar, restaurante, e em Belo Horizonte tudo ficou fechado muitos meses. Então a venda digital ajudou muito a atender o consumidor final, a atender a turma das plataformas de alimentação que justamente é um público nosso – doceira, salgadeira. A gente conseguiu atender bem.
Qual é a participação da venda digital no faturamento do Decisão Atacarejo?
Hoje a gente chega aí próximo de 6% a 7%. A gente está crescendo, aumentando o leque de cidades próximas de Belo Horizonte. A própria cidade de Contagem está começando agora. A gente não tem loja em Contagem, mas a gente atende pela loja virtual e pelo televendas.
É bom estar do outro lado, no conselho, ter saído daquela coisa do dia a dia da operação do Decisão Atacarejo?
Foi uma coisa que eu vim me preparando para poder fazer isso. É bom porque quando a gente está ali imerso na operação, no dia a dia – varejo é muito dinâmico e não para – então, muitas vezes, você está ali e a operação te absorve no dia a dia e você para de olhar para a estratégia do negócio, você para de ter aquela visão de fora do negócio.
Pela sua experiência nesses 34 anos no setor supermercadista, quando a empresa é familiar, é melhor que a família vá para o conselho e coloque um gestor para tomar conta e bater as metas do negócio?
Isso tudo depende muito da família, do que a família quer, do que espera do negócio, da preparação dos membros da família para poder estarem atuando. A gente fez todo esse planejamento, eu tenho uma empresa, então, quando fiz 30 anos (no Decisão Atacarejo), a minha opção foi de sair.
Já deu uma contribuição enorme.
Mas com esse papel do conselho, quer dizer, eu não estou no negócio, mas com outra atuação. A questão da família depende. A gente optou por fazer essa profissionalização porque a nossa família toda foi crescendo dentro do negócio, então essa preparação da família é muito importante para a profissionalização. E a gente achou que para a gente – não quer dizer que para todas as famílias – é a melhor forma. Mas a gente achou que seria melhor. Depois que eu resolvi sair da operação, aí, meu pai, depois de mim, resolveu sair também. Então a gente está num segundo ciclo de CEO profissional que vem trazendo todo uma bagagem de outros grandes varejistas. Todos eles que passaram até agora têm esse conhecimento de grandes redes, então isso para gente que é um atacarejo familiar é muito importante.
São cerca de 600 colaboradores. Vai crescer esse número com as lojas novas?
À medida que as lojas vão abrindo, dependendo do formato da loja, são entre 50 a 80 colaboradores para cada loja.
E vocês contratam sempre pessoas da região onde está a loja?
Sim. Faz parte. Eu falo de duas coisas: de a gente estar melhor inserido na comunidade onde a gente está atuando. E questões de custo pois o atacarejo tem uma margem muito apertada, então tem que estar olhando essa questão da proximidade. Outra coisa é que todo mundo quer um pouco mais de conforto então quer estar trabalhando mais perto de casa.
Você tem uma empresa, a Evex. Como foi essa guinada: ensinar gestores de outras empresas a terem um resultado melhor, a olharem mais para governança com lupa porque uma empresa sem resultados, sem um comportamento financeiro saudável não vai a lugar nenhum, está fadada a morrer, não é?
Quando eu fiz essa opção de sair da operação do Decisão Atacarejo e me tornar conselheira, já foi pautado em toda uma carreira que eu fui desenvolvendo. Eu já sabia o que eu queria fazer já estava combinado essa transição com a família também. Então eu enxerguei uma oportunidade muito grande por estar ali no dia a dia lidando com pequenos empresários em grupos. Eu sou uma pessoa de muito networking, de gostar de participar. Então eu falei: gente eu tenho um conhecimento muito bacana para ajudar o pequeno e o médio empresário com essa questão do comportamento. A gente faz treinamento de lideranças comportamentais mas o nosso foco é a mentoria com empresário, porque justamente o pequeno e o médio, muitas vezes, ele não olha para o que é importante para ele poder ter resultado dentro do negócio dele.
Frases de Valéria Bax
“Eu fazia tudo porque a loja começou muito pequena. A gente comprava, a gente vendia, a gente limpava. Não tinha computador na época, era tudo manual. O caixa era fechado todos os dias na caneta.”
“O Decisão Atacarejo tem um programa de fidelização dos clientes para estar mais próximo deles e saber todo o comportamento daquele consumidor que está no dia a dia com a gente. Tem ainda o cartão de crédito que é uma novidade do Decisão que lançamos com a nossa bandeira. Estamos presentes em alguns marketplaces, o que é muito importante.”
“Existe em qualquer mercado, e não é diferente no varejo: a discriminação (da mulher). Por ser mulher e por ser um mercado operacional onde exige força de trabalho, carregar caixa. No nosso negócio o número de mulheres é maior do que o de homens.”
“Sempre escutei do meu pai que os momentos de crise foram os momentos em que a gente mais cresceu porque estamos sempre preocupados com nossos clientes. Quem é empresário tem que focar o negócio, não pode ficar esperando só o que vem de fora, não.”
“No Decisão Atacarejo, tem um investimento necessário (anual) porque precisamos manter as lojas bem. Então tem que ter um investimento em manutenção, em novos equipamentos porque estragam, em tecnologias porque as coisas vão mudando, então o tempo todo estamos investindo. O investimento não para, não,”
Fonte: O Tempo. Foto: Nunna Audiovisual