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domingo, 29 de setembro de 2024

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Fim da lei de ‘saidinhas’ reduziria ou aumentaria violência? Análises divergem

Por Dentro De Tudo:

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O assassinato do sargento Roger Dias da Cunha, de 29 anos, por um detento que estava de saída temporária para o Natal – e não havia retornado –, em Belo Horizonte, durante uma perseguição na última sexta-feira (5 de janeiro), trouxe à tona a Lei de Execuções Penais (7.210/1984) na agenda política e nas discussões públicas em todo o Brasil. Por um lado, políticos como o governador Romeu Zema e o vice Professor Matheus (ambos do Novo) criticam a eficácia do benefício, argumentando que a lei permite a violência durante as saídas, vitimando inocentes. Por outro, especialistas em Direito e Processo Penal, além de representantes de presos, afirmam que o fim das “saidinhas” só acarretaria em mais violência, e que não é justo que a maioria assuma a culpa de um problema que seria “exceção”. 

Segundo a lei, durante todo o ano, um custodiado em regime semi-aberto tem direito a 35 dias fora do sistema penitenciário. A saída é autorizada em três situações: visita à família, frequência em curso profissionalizante ou instrução de 2º grau ou superior, e participação em atividades que ajudem no convívio social. Como explica o professor de Direito e Processo Penal da UFMG, Frederico Horta, o benefício é parte do processo de ressocialização das pessoas privadas de liberdade. “A saída temporária está prevista na legislação brasileira desde 1984, ou seja, tem história. É própria do regime semi-aberto. O preso saiu do regime fechado, a pena está mais próxima do fim, e é preciso prepará-lo para a liberdade. Isso é feito para um retorno harmônico para a sociedade, para que seja feito aos poucos”, diz ele, que também é advogado criminalista. 

De fato, os presos só começam a poder sair do presídio a partir do cumprimento de ⅙ da pena se o condenado for primário, e, no mínimo, ¼ se for reincidente. Ainda, segundo o advogado criminalista Lindberg Valentim Neto, uma série de requisitos são avaliados antes da liberação judicial para a saída. “O apenado tem que cumprir vários requisitos. Ter boa conduta; não cometer nenhuma falta grave; tem que ter cumprido cota mínima em regime fechado; e, caso ele não retorne após uma das saídas, acabou. Entra para o histórico e ele nunca mais vai sair”, explica. 

Além disso, em 2019, houve uma mudança na lei, e presos condenados por crimes hediondos que levaram à morte passaram a não ter direito às “saidinhas” (seja homicídio, estupro, roubo, etc.). “Isso é claro: não é todo preso que poderá sair, a lei tem sim vários requisitos que podem negar o benefício. Além disso, o juiz que concede a saída pode coibir, o MP pode se manifestar, e, caso seja entendido que é perigoso a saída temporária, por histórico de violência, o preso não sai”, reforça o professor Horta. 

É por isso que os especialistas não vêem lado positivo em revogar a lei, como propôs o senador Rodrigo Pacheco (PSD), presidente do Congresso Nacional. “Seria uma medida extrema e infeliz. Comprometeria, seriamente, a função de recuperação e reintegração dos condenados. Eles seriam prejudicados no estudo, no trabalho e no contato com a família, que não é um luxo, é direito”, exprime Frederico Horta. 

Segundo ele, a maioria das pessoas privadas de liberdade cumpre com as regras de ressocialização da forma correta. “A maior parte da população do presídio não é tão perigosa assim. Claro, existem aqueles que estão ligados ao crime organizado, mas, boa parte, cometeu um erro e precisa pagar e aprender por ele. Encontrar condições para se restabelecer, depois da pena, é lei no nosso sistema prisional, que deveria reeducar e ressocializar”, afirma o especialista. 

Nas saídas temporárias de Natal e Ano Novo, 4.158 detentos receberam na Justiça o direito de deixar a unidade prisional, segundo o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG). Deste total, 118 não retornaram após o fim do prazo estipulado e se tornaram foragidos. “A saída não é um benefício, é um direito. O preso vai preso, vai para o regime fechado, depois para semi-aberto e, então, aberto. O preso também tem família para encontrar, também tem que trabalhar e estudar. Errado é castigar o coletivo com o fim de uma lei porque meia dúzia não cumpriu com o combinado. Dos nossos assistidos, todos cumpriram da forma certa e são gratos pela saída”, adiciona a coordenadora da Associação de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação à Liberdade, Maria Tereza dos Santos

Sem as “saidinhas”, violência cresce ou cai?

Para pressionar por uma mudança na lei, Zema foi às redes sociais questionar até quando a proposta ficaria parada no Congresso. De acordo com o governador, a flexibilidade da pena permite que mortes, como a do sargento Dias, ocorram. “Leis ultrapassadas podem tirar a vida de mais um policial em Minas. Bandidos com histórico de violência são autorizados para ‘saidinha’, que resulta em insegurança para todos brasileiros. Passou da hora disso acabar”, afirmou.

A opinião é a mesma que a do senador Rodrigo Pacheco (PSD). Segundo ele, a criminalidade está em escalada devido ao direito, que não é bem executado. “A pretexto de ressocializar ou proteger, está servindo como meio para a prática de mais e mais crimes”, disse.

Os depoimentos ganharam coro nas redes sociais. “Bandidos com várias rodagens no mundo do crime são cheios de direitos, e se o cidadão trabalhador reclamar, ele ainda está errado”, comentou um mineiro em menção às redes sociais do Zema. “Ridicula essa lei, passou da hora já de mudar”, concordou outro.

Por outro lado, na avaliação dos especialistas, a violência só tem a crescer se a lei das saidinhas for, de fato, revogada. “Eu creio que a revogação geral não vai passar. Você tem uma pena a ser cumprida. Aqui no Brasil, nós não temos pena perpétua. O indivíduo tem que cumprir a pena e ser reintroduzido na sociedade. Ele precisa desse contato”, avalia o advogado Lindberg Valentim Neto.

Para ele, uma solução mais adequada para os casos que acabam em crimes ou na fuga dos presos, poderia ser o fortalecimento dos requisitos e do controle dos presos. “Poderia ser dificultada a saída em casos que as pessoas já tem histórico não favorável. Os requisitos podem ser mais brutos, reduzir o benefício a quem, de fato, é um exemplo de disciplina e comportamento”, diz. “No caso específico da morte do sargento, foi uma questão que ele tinha o benefício, mas já deveria ter retornado. Ele se tornou, alí, um foragido, e não terá mais direito à saída”, continuou. 

A coordenadora da associação de presos, Maria Tereza dos Santos, também afirma que o fim do direito acarretaria em um efeito contrário. “Se essas pessoas não saírem durante a pena, não tiverem nenhum respiro, vão sair para a liberdade com mais rancor e com menos tato social. Isso vai ser horrível, aí a volta para a violência vai ser facilitada. As pessoas se esquecem que preso também é digno de futuro”, afirmou.  

Da mesma forma, para o professor Frederico Horta, a solução para melhoria da lei seria aprimorar o benefício, não extingui-lo. “É preciso pensar em aprimorar a lei, melhorar o controle dos infratores dela, porque manter o preso mais tempo em regime fechado, mais distante da sociedade, só vai favorecer a reincidência”, diz. “Precisamos lembrar, também, que presos também são pais, são mães, que têm filhos pequenos, que sentem saudade. Passar o Dia dos Pais junto, Natal, é direito. Alguns até recuperam o casamento dessa forma”. 

Fonte: O tempo.

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