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Festa católica, Círio de Nazaré une evangélicos, umbandistas e LGBTQIA+

Por Dentro De Tudo:

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Sempre se ouve que o Círio de Nazaré não se explica, mas se sente. Pode parecer apenas uma frase elaborada por um bom marqueteiro para atrair turistas, mas, no fundo, trata-se de uma verdade incontestável comprovada por O TEMPO, que se infiltrou em meio aos mais de 2 milhões de fiéis que percorreram 3,7 quilômetros entre a manhã e o início da tarde deste domingo (8 de outubro). A reportagem viajou para Belém (PA) a convite do Instituto Cultural Vale, um dos principais patrocinadores da festa, que é considerada o maior evento religioso do Brasil e que está em sua 231ª edição.  

Somente entre o último sábado (7) e o domingo, chega a quase 4 milhões o número de pessoas que participaram de duas das principais procissões da celebração, que se arrasta por quase 20 dias no mês de outubro e totaliza 14 marchas religiosas. Apesar de se tratar de um evento ligado à Igreja Católica, em meio à multidão a fé ultrapassa barreiras inimagináveis em outros lugares do país.

Católicos, evangélicos, espíritas, umbandistas e pessoas de diversas outras religões ou sem nenhuma se unem nas ruas da capital paraense em prol da fé, para alguns, ou apenas da solidariedade: seja oferecendo ou jogando água nos fiéis, que sofrem com o calor de mais de 30 graus; auxiliando os promesseiros que fazem o trajeto de joelhos ou descalços, carregando cruzes ou levando livros, tijolos, miniaturas de casas ou imagens da santa sobre as cabeças; ou, até mesmo, socorrendo aqueles que sucumbem e precisam de atendimento médico. Ao todo, são cerca de 29 mil voluntários atuando para apoiar os fiéis. 

Até mesmo o mais fervoroso dos ateus não consegue resistir à beleza da fé que se espalha pelas ruas da cidade e, no mínimo, se arrepia — isso se não for às lágrimas — ao testemunhar a emoção daqueles que se agarravam com toda a força que restava dentro deles à corda que conduz a imagem da Virgem de Nazaré durante os trajetos. 

Silvio Farias, de 32 anos, é evangélico e participou pela primeira vez do Círio em 2022, na primeira celebração após o fim da pandemia de Covid-19. “A gente vê a fé, não é? Não é só Deus, a fé move muitas pessoas. Mesmo sendo evangélico, eu estou aqui para ajudar as pessoas, não é só pela imagem ou por Deus. Olha aí, ó, a multidão”, disse o homem enquanto se preparava para distribuir os milhares de copos de água que são doados por empresas e outras entidades durante a festa. 

Umbandista, Samanta Penna, de 48 anos, é carioca mas vive há alguns anos no Pará. Às lágrimas, ela e a filha de 28 anos se abraçaram ao ver a chegada da imagem da Virgem em sua Berlinda, que é a “carruagem” onde é transportada a santa e que é enfeitada com flores diferentes a cada procissão. 

“Eu sou romeira há mais de 20 anos e não tem como não se emocionar com esse momento. Independente da religião, a fé é uma coisa muito linda”, disse, ainda bastante emocionada, a carioca que acompanhava  a chamada Trasladação, que acontece na noite do segundo sábado de outubro e faz o caminho contrário da Procissão do Círio, que aconteceria no dia seguinte.  

Tradição e modernidade também andam juntas no Círio. Há 12 anos é possível acompanhar o trajeto da santa por meio de um aplicativo, o “KD a Berlinda”, que mostra em tempo real o local exato onde está a Virgem de Nazaré, facilitando a vida dos fiéis que chegam “atrasados” e nunca sabiam onde exatamente estava a procissão. O aplicativo é gratuito e está disponível tanto na Play Store, para smartphones Android, quanto na App Store, dos iPhones.

‘Viciante’, diz mineiro

Radicado em Santa Catarina, o advogado mineiro Geraldo Machado Cota, de 55 anos, descreve o Círio de Nazaré como um “vício”. “Vim pela primeira vez em 2010 e esta já é a minha sétima vinda. Eu costumo dizer que o Círio é uma coisa que vicia. Quando conheci, não sabia nada sobre o que era, só sabia que aconteceria naquela data em que eu viria para o Pará. Desde então, já vim sete e tenho certeza que vou voltar outras vezes”, garante o turista. 

Após tantos anos visitando Belém, ele fez amigos e, inclusive, foi convidado para participar da tradicional Ceia do Círio, que acontece na casa de todos os belenenses no domingo e que tem como principal prato a Maniçoba, espécie de feijoada paraense que troca o feijão preto pelas folhas tóxicas da mandioca, que precisam ser cozidas por sete dias antes de ser servida.

