quinta-feira, 25 de abril de 2024

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Decreto que libera destruição de cavernas pode prejudicar cura de doenças

Por Dentro De Tudo:

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Assinado pelo presidente Jair Bolsonaro na semana passada, o Decreto Federal 10.935/2022 remove as restrições para construções em todas as cavernas de máxima relevância no país. Segundo a Sociedade Brasileira de Espeleologia, Minas Gerais possui 10.579 que ficarão com menos proteção ambiental. Entre Lagoa Santa e Pedro Leopoldo, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, fica o complexo de Lapa Vermelha, considerado berço dos estudos em cavernas pelo dinamarquês Peter Lund, está localizado um complexo de 52 cavernas calcárias e cerca de 170 sítios arqueológicos dentro do Parque Estadual do Sumidouro. 

Além do potencial arqueológico e de turismo, o coordenador do Centro de Estudos em Biologia Subterrânea da Universidade Federal de Lavras (UFLA), Rodrigo Lopes Ferreira, aponta os potenciais biotecnológicos do local e a possível extinção de espécies ainda pouco estudadas, provocando consequência ambientais e medicinais irreversíveis. Segundo , a Lapa Vermelha tem lençóis freáticos que possibilitam que na caverna tenha diversas espécies de animais que se adaptaram para viver dentro de cavernas e que só são encontrados ali. O professor aponta que existem tipos de crustáceos, como tatus-bolinhas, e uma espécie nova de aracnídeo que está sendo estudada e é só encontrada nessa caverna. “Muitos desses animais podem produzir medicamentos e até cura de doenças”.

Ele destaca um estudo recente da UFLA, realizado em parceria com o Departamento de Microbiologia. Na pesquisa, foi encontrado um fungo em uma caverna que tem produzido substâncias anticarcinogênicas, capazes de matar células cancerígenas. “Existe um potencial biotecnológico gigantesco em cavernas, úteis para a saúde humana”.

“Não conheço um retrocesso maior na legislação espeleológica brasileira quanto esse, essa possibilidade de destruição de caverna de máxima relevância é danoso ao país. O que o governo está fazendo nesse momento é permitir a extinção de espécies. Por mais que esteja redigido no decreto que não possa ser destruída uma caverna que leve uma espécie em extinção, a partir do momento que ele permite a supressão de uma caverna de máxima relevância, que tem uma espécie que vive em ambiente subterrâneo, isso já está condenando uma espécie a extinção”.

Mais prejuízos 

Com a justificativa de gerar emprego e renda, o decreto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro autoriza a construção de empreendimentos considerados de utilidade pública, como por exemplo, rodovias, ferrovias, mineradoras e empresas, em áreas de cavernas. Para o biólogo, esse progresso não se sustenta porque os malefícios e as perdas podem ser incalculáveis. “Imagina as cavernas de Pedro Leopoldo e região em um cenários em que os morcegos que habitam as cavernas, que prestam um serviço ecossistêmicos excepcionais. As pessoas têm medo deles, mas eles trazem diversos benefícios à população. Imagina perder isso”. Ferreira afirma que já tem estudos consolidados que mostram que quando uma população de morcegos desaparece, os prejuízos para as lavouras e o agronegócio são gigantescos por não haver predadores dos insetos, principalmente, os de praga agrícola. “Eles são potenciais polinizadores, um importante serviço ecossistêmico. Em médio a logo prazo poderá ter muitos prejuízos nas lavouras e o produtor utilizará agrotóxicos para extinguir os insetos e as pragas agrícolas e em enfeito cadeia intoxicar a população, além de encarecer a produção”.

Outra questão bastante atual, apontada pelo biólogo, é o surgimento de novas doenças, surtos epidêmicos e pandêmicos. O especialista da UFV aponta como exemplo, o surgimento do SARS-CoV-2, vírus da COVID-19, que tem como principal teoria de surgimento da doença nos morcegos.

“Imagina as cavernas sendo destruídas em uma velocidade muito maior que hoje, que é o que esse decreto permite. Os morcegos vão para as cidades em busca de abrigos e causar diversas novas doenças”, alerta. 

Sociedade Brasileira de Espeleologia desaprova 

De acordo com o presidente da Sociedade Brasileira de Espeleologia (SBE), José Roberto Cassimiro, a SBE está articulando várias frentes de ações para derrubar este decreto. “Em breve, será apresentado um Projeto de Decreto Legislativo para sustar o Decreto 10.935/2022. “Faremos uma representação junto ao Ministério Público Federal e estamos articulando uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN). Estamos desenvolvendo uma frente ampla de comunicação, para que a sociedade saiba o mal que este decreto pode causar para nosso país”.  A Sociedade Brasileira de Espeleologia (SBE) publicou uma nota pública manifestando a desaprovação ao novo decreto que revoga o que estava em vigência desde 1990 e considera inconstitucional as regras assinadas pelo presidente Jair Bolsonaro.

Na nota, a SBE reforça que não foi convidada para contribuir ou para integrar grupos de discussão acerca das mudanças na legislação espeleológica brasileira e afirma que as novas regras foram produzidas a portas fechadas, sem diálogo com a comunidade espeleológica. O texto aponta que existe a interferência direta dos Ministérios de Estado de Minas e Energia e de Infraestrutura em uma matéria que é de interesse ambiental.   

Assinada pelo presidente da Sociedade Brasileira de Espeleologia, José Roberto Cassimiro, a nota afirma que a interferência do Ministério visa à facilitação de licenciamento de obras e atividades potencialmente lesivas ao patrimônio espeleológico nacional e que, geralmente, estão associadas a atividades de alto impacto social. A Sociedade Brasileira de Espeleologia aponta quatro pontos questionáveis no decreto presidencial. 

1-  Permite que o órgão ambiental licenciador autorize a destruição total ou parcial de cavernas de máxima relevância por atividades ou empreendimentos considerados “de utilidade pública”; 

2 – Excluí atributos que classificam uma cavidade subterrânea como de máxima relevância; 

3 – Possibilita que o empreendedor compense o impacto sobre uma cavidade subterrânea com a preservação de uma cavidade testemunho qualquer, sem ter o conhecimento sobre a real relevância desta caverna que está sendo preservada; 

4 – Deixa aberta a possibilidade do Ministro de Estado de Minas e Energia e do Ministro de Estado de Infraestrutura realizar modificações em atributos ambientais similares da classificação de relevância e definir outras formas de compensação através de atos normativos.

No fim da nota, o presidente pede que o governo federal ouça a comunidade espeleológica, pesquisadores, pesquisadoras e as diversas instituições científicas que desenvolvem estudos nas cavernas brasileiras e que realmente podem contribuir para uma legislação espeleológica que, verdadeiramente, concilie o uso dos recursos que são essenciais para a nossa sociedade com a proteção deste patrimônio natural.

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