O voo AD 4501, da Azul Linhas Aéreas, transcorria bem naquele início de madrugada de sexta-feira, 30 de julho. O avião, que decolara de Belém do Pará, às 2h19, tinha como destino o Aeroporto de Confins, em Belo Horizonte, de onde muitos passageiros seguiriam para São Paulo. A viagem, porém, não se manteve em céu de brigadeiro. Quando sobrevoava o Maranhão, o avião precisou retornar para o ponto de partida. O motivo? Desembarcar uma passageira que se recusava a usar máscara, um item obrigatório a bordo.
Casos como este vêm aumentando no Brasil, segundo a Associação Brasileira de Companhias Aéreas (Abear). Apesar de reconhecer não ter estatísticas consolidadas sobre o tema, a entidade afirma que suas associadas têm registrado mais incidentes envolvendo passageiros “rebeldes” em 2021 do que em 2020, antes do início da campanha de vacinação no país.
— No mundo inteiro, estamos observando casos de indisciplina de passageiros, destacadamente quanto ao uso de máscaras — afirma o presidente da Abear, Eduardo Sanovicz. — Esses eventos, frente ao total de passageiros e voos, continuam sendo raros. Mas a ocorrência de fato aumentou.
Para ele, o atual momento do controle da pandemia no país, apesar de propiciar o reaquecimento das viagens, pode também encorajar esse tipo de comportamento por parte de alguns clientes.
— Nós creditamos isso um pouco a esse ambiente tenso que as pessoas estão vivendo. A retomada, claro, está se dando diretamente em consequência da vacinação. Mas há pessoas que já se vacinaram e acham que podem ficar sem máscara. Nós entendemos que o momento é de cumprir rigorosamente as regras sanitárias — diz, defendendo os protocolos adotados pelas companhias aéreas. — Há muitos procedimentos de segurança por parte das empresas, como o filtro de ar HEPA e a sanitização dos aviões. Mas os passageiros precisam fazer a sua parte também.
No Brasil, apesar de raros, esses casos, quando aparecem, também chamam bastante a atenção. Como em fevereiro deste ano, num voo da Gol entre Salvador e Brasília, tomado por um grande tumulto causado por um passageiro que se recusava a usar máscara. Apesar dos insistentes avisos dos comissários de bordo e do próprio comandante, o homem resistiu aos pedidos, provocando indignação entre os outros ocupantes e forçando o retorno da aeronave ao ponto de partida. Nesses casos, os indisciplinados são retirados pela Polícia Federal.
Mau exemplo
Passageiros encrenqueiros podem estar sendo também encorajados por quem deveria dar o exemplo. Em janeiro deste ano, o deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) chegou a ser retirado pela PF de um voo da Gol, em Guarulhos, com destino a Brasília. O parlamentar se recusou a usar máscara, alegando ter dispensa médica, argumento usado por ele em outras ocasiões em que foi flagrado voando sem a proteção facial.
Antes disso, em agosto de 2020, o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) já havia sido flagrado usando a máscara de maneira inadequada em boa parte do voo de Brasília ao Rio da Latam, dias antes de ter sido diagnosticado com Covid-19. O próprio presidente Jair Bolsonaro, quando fez uma visita surpresa a um avião da Azul em Vitória, provocou aglomeração e ficou um tempo sem a proteção facial obrigatória.
— Usar a máscara, hoje em dia, se tornou quase um sinal de identidade grupal. E quando o presidente da República fica sem máscara num avião, passa a mensagem de que se ele pode, todo mundo pode. O líder tem peso importante no grupo — afirma o psicólogo e professor Paulo Sérgio Boggio, coordenador do Laboratório de Neurociência Social da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Com cargo ou não, com ou sem vacina, a norma da Anvisa ainda em vigor exige que todos usem máscaras com vedação no nariz e na boca em aviões e aeroportos no Brasil. Bandanas, lenços e protetores faciais do tipo “face shield” usados sem máscaras por baixo não são permitidos, assim como máscaras de acrílico ou de plástico transparente e as que possuem válvula de expiração, mesmo que sejam profissionais. Até que a situação epidemiológica melhore, só é permitido retirar a máscara para hidratação ou, no caso de crianças menores de 12 anos, idosos e portadores de doenças que requeiram dieta especial, ao se alimentarem. Fora disso, não adianta reclamar.