“Maurício, sua casa está enchendo d’água, pede ao seu patrão para te liberar”. O apelo do irmão fez o vigia Maurício dos Santos, de 51 anos, retornar às pressas para sua casa na Rua Beira Rio, no Bairro Roça Grande, em Sabará. A única parte que conseguiu enxergar, porém, foi o teto.
Na sexta-feira (7/1), o Rio das Velhas transbordou, subiu oito metros e levou o que estava às suas margens. Inclusive tudo que Maurício reuniu desde a última enchente, há dois anos. “Estou de uniforme desde sábado. Não tenho roupa, está tudo preso lá. Perdi tudo”.
A poucos metros do barracão do vigia, no mesmo lote que abriga nove casas da família dele, Nélice da Conceição, de 57, tia de Maurício, foi surpreendida por uma forte correnteza, que invadiu sua moradia. Uma tristeza que também se repetiu desde 2020.
Desta vez, Nélice não suportou a dor de ver tudo que tinha ser arrastado pelo Rio das Velhas e sofreu um acidente vascular cerebral (AVC). Socorrida a tempo, está internada desde a semana passada, sem reconhecer ninguém. “O médico disse que ela teve um AVC emocional”, comenta Michelle Siqueira da Silva, de 24, sobrinha de Nélice e também moradora do mesmo terreno em Sabará.
A jovem relembra o desespero de tentar fugir da força das águas, enquanto ajudava a irmã, Jéssica, que sofre de transtorno mental. “Todas as casas estão totalmente destruídas. A minha, que é no segundo andar, foi atingida. A água chegou próximo a minha janela. Até as portas estão retorcidas com a pressão da água”, lamenta.
As águas do Rio das Velhas deram uma trégua à família de Maurício e moradores de Sabará somente após quatro dias de muita chuva – a mais forte dos últimos 30 anos na Grande BH, segundo o Climatempo.
Na terça-feira (11/1), Michelle voltou com a reportagem do Estado de Minas ao lote da família. No local, destruição por todos os lados. Marcas de barro nas paredes mostravam que a água chegou ao telhado. Do lado de fora de um dos barracões, um vaso sanitário foi arrancado pela enxurrada e estava sobre a lama do quintal. O Velhas levou do interior das casas todos os móveis e eletrodomésticos e deixou apenas muita sujeira, paredes e o telhado.
“É desesperador você perder tudo, reconstruir e perder tudo de novo. A gente fica sem condições de descrever o sentimento, de tanta dor”, desabafa Michele, relembrando os prejuízos com a enchente de dois anos atrás. “Tivemos que reconstruir, reforçar a estrutura que ficou abalada. Com o decorrer do tempo, a gente acabou de comprar tudo. Aí, a tragédia se repete.”
Segundo a Prefeitura de Sabará, cerca de 350 famílias foram afetadas pela inundação em todo o município este ano, totalizando cerca de 1.050 moradores. A cidade é cortada por dois rios, o Sabará e o das Velhas. Ambos transbordaram. Os bairros mais afetados foram Paciência, Praia dos Bandeirantes, Centro e Santo Antônio de Roça Grande.
Levantamento inicial da Defesa Civil de Sabará aponta que, entre 7 e 10 de janeiro, cerca de 70 famílias ficaram desalojadas, se abrigando nas casas de vizinhos, amigos ou parentes. Outros 100 moradores estão abrigados em 11 pontos do município e locais parceiros, como escolas, salões comunitários e igrejas.
Na Igreja do Evangelho Quadrangular, do Bairro Roça Grande, Michelle, a irmã dela e o irmão Maurício estão abrigados com outras 60 pessoas. Em 2020, o templo, que fica na parte alta do município e é ministrado pela pastora Patrícia Renata Lages Seabra, de 48, também foi abrigo para as mesmas vítimas.
A igreja de dois andares foi provisoriamente readaptada. No primeiro pavimento, a sala na qual funcionava um espaço de informática, se transformou em depósito de alimentos, que chegam a todo o momento, e são separados em cestas por uma equipe de voluntários da comunidade.
O cômodo no lado oposto virou espaço para receber e separar as doações. Ao centro do templo, uma sala foi transformada em dormitório, com colchões espalhados por todos os lados. Quem não conseguiu espaço no salão de baixo, acomodou-se pelos corredores entre os bancos usados pelos fiéis dentro do salão de culto, que fica no último andar. “Agora, não tem divisão por religião. É todo mundo unido para ajudar quem está precisando”, afirma Patrícia ao receber um pastor da Igreja Batista que trazia cestas básicas.
O acolhimento recebido na igreja e a solidariedade das pessoas com doações são o que abrandam um pouco o sofrimento de Michelle. Mas ela sabe que a solução do problema da sua e de tantas outras famílias que vivem às margens do perigo das enchentes pode não chegar a tempo de evitar tragédias.
“É preciso ter esperança, mas se a gente focar na realidade, não tem como ter. Não temos condições de mudar de lá; ninguém da minha família. É impossível comprar um outro lugar, mesmo porque é impossível vender um terreno que inunda”, desabafa.
Segundo a prefeitura, o principal pedido dos moradores afetados pelas chuvas em Sabará tem sido a doação de materiais de limpeza e de alimentos não perecíveis. A cidade tem 11 pontos de coleta.
Saiba como doar para famílias de Sabará:
E.E. Zoroastro Viana Passos, Praça Melo Viana, 37 – CentroCRAS General Carneiro, Rua Heliodora, 256 – (31) 3672-9046E.M. Maria Costa Pinto, Rua Itajubá, 535 – General CarneiroParóquia São Sebastião, Rua Holanda, s/nº, General CarneiroCRAS Roça Grande, Rua Catita, 88 – (31) 3674-5496Igreja Quadrangular de Roça Grande, Rua Catita, 183Roça Grande, Rua Beira Linha, nº, 337Salão da Comunidade São José, Rua Santos Dumont, 588Salão Comunidade Cristo Luz, Rua Alemanha, Nações UnidasCasa Azul, Rua Mariana, 3001, Nações Unidas APAE, Av. Exp. Romeu Jerônimo Dantas, 500 – (31) 3679-3600Paciência, Primeira Igreja Batista, Av. Albert Scharle, 2500Regionais e CRAS da Prefeitura