Antes de morrer vítima de um câncer, a empresária e chef de cozinha Juliana Carvalho Lopes deixou uma carta a ser lida na própria cerimônia de despedida, organizada por ela mesma. No relato deixado aos familiares e aos amigos, Juliana pede que a vida dela seja celebrada e lembra que “é possível, sim, ser feliz com câncer”.
A empresária morreu no dia 4 de março, mas em fevereiro já começou a organizar sua própria despedida, uma grande festa para 150 pessoas. Depois de passar por oito cirurgias para combater um câncer no intestino, ela já apresentava um quadro de saúde irreversível.
A carta foi compartilhada pelo marido de Juliana, Márcio Antunes, ao g1. Três dias antes de morrer, ela também publicou nas redes sociais um relato dedicado aos amigos e aos familiares.
Conforto
Márcio conta que a esposa, que tinha 45 anos, sempre encarou a doença com tranquilidade, sem nunca se lamentar da condição. Na segunda-feira de Carnaval, em fevereiro, ela passou a organizar o evento enquanto enfrentava o que seriam seus últimos dias de cuidados paliativos.
“Ela só chorou uma vez, no dia que recebeu o diagnóstico. No dia seguinte, ela falou pra mim: ‘não choro mais. Se eu tenho pouco para viver, eu não vou ficar morrendo todo dia. Eu vou me ocupar de viver’. Eu sempre soube que ela era forte, mas parece que enfrentar o câncer transformou ela em uma coisa muito maior. Tudo que ela tinha de potencialidade foi amplificado”. afirma.
Para ele, Juliana foi altruísta ao se preocupar em confortar os amigos e os familiares que ficaram. “Ao mesmo tempo que a gente estava triste, a gente se sentiu reconfortado. Ao menos amenizou o sofrimento de saber que ela foi tranquila, foi em paz, e que ainda, naquela situação que ela estava vivendo, ela se preocupou em nos apoiar”, completa.
Juliana e Márcio se conheceram aos 14 e 16 anos, respectivamente, e tiveram dois filhos. O marido conta que a carta deixada pela empresária foi uma surpresa para ele. O documento foi enviado por e-mail para as irmãs dela, dias antes da morte, pedindo que ele só fosse lido depois da partida dela.
Carta de despedida
Na carta, Juliana conta que teve o privilégio de se preparar para a própria despedida, que é honesta e cheia de gratidão. A empresária e chef relata os sentimentos que enfrentou ao passar pelo tratamento contra o câncer e lembra da importância do apoio da família e dos amigos durante os anos.
“Fui sustentada pela força, o afeto, a parceria e o amor de vocês, cada um à sua maneira. E passei a tentar compreender os sentimentos e emoções das pessoas que me cercam, me atrevendo a entender e experimentar, da forma objetiva, racional, mas também, empática, o que sente o outro”, escreveu.
Ela pede que o câncer, outras doenças graves e a própria morte sejam desmistificados, reforçando que passou os últimos anos de vida com dignidade e alegria. “E como eu sempre repetia – com todo respeito a dor e a maneira que cada um tem de lidar com seus perrengues – é possível, sim, ser feliz com câncer. Eu fui”.
Juliana Carvalho Lopes reconhece, na carta, que vai deixar saudades, mas pede que os entes queridos se apeguem às lembranças construídas ao longo da vida dela.
“Li, certa vez, que ‘o luto é o preço do amor’. Eu, só posso agradecer o tanto de amor que vocês me dedicaram. E desejar que vocês, meus amados e amadas, vivam esse luto, do jeito mais leve e alegre que vocês puderem, assim como eu levei a vida”, diz trecho.
Por fim, a empresária também pede que, em homenagem a ela, os amigos e familiares honrem as próprias vidas, além de “tomar um chope” e ouvir um samba depois da festa de despedida. “Eu deixo chorarem a minha partida, faz parte. Mas, acima de tudo, celebrem a minha vida. Estou em paz. Fiquem também”, finaliza a carta.
Íntegra da carta
“A minha hora chegou. E tá tudo bem, gente. Tive a oportunidade e o privilégio de me preparar pra ela. Me redescobrir e receber o melhor das pessoas. Essa é uma despedida honesta e, absolutamente, grata. A despedida de uma vida linda, cheia de sentido, de amor e das pessoas mais especiais que eu poderia ter tido o privilégio de conviver. Minha família, minhas amigas e amigos e tanta gente, que apesar da pouca intimidade, se fez tão presente, com gestos, palavras, orações, força.
Durante o tratamento, passei por muitas fases aqui dentro de mim. E, felizmente, encontrei as minhas próprias ferramentas psíquicas para lidar com o câncer e com as pessoas da minha vida. E fui sustentada pela força, o afeto, a parceria e o amor de vocês, cada um à sua maneira. E passei a tentar compreender os sentimentos e emoções das pessoas que me cercam, me atrevendo a entender e experimentar, da forma objetiva, racional, mas também, empática, o que sente o outro. Pra mim, funcionou, espero que pra vocês também. Uma certeza, morri cheia de gratidão no coração e cercada das melhores pessoas.
Aliás, se eu puder deixar um pedido, desmistifiquem o câncer ou outra doença grave. Desmistifiquem a morte, afinal, ela é o maior clichê da nossa vida. Meu objetivo, desde o meu diagnóstico foi desmistificar a doença, o processo e o fim da vida. Acho que funcionou, vocês entenderam e eu vivi os últimos anos com dignidade e alegria apesar do câncer. E como eu sempre repetia – com todo respeito a dor e a maneira que cada um tem de lidar com seus perrengues – é possível, sim, ser feliz com câncer. Eu fui.
Um recadinho para quem me acompanhou no trecho: Sei humildemente que sentirão saudades da minha presença, das minhas patifarias, da nossa convivência, eu já estou… Mas, espero que se apeguem as nossas pequenas lembranças, nossos momentos de alegria e risadas, nossas trocas. Construam nossas memórias. Espero ter deixado material pra isso. Para carregarem um pouquinho de mim em cada um de vocês (só a parte boa!), mas com alegria, sem drama. Vocês sabem que drama nunca foi meu forte.
Li, certa vez, que “o luto é o preço do amor”. Eu, só posso agradecer o tanto de amor que vocês me dedicaram. E desejar que vocês, meus amados e amadas, vivam esse luto, do jeito mais leve e alegre que vocês puderem, assim como eu levei a vida.
Sabe qual é a maior homenagem que vocês podem fazer a mim? É honrar as suas próprias vidas, com honestidade nas relações, alegria, integridade, empatia, amor e muita diversão, claro! Aliás, depois da minha despedida, se juntem e vão tomar um chopp, ouvindo um samba e falando bem de mim. O da minha mãe é escuro.
Eu deixo chorarem a minha partida, faz parte. Mas, acima de tudo, celebrem a minha vida. Estou em paz. Fiquem também”.
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