A pressão da pandemia no sistema de saúde brasileiro, que teve seu auge em março de 2021, caiu em agosto deste ano. Despencaram os casos, internações, intubações e mortes por covid-19.
Há receio entre médicos em dizer algo que desestimule a população a seguir medidas protetivas. Contudo, todos os especialistas consultados são unânimes: é indiscutível a grande redução de pressão sobre os hospitais.
A média móvel de diagnósticos está em 15.571 casos diários, menor patamar desde 21 de maio de 2020.
“Não há dúvida que a situação melhorou demais. Agosto e setembro seguem na mesma toada, são os momentos de menor número de pacientes graves com covid nas UTIs”, disse Ederlon Rezende, médico intensivista e coordenador do projeto UTIs Brasileiras.
Queda da mortalidade
Desde o fim do ano passado a mortalidade também não era tão baixa como em agosto. É o que mostram dados de mortes por data real (a data que realmente ocorreram e não a que foram notificados). Os dados ainda devem ser revisados, mas dificilmente haverá mudança substancial.© Fornecido por Poder360
“A tendência nesse momento é de queda em todos os números”, diz Christovam Barcellos, pesquisador Fiocruz e responsável pelo MonitoraCovid-19.
“É nítida a redução”, concorda o infectologista Ralcyon Teixeira, diretor da Divisão Médica do Instituto de Infectologia Emílio Ribas.
A queda acontece junto ao avanço da vacinação. Até 2ª feira (13.set.2021), 87% da população adulta recebeu a 1ª dose de vacina e 46%, a 2ª.
Até o fim de novembro, seguindo o ritmo atual, mais de 80% dos adultos (grupo que apresenta maiores riscos de hospitalização) devem estar completamente imunizados.
O número atual de mortes diárias (460) está no patamar baixo desde novembro de 2020, mas ainda é como se 2 Boeings 737 caíssem por dia no Brasil matando todos os passageiros.
Queda das internações
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“Quase todos os Estados hoje em dia estão em uma faixa baixa do índice de ocupação dos leitos de UTI”, afirmou Barcellos, da Fiocruz. As entradas em UTI despencaram. Não se via número tão baixo desde abril de 2020. Os leitos já voltam a ser ocupados por cirurgias eletivas.
O médico intensivista Ederlon Rezende alerta: “As UTIs se mantêm ainda sob alguma pressão, porque começam a voltar as cirurgias eletivas, que estavam represadas”.
Pacientes que não precisavam de cirurgias com urgência esperaram o alívio da pandemia para poderem agendar o procedimento. Agora, as operações