A secretaria municipal de Educação de Contagem, na região metropolitana, orientou dirigentes escolares e pedagogos da rede pública que evitem reprovar estudantes neste fim de ano. A pasta alega que as orientações estão de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), regulamentada pelo Ministério da Educação.
O ofício foi assinado no dia 22 de novembro e diz que o objetivo é manter uma educação de qualidade para todos os alunos, “norteado pela igualdade, equidade e inclusão”. O documento também cita os desafios do ensino pós-pandemia como justificativa para a medida.
“(…) a partir de marcos legal e pedagógico e observando os aspectos anteriormente relacionados, às especificidades do período pós-pandemia no processo de ensino e aprendizagem, os processos avaliativos, com ênfase na avaliação de contexto e nos registros realizados pelas unidades de ensino, orientamos que as reprovações sejam evitadas no ano letivo de 2023”, diz trecho do documento ao qual a Itatiaia teve acesso.
O ofício ainda menciona que os alunos que tiverem número elevado de faltas sejam registrados no diário escolar como “evasão” e que os estudantes infrequentes ou que abandonaram e retornaram ainda no ano letivo em vigor devem ser classificados pelos dirigentes escolares como “infrequentes” e, dessa forma, serem aprovados neste ano.
“A Reclassificação por infrequência, é a possibilidade de propiciar ao(à) estudante com mais de 25% (vinte e cinco por cento) de faltas no ano letivo, o prosseguimento dos seus estudos no ano/ciclo posterior”, diz o documento oficial.
Mãe pediu a escola para que filho fosse reprovado
A balconista Sabrina Neves tem dois filhos em idade escolar e não esconde a preocupação em relação à educação deles. Em entrevista à Itatiaia, Sabrina afirma que chegou a pedir à instituição a qual os filhos estão matriculados que reprovasse um deles após acompanhar que ele não obteve a frequência mínima ou mesmo as notas necessárias para aprovação para o ano seguinte.
“Me informaram que não podiam porque a secretaria não permitia que eles fossem reprovados”, afirma.
Sabrina ainda destaca, que trocou o filho de instituição para tentar contornar o problema, o que não adiantou.
“Já na outra escola, ele não alcançou as notas e, mais uma vez, veio a recuperação. Fui perguntar se no 4º ano havia reprovação e mais uma vez me disseram que não. Estão simplesmente passando os alunos sem saberem absolutamente nada”, desabafa.
Professores da rede municipal de Contagem, que preferiram não ser identificados, entraram em contato com a reportagem da Itatiaia e afirmaram que essa prática é antiga. Segundo uma das professoras que denuncia o caso, a orientação dos dirigentes está vinculada à pontuação das escolas, uma vez que a taxa de reprovação impacta na nota da escola e, consequentemente, na captação de recursos dessas instituições.
Reprovar ou não reprovar?
A coordenadora-geral do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE) em Contagem, Patrícia Pereira, que também é professora, diz que a prática de não recomendar a reprovação ao fim do ano letivo é comum. Ela concorda com a avaliação da Prefeitura de Contagem, que desestimula a reprovação de alunos, e diz que a orientação de não reprovar não tem relação com a qualidade do ensino.
“Não há nenhum estudo acadêmico ou científico que corrobore essa tese. Não há nenhuma orientação educacional, quer seja para as escolas públicas, quer seja para as escolas privadas, que oriente a reprovação como indicativo de melhoria dos níveis de aprendizagem educacional”, menciona.
Para a especialista em educação e ex-diretora Global de Educação do Banco Mundial, Cláudia Costin, o Brasil tem um dos maiores índices de repetência do mundo e a não reprovação não é um problema em si, mas deveria ser parte de uma política pública.
“Não está errado o município de Contagem em orientar os professores para que evitem repetência. Mas isso não se faz por meio de um ofício, mas de uma orientação educacional que observe o quanto os alunos estão aprendendo, onde não estão aprendendo e montar bons sistemas de recondução das aprendizagens eventualmente perdidas para que, de fato não ocorra a repetência”, explica.
O que diz a Prefeitura de Contagem?
Em nota, a secretaria municipal de Educação de Contagem confirma o teor do ofício e que ele está ancorado na Lei de Diretrizes e Bases do MEC. “O documento orienta as escolas da rede municipal de educação sobre as ações referentes à situação dos estudantes no término do ano para que os mesmos continuem sua trajetória escolar sem interrupções”.
Confira a nota, na íntegra:
A Secretaria de Educação informa que o Ofício Circular n° 197/2023 de 22 de novembro de 2023 norteia o encerramento do ano letivo de 2023. O documento orienta as escolas da rede municipal de educação sobre as ações referentes à situação dos estudantes no término do ano para que os mesmos continuem sua trajetória escolar sem interrupções.
A primeira regra refere-se aos estudantes com 51 ou mais faltas consecutivas, podendo retornar no ano seguinte para a continuidade dos estudos. A segunda refere-se aos estudantes infrequentes, isto é, os que abandonaram e retornaram a escola, mas que ainda assim, desenvolveram competências e habilidades para sua continuidade nos estudos. Uma terceira situação refere-se aos estudantes que apresentem desempenho abaixo da média (60%), para quem devem ser oportunizadas atividades pedagógicas (sequências didáticas, projetos, estudos dirigidos, avaliações, exames finais) que devem ser avaliados pelo corpo docente, sob a avaliação pedagógica para que o estudante seja aprovado ou não. Toda essa orientação baseia-se na Lei n° 9394/1996 (LDB) conforme descrito no Art. 24º.
Fonte: Itatiaia.