“O que me encanta no Círio é essa energia, que a gente não consegue explicar. É indescritível. A gente às vezes acha que está fazendo um esforço, um trabalho de vir para cá (procissão), e acaba se deparando com a entrega das pessoas que é impressionante. Eu nunca vi energia de fé maior do que o Círio até hoje”, completa o advogado que, desta vez, veio sozinho para a festividade. 

Nem só de religião se faz o Círio

Durante a Trasladação que ocorre no sábado, logo que a imagem da Virgem de Nazaré passa pela praça da República, no centro de Belém, saem os beatos e entram em cena as cores do arco-íris da bandeira LGBTIA+. Criada em 1978, a Festa da Chiquita não é reconhecida pela Igreja, mas já foi declarada desde 2020 como patrimônio cultural e imaterial pelo estado do Pará. Nela é comum se ver senhorinhas com terços na mão e blusas de Nossa Senhora posando para fotos ao lado de drag queens. 

O evento reúne cerca de 500 mil pessoas com muita música, drinks, duelos de drag queens e, ainda, premiações para pessoas ligadas à causa. Entre as honrarias estão o “Veado de Ouro”, “Botina de Ouro”, “Rainha do Círio” e “Amigos da Chiquita”. 

Para além da festa LGBTQIA+, há ainda outras manifestações culturais pouco ou nada ligadas à questão religiosa. No sábado pela manhã, após o famoso Círio das Águas ou Procissão Fluvial, quando a imagem de Nazaré é levada em um navio da Marinha que é seguido por dezenas de outras embarcações pela Baía da Guajará, tem início então o Arrastão do Pavulagem, termo que, no Pará, é usado para descrever uma pessoa que gosta de aparecer. 

O desfile começou em 1987 com o Arraial do Pavulagem, a partir de um encontro de músicos que buscam divulgar e enaltecer a música amazônica, reunidos ao redor de um pequeno boi-bumbá, que foi batizado de “Boi Pavulagem do Teu Coração”. Com instrumentos típicos da região e ao ritmo do carimbó, os participantes são marcados por seus chapéus de palha com fitas multicoloridas que esvoaçam na parte de trás. 

Também chama atenção a destreza das dezenas de palhaços multicoloridos que caminham quilômetros enquanto dançam e se equilibram sobre pernas de pau. Em 2023, o Arrastão foi acompanhado de perto pela ministra da Cultura, Margareth Menezes, que foi homenageada pelos presentes que começavam a cantar a música “Faraó”, eternizada na voz da cantora, que atualmente comanda a pasta federal. 

Show com drones e recepção aos turistas

Neste ano, que é o 21º em que a Vale e seu Instituto Cultural patrocinam o Círio de Nazaré, a mineradora planejou uma série de ações para a população. Entre elas, a que talvez tenha chamado mais atenção na cidade, foi um show de iluminação com drones, que formavam no céu sobre a Praça do Relógio imagens ligadas à festividade. 

Entre as representações estavam a própria Virgem de Nazaré, a frase “Viva o Círio” e o Lírio, flor que simboliza a santa. A cada nova imagem que se formava, era possível ouvir, de longe, os gritos e palmas dos presentes. Ao se olhar ao redor da praça, todos erguiam seus celulares para o alto para registrarem a homenagem.

“É uma alegria estar ao lado da maior manifestação cultural do Pará há 21 anos. Não há nada mais paraense do que o Círio de Nazaré e todos os saberes e fazeres tradicionais que fazem com que esse evento seja único”, disse o diretor-presidente do Instituto Cultural Vale, Hugo Barreto.

Outra ação promovida pela Vale para o Círio foi o painel criado pelo artista visual paraense Filipe Almeida, com ilustrações inspiradas na cultura amazônica e que recepcionou todos os passageiros que chegavam ao Aeroporto Internacional de Belém. Lá, também eram distribuídas as tradicionais fitinhas, que são amarradas na igreja e nos pulsos daqueles que querem pedir alguma benção à Nossa Senhora de Nazaré. 

A empresa também distribuiu cerca de 40 mil leques, que são chamados de ventarolas no Pará e que são um simbolos do Círio por auxiliarem os romeiros a amenizarem o forte calor enfrentado no meio da multidão. Produzidas em papel semente biodegradável, as ventarolas distribuídas pela Vale foram criadas para evitar o acúmulo de resíduos pelas ruas da cidade e, ao serem plantadas, as sementes geram uma flor ou hortaliça.

Fonte: O Tempo.

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