A eutanásia como estratégia de combate à leishmaniose visceral canina foi condenada pelos participantes da reunião realizada nesta quarta-feira (1º) pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Eles foram unânimes nas críticas ao abate dos animais contaminados e apontaram diversas alternativas para evitar esse procedimento.
A leishmaniose visceral é causada pelo protozoário Leishmania infantum chagasi, que é transmitido pela picada do mosquito-palha. A doença pode acometer também os humanos, que podem desenvolver aumento do fígado, fraqueza, anemia e febre. De acordo com o Ministério da Saúde, entre 2010 e 2018 foram registrados 30.666 casos no Brasil. A doença tem cura, mas, do total de pessoas infectadas, 7,5% morreram.
Nos cães, a leishmaniose não tem cura. Os animais infectados têm uma sobrevida estimada em cinco anos, e o tratamento exige acompanhamento constante por médicos veterinários. Para evitar o contágio da população humana e o crescimento da doença, a prática mais recorrente no País tem sido o sacrifício dos animais contaminados.
Segundo o veterinário Vitor Márcio Ribeiro, que integra o Brasileish – Grupo de Estudos sobre Leishmaniose Animal, a Organização Mundial de Saúde preconiza a eutanásia apenas para casos graves da doença e para os cães vadios ou selvagens. De acordo com ele, diversos estudos científicos já comprovaram que o abate dos animais não resulta em controle eficiente da doença.
“Se eliminarmos o cão, a leishmaniose não vai acabar; o protozoário vai se adaptar a outra espécie e a doença vai continuar existindo”, afirmou, referindo-se a pesquisas científicas que já identificaram a doença em gatos, cavalos e lebres.
Na avaliação de Ribeiro, para evitar a propagação da leishmaniose, seria mais eficaz adotar um conjunto de medidas como vacinação, tratamento dos cachorros doentes e utilização de coleiras com repelentes do mosquito-palha. A eliminação de lixo acumulado, para evitar a proliferação do mosquito, é outra providência de combate à doença.
Ele citou o exemplo de Santos (SP), onde a prefeitura distribui coleiras repelentes a animais infectados e também para os sadios que vivem em um raio de até 100 metros de distância dos cachorros doentes. “Na Itália, animais infectados são recolhidos a canis, encoleirados e tratados”, informou.
A ineficácia da eutanásia também foi corroborada pelo presidente do Conselho Regional de Medicina Veterinária, Bruno Divino Rocha. Ele ressaltou o paradigma da saúde única, que beneficiaria tanto os seres humanos quanto os bichos. “Esse conceito leva em consideração o sentimento das pessoas pelos animais. Os serviços de saúde precisam acompanhar essa evolução da sociedade”, defendeu.
A promotora Luciana Imaculada de Paula lembrou que o poder público geralmente não se responsabiliza pelo tratamento dos cachorros doentes e muitas pessoas não têm condições financeiras de arcar com os custos de remédios e coleiras repelentes. Por isso, ela defendeu e elaboração de políticas públicas inclusivas e humanitárias para o controle da leishmaniose.
Deputado defende tratamento
O presidente da Comissão de Meio Ambiente, deputado Noraldino Júnior (PSC), que solicitou a realização da audiência, defendeu que os médicos veterinários tenham a prerrogativa de prescrever o tratamento contra a leishmaniose, ainda que essa decisão seja contrária às autoridades que fazem o controle de zoonoses.
Ele também é favorável à castração dos animais como estratégia para conter a propagação da doença. Para financiar programas de esterilização animal, ele propôs o Projeto de Lei (PL) 2.084/20, que aguarda parecer de 1º turno da Comissão de Meio Ambiente.
Quanto à eutanásia, o parlamentar foi categórico ao condenar a prática e reforçou a importância das outras medidas que podem ser adotadas para o controle da leishmaniose. “Essas ações são difíceis, mas precisam ser enfrentadas. No Brasil, existem pouquíssimos trabalhos de prevenção da leishmaniose com suporte técnico baseado em estudos científicos”, completou.
Ao final da audiência pública, o deputado disse que será produzida uma nota técnica para ser distribuída a vereadores e prefeitos. O objetivo é levar informações técnicas sobre prevenção, enfrentamento e tratamento da leishmaniose.
Denúncia de eutanásia indiscriminada em Sete Lagoas
A ativista Sara Sany Silva e Pinto, de Sete Lagoas (Região Central), denunciou que a prefeitura tem realizado eutanásia de forma indiscriminada e pressionado famílias pobres a entregarem o animal para o sacrifício ou fazerem o tratamento com Milteforan, sob pena de pagarem multas diárias de R$ 100,00.
Segundo ela, a coação foi realizada em reunião com tutores de animais no Ministério Público, junto com a coordenação do Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) do município.
De acordo com a ativista, a maioria das pessoas não tem condições financeiras de fazer o tratamento estipulado. Ela relatou o caso de uma mulher que disse que não tinha alternativa, a não ser entregar os cães, e outra que lamentou não ter qualquer bem para vender e garantir o tratamento.
O deputado Noraldino Júnior disse ter conhecimento dos fatos e afirmou que vai se encontrar com o prefeito Duílio de Castro Faria (Patriotas).