A inexistência de laços afetivos, ausência de vínculo biológico ou erro no registro são alguns dos motivos aceitos pela Justiça brasileira para que filhos possam excluir oficialmente os nomes dos pais de seus documentos. Nos últimos anos, filhos de criminosos notórios vêm recorrendo ao Judiciário para se desvincular, inclusive documentalmente, da herança de violência deixada por seus genitores.
Um exemplo recente é o do filho de Cristian Cravinhos, condenado por participar do assassinato dos pais de Suzane von Richthofen, em 2002. Aos 27 anos, o jovem conseguiu na Justiça o direito de retirar completamente o nome do pai de sua certidão de nascimento e de sua carteira de identidade. O sobrenome Cravinhos já havia sido retirado em 2009, com autorização da Justiça do Paraná, mas ele recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) para eliminar também o nome completo de Cristian do campo de filiação.
“Não adianta nada não carregar o sobrenome, mas ter o nome inteiro do pai criminoso no campo da filiação”, argumentou no processo. A Terceira Turma do STJ acolheu por unanimidade o pedido, considerando os impactos psicológicos sofridos pelo jovem, que passou por diversas trocas de escola e sofreu bullying após a condenação do pai. O processo também destacou que Cristian teve contato com o filho apenas três vezes e nunca ofereceu apoio afetivo ou material.
Outro caso em trâmite é o da filha de Elize Matsunaga, condenada por matar e esquartejar o marido, Marcos Matsunaga, em 2012. Os avós paternos da menina, hoje adolescente de 14 anos, tentam na Justiça anular a maternidade de Elize, alegando que a assassina não deve manter nenhum vínculo com a criança. Elize, por sua vez, contratou uma advogada para defender seu direito de continuar sendo reconhecida como mãe, apesar de já ter retirado o sobrenome Matsunaga dos seus documentos.
Anna Carolina Jatobá, condenada pela morte da enteada Isabella Nardoni em 2008, também optou por tentar apagar seu passado. Após deixar a prisão, voltou a usar o sobrenome de solteira e os filhos retiraram o sobrenome do pai, Alexandre Nardoni, dos registros civis. Anna Carolina também entrou com pedido de cidadania italiana para os filhos.
Casos como esses envolvem dilemas legais e morais. Desde 2022, é permitido a qualquer maior de 18 anos mudar o prenome uma vez, sem justificativa, em cartório. O sobrenome pode ser alterado mais vezes, especialmente em casos de casamento, divórcio ou reconhecimento de vínculo familiar. No entanto, tentativas de ocultar antecedentes criminais podem ser barradas, e cabe à Justiça avaliar a legitimidade da mudança.
A advogada Mabel de Souza Pinho explica que a legislação atual busca “equilibrar o direito ao recomeço com o dever de preservar a memória e proteger terceiros”.
Suzane von Richthofen, por exemplo, também optou por mudar de nome: desde sua união estável com o médico Felipe Zecchini Muniz, passou a se chamar Suzane Louise Magnani Muniz, adotando os sobrenomes da avó e do companheiro. Já Daniel Cravinhos, irmão de Cristian e também condenado, já mudou seus documentos duas vezes, adotando sobrenomes das esposas para tentar escapar do estigma que carrega.
Enquanto isso, Cristian Cravinhos, condenado a 43 anos de prisão, mantém firme o nome que o filho tenta esquecer.
Foto: Reprodução / Arquivo pessoal
Fonte: O Globo