Crianças dormem profundamente nos arredores de uma estação de trem. No chão, dezenas de pipetas vazias. Uma das crianças acorda de súbito, agitada. Parece que não sabe o que aconteceu. Lambe o fundo de uma pipeta no chão. Sai e volta com uma nova dose. Na mesma posição que inala a droga da pipeta, apaga e fica. Ali, numa estação de trem na Zona Leste, chamam de K9. A presença das drogas K – conhecidas como K2, K4, K9 e spice – não é mais uma cena restrita ao Centro de São Paulo.
As chamadas drogas K surgiram em laboratórios no início dos anos 2000, têm como base os canabinoides sintéticos, mas o termo maconha sintética é errado. A explicação é complexa, mas em suma quer dizer que o canabinoide feito em laboratório se liga ao mesmo receptor do cérebro que a maconha comum, mas em uma potência até 100 vezes maior. O governo de São Paulo diz que os efeitos da droga podem ser piores do que o crack.
“É absolutamente estarrecedor. A realidade é que uma tempestade de drogas sintéticas se aproxima”, descreve o promotor Tiago Dutra Fonseca que integra o Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado do Ministério Público de SP.
O promotor mergulha em estudos e obras sobre o tema. Destaca uma, ainda sem tradução: “La fiesta se acabó: Por qué siempre perderemos la guerra contra las drogas sintéticas”. E usa argumentos que corroboram as poucas estatísticas que existem sobre o tema. O promotor teme que em pouco tempo o sistema público de saúde seja sobrecarregado por vítimas e dependentes de drogas sintéticas.
A Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo informou que, até o momento, em 2023, foram registradas 216 notificações de casos suspeitos de intoxicação exógena por canabinoides sintéticos, o nome técnico das drogas K, mais do que o dobro registrado em 2022 _ 98 notificações. Os números de notificações são tanto da rede pública, quanto da rede privada.
Diante desse aumento expressivo, a Secretaria publicou no Diário Oficial (DO), na semana passada, uma nota técnica para assistência a crianças e adolescentes por intoxicações por canabinoides sintéticos.
A Secretaria destacou o Centro de Controle de Intoxicações de São Paulo (CCI-SP), instalado no Hospital Municipal (HM) Arthur Ribeiro de Saboya, para atender os usuários de drogas K. O CCI dispõe de um serviço à população e profissionais da saúde que fornece informações toxicológicas para o diagnóstico, tratamento e prognóstico de intoxicações, sobre a toxicidade de produtos químicos e a prevenção dos agravos à saúde causados por substâncias químicas.
Uma das dificuldades enfrentadas atualmente é a falta de dados sobre vítimas de drogas K. Os que circulam sem fontes oficiais não devem ser considerados e mesmo os oficiais ainda são imprecisos. Também não há um método que identifica a causa mortis de alguém pelo uso dessas drogas. A Polícia Científica está ciente e disse que vem desenvolvendo novos métodos que acompanhem a nova realidade.
Pessoas simplesmente somem
Ao g1, um guarda da região central contou que pais de vítimas mortas após usar o K4 acreditam que filhos morreram por causa do crack. Tese corroborada pela ONG que atua ao lado das crianças e adolescentes no Centro.
“A gente só sabe quando as famílias entram em contato ou a notícia corre entre as próprias crianças que a gente atende”, disse Vania Coutinho, coordenadora do Gente de Perto, projeto que faz parte da ONG ABBA e atua nas regiões do Centro – Praça da Sé, Pateo do Collegio, Liberdade, Avenida Paulista e arredores. “Essas crianças são invisíveis a vida inteira e depois da morte também”. Ela prefere não divulgar o número de jovens que simplesmente some.
A Secretaria da Saúde do Estado de SP respondeu que drogas sintéticas podem causar uma série de efeitos colaterais graves:
- paranoia
- ansiedade
- alucinações
- convulsões
- insuficiência renal
- arritmias cardíacas
- até a morte
“O novo Hub está apto a cuidar destes casos, em que os efeitos colaterais são distintos e, em algumas situações, piores do que os causados pelo crack”, diz a secretaria.
Fonte: Globo.