“É desumano o que estão fazendo com os detentos e familiares”. Desde que a pandemia de Covid-19 iniciou, os parentes de pessoas em privação de liberdade ficaram impossibilitados de visitar os entes devido ao risco de contaminação. Com a melhora dos indicadores, houve a retomada das visitações, no entanto, sem ser como antes. É justamente isso que tem provocado a revolta, visto que a “vida voltou ao normal em tudo”.
Atualmente, as visitas presenciais são permitidas apenas uma vez ao mês e com a possibilidade também de acontecer de forma remota. Isso é o que consta em uma resolução assinada pelo secretário de Estado de Justiça e Segurança Pública de Minas Gerais, Rogério Greco, publicada em 12 de maio de 2022. O documento determina que a visita dure por três horas. “Somente será permitida a entrada de dois visitantes, se um deles for criança ou adolescente com esquema vacinal completo contra Covid-19”, diz um dos trechos.
“A redução de horário para visita é muito ruim. Tem vez que chegamos lá (à unidade prisional) e demoramos a entrar para ver o nosso familiar. Tem que voltar a ser quinzenalmente”, comenta uma mulher em anonimato. A presidente da Associação de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade, Miriam Estefânia dos Santos, reforça o coro contra a medida para visitação.
“A reivindicação é que a pandemia, segundo os governantes, acabou. Tudo voltou ao normal: bares, cinemas, casas de show, estádios e somente as visitas que não (voltaram). O familiar nem sequer tem a certeza que ficou por três horas com o ente, pois não tem um relógio para marcar o tempo”, diz.
O longo período sem ver os familiares em privação de liberdade faz a saudade aumentar, ainda mais nos mais novos. “Minha filha tem 10 anos e não vê o pai há dois anos. Ela pergunta sempre por ele. Só que encontro dificuldade para levá-la por conta das exigências determinadas pelo governo”, explica
A resolução permite a entrada apenas de “uma mamadeira ou duas frutas para alimentação do visitante menor de idade, bem como de uma garrafa plástica transparente de água de no máximo 1,5 L”. “Quando vou para o presídio, tenho que sair cedo de casa. Como vou ficar o tempo da visita sem alimentar minha filha?”, questiona outra mulher, que também optou pelo anonimato.
Sem alimento
Se não bastasse o pouco tempo de visita presencial uma vez ao mês, as famílias também estão impedidas de levar alimentação para os detentos. “Não podemos levar nada. Antes da pandemia, eu levava carne, macarrão, salpicão, uma alimentação diferenciada, agora nada mais. O que levávamos era para completar as refeições”, comenta a parceira de um detento.
As pessoas entrevistadas contaram que os presos reclamam constantemente da má qualidade dos alimentos fornecidos. Isso seria uma das motivações para um ônibus da linha 739 (Frei Leopoldo/Jaqueline) ter sido incendiado por criminososno bairro Jaqueline, na região Norte de BH, na última sexta-feira (27). Uma carta foi deixada e, nela, além de cobrar melhoria na alimentação dos presídios, era exigidas melhorias nas unidades prisionais e a liberação de visitação.
“Quando tinha visita quinzenal, as famílias levavam comidas. Na maioria das vezes, eles recebem comidas estragadas e até mesmo com larvas. Já soubemos de casos em que veio até com varejeira”, conta a presidente da Associação de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade.
“O meu namorado me pede para levar alimentos toda vez que vou visitá-lo, mas sou impedida de fazer isso. É muito ruim todas estas limitações que nos são impostas”, afirma outra entrevistada.
Procurada pela reportagem, a Sejusp-MG disse que a entrega dos alimentos, de forma presencial, está mantida, “conforme o cronograma de cada unidade”. “Durante a pandemia, para prevenir o contágio de Covid, a disponibilização de pertences, entregues por familiares, foi autorizada por Correios”, disse em nota.
“Só nos permitem entregar o kit uma vez por mês, e os únicos itens de alimentação são biscoito e suco. Os demais são itens de higiene pessoal e outros utensílios”, comenta uma mulher ouvida por O TEMPO. Entre os itens permitidos estão: barbeadores, xampu, maço de cigarro, livro e caneta dentre outros.
Reclamações constantes
A restrição de visitas presenciais e a entrega de alimentos são apontadas por Miriam como “torturas”. “Durante a pandemia, quando as famílias não visitavam os detentos, ficamos sabendo de episódios de torturas, já que a vítima não tinha a quem contar. Agentes pegavam chinelos e batiam no rosto, muitos presos não saem para o banho de sol. Isso é tortura psicológica e física”, define.
A representante da associação conta ainda que muitas famílias ficaram assustadas quando viram os detentos após a volta das visitas presenciais. “Muitas pessoas saíram chorando e passando mal. Muitos relatos de que o filho estava pele e osso, debilitado, justamente pela falta de alimentação. A pandemia veio para sacramentar a difícil situação vivida pelos detentos”, completa.
Melhorias são discutidas
Uma série de encontros está acontecendo com o objetivo de melhorar a visita dos familiares aos indivíduos em privação de liberdade, segundo Maicom Vilaça, presidente da Comissão de Assuntos Penitenciários da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG). “Todos os pontos estão sendo tratados internamente junto com a Sejusp para ser como antigamente (as visitas)”, pontuou.
O problema da vez, segundo Vilaça, se dá com o aumento de casos positivos de Covid-19 no Estado. “O que tinha diminuído para franquear a retomada da visitação, acabou sendo impedido justamente por conta deste aumento observado da semana passada para esta. Muito em breve acredito que serão franqueadas as visitações, uma vez que os eventos coletivos já foram liberados”, conta.
Vilaça disse compreender as reclamações das famílias. “Sabemos que a visita virtual não tem o calor da família. Temos que pensar para evitar a contaminação. Por mais que tenhamos tido redução dos direitos de visitação, tivemos um equilíbrio de infectados (por Covid), e podemos dizer que salvamos vidas”, relata.
Sobre os casos de tortura apontados por Miriam, o presidente da Comissão de Assuntos Penitenciários afirmou que nenhuma denúncia formal chegou ao conhecimento. “Nada nos foi passado para ser apurado. Vimos pelas redes sociais algumas informações e oficiamos a Sejusp e percebemos que nada houve”, finalizou.
Em nota, a Sejusp-MG alegou que “as visitas presenciais estão sendo gradualmente normalizadas” e que “já trabalha para que a completa normalização das visitações ocorra o mais breve possível”. A secretaria ressaltou a necessidade de se utilizar máscara de proteção.
Nota da Sejusp-MG
“As visitas nas unidades prisionais administradas pelo Departamento Penitenciário de Minas Gerais (Depen-MG) ficaram suspensas entre março e setembro de 2020, como medida para evitar a propagação e contaminação da Covid-19.
Atualmente, as visitas presenciais estão sendo gradualmente normalizadas, ainda com restrições como uso de máscaras, por exemplo, entre outras. Ocorrem também de forma virtual.
Ressaltamos que o Depen-MG já trabalha para que a completa normalização das visitações ocorra o mais breve possível”.
Fonte: O Tempo.