Minas Gerais. Um nome que exalta as riquezas do Estado e, ao mesmo tempo, que o condena a destruição. Essa é a visão de muitos ambientalistas ao destacarem o que o território mineiro tem se tornado: “pequenas ilhas de verde” cercadas por áreas desertas que, um dia, já foram uma das mais bonitas expressões de vida. Diante desse cenário, as fiscalizações ambientais se tornaram mais intensas e numerosas nos últimos dois anos. Dados do governo de Minas Gerais, divulgados em março deste ano, mostram que somente em 2023, em janeiro e fevereiro, foram feitas mais de 7.400 fiscalizações ambientais, com lavratura de mais de 3,3 mil autos de infração. O número representa um crescimento de 5% quando comparado ao mesmo período do ano anterior.
Em 2022, na comparação com 2021, também houve incremento das ações. Ao longo de todo o ano passado, foram feitas mais de 42 mil fiscalizações, o que representa alta de 14% em relação ao ao anterior. Os números, apesar de certa forma mostrarem o tamanho do problema que se tem a enfrentar, ainda são insuficientes para dar conta de combater o mal, conforme especialistas. E a preocupação com o que será da natureza em Minas Gerais segue numa crescente.
Professor do departamento de genética, ecologia e evolução da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Geraldo Fernandes afirma que são muitas as questões que envolvem os problemas relacionados ao meio ambiente em Minas Gerais. Primeiramente, há as naturais: o tamanho do Estado pode contribuir para que desmatamentos em locais distantes dos grandes centros não sejam testemunhados. Além disso, a riqueza da vegetação também é um fator importante, que atrai pessoas mal intencionadas. A ignorância em relação ao assunto é outro ponto conflituoso, segundo ele.
“As pessoas, muitas vezes, não entendem o dano ambiental, não sabem sobre biodiversidade, não acreditam na mudança climática. Simplesmente acham que tudo vai ficar bem. Porém, todos pagamos e vamos pagar por isso”, diz ele.
Ambientalista e idealizador do Projeto Manuelzão, Apolo Heringer vai além. Para ele, falta efetividade nas fiscalizações. Heringer defende que, no mínimo, as fiscalizações deveriam ser acompanhadas por uma comissão de pessoas que têm uma opinião ‘diferente’ sobre as questões ambientais, não simplesmente por aqueles que concordam entre si. Isso, segundo ele, geraria um equilíbrio nas ações. “O problema em relação à preservação do meio ambiente é que, muitas vezes, pensam mais no dinheiro do que na vida. É uma coisa terrível. O planeta é uma criação maravilhosa, e estão destruindo tudo, estão matando os animais de fome”, lamenta.
A ambientalista Jeanine Oliveira também lamenta o cenário que tem sido visto atualmente no Estado. De acordo com ela, Minas Gerais enfrenta problemas relacionados à mineração e barragens, agronegócio, construção civil irregular, desmatamentos, entre outros, fazendo com que a situação seja “terrível”. “Poderiam ter feito 14 mil fiscalizações, mas precisamos ver os benefícios. Não se deve só aplicar auto de infração. Também falta instrução. É preciso que seja claro o que pode ou não fazer, que as pessoas entendam, que haja transparência”, afirma ela.
Riqueza indo embora
A Mata Atlântica, uma das riquezas de Minas Gerais, é uma das áreas que correm sério perigo, segundo os ambientalistas. Dados do governo do Estado mostram que neste ano, somente a operação Adsumus I para o combate ao desmatamento na Mata Atlântica teve 70 alvos confirmados de supressão irregular. A área era superior a 660 hectares.
“A Mata Atlântica já se encontra bastante fragmentada. São ‘ilhas de florestas’ e um ‘mar de áreas descampadas’. Com isso, estamos perdendo a capacidade de produzir água limpa, de diminuir a temperatura do planeta. Vai mudando o clima da cidade, da região”, diz o professor do departamento de genética, ecologia e evolução da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Geraldo Fernandes.
Conforme o professor explica, engana-se quem pensa que “basta plantar tudo de novo” para que as coisas voltem a ser como antes. O problema não se resolve assim. Fernandes destaca que a destruição da natureza pode chegar ao ponto de “não retorno” – quando se destrói tanto que já não sobra mais nada. Aí, é impossível repor tudo, mesmo tendo muito dinheiro envolvido. Mesmo na hipótese de se conseguir plantar novamente, é uma questão de décadas para recompor tudo, diz o professor. Porém, “o que nós não temos é tempo”, afirma ele.
O tempo, aliás, tem sido interpretado por muitas pessoas de maneira errada, conforme Fernandes. Muitos pensam que as consequências da destruição do verde em Minas Gerais e no país podem repercutir só daqui a ‘100 anos’ quando não estarão mais aqui. Porém, um cenário devastador pode chegar muito mais rápido do que se imagina.
“Estamos falando de coisas que vão acontecer em 2040. O cenário que enfrentaremos provavelmente daqui a 15 anos será muito severo. Secas prolongadas por um período muito grande, o que influencia nos alimentos. E aí, quando a chuva vem, é de uma vez. Sem vegetação para bloquear, vêm enchentes”, afirma Fernandes.
Para o ambientalista e idealizador do Projeto Manuelzão, Apolo Heringer, parte de toda essa situação pode ser resumida em uma única frase: “as atividades econômicas não respeitam os limites que a natureza impõe”.
Posicionamento
Em nota, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) informou que as ações de fiscalizações ambientais em Minas fazem parte do plano estratégico do governo estadual para fortalecer e combater infrações ambientais no Estado. A pasta também cita as ações que têm sido realizadas.
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A Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) informa que as ações de fiscalizações no estado fazem parte do plano estratégico do Governo de Minas para fortalecer e combater infrações ambientais no estado. Somente em 2022, foram realizadas 42.784 fiscalizações, o que representa um aumento de 14% em relação a 2021. No período de janeiro a março de 2023, foram deflagradas quatro operações especiais, abarcando diferentes temáticas, como o tratamento de resíduos de serviço de saúde, avicultura, extração mineral e desmatamento. Ao todo, em 2023 já foram feitas mais de 7.400 fiscalizações, com lavratura de mais de 3.300 autos de infração.
Investimentos em 2023
- Inauguração da Sala de Situação de Combate ao Desmatamento e Carvão Ilegais, que será um centro de monitoramento com computadores de última geração, painéis de vídeo e equipe dedicada ao monitoramento das ocorrências de desmatamento e de irregularidades na cadeia do carvão vegetal;
- Aquisição de 15 novos drones para emprego na fiscalização ambiental, além da capacitação e ampliação das ações da Agência de Inteligência da Secretaria;
- Está previsto, dentro da proposta de reorganização administrativa do Governo, a criação de uma nova Superintendência com foco na gestão de atividade de inteligência em fiscalização ambiental, que atualmente é feita por uma diretoria;
- Criação de novo sistema digital Gestão de Autos de Infração Ambiental (Gaia), que visa promover a transformação digital do processo de apuração das infrações. A expectativa é de que ele seja lançado no primeiro semestre deste ano.
Em fevereiro, a Semad entregou 215 tablets à Polícia Militar de Meio Ambiente para ajudar no combate às infrações e crimes ambientais. Para a aquisição, foram investidos R$ 400 mil, oriundos de Termos de Ajustamento de Conduta (TACs), propostos pelo Governo de Minas e pelo Ministério Público de Minas Gerais, e assinados pelas mineradoras que não conseguiram cumprir o prazo estabelecido pela Lei Mar de Lama Nunca Mais, para o descomissionamento de barragens à montante.
Fonte: O Tempo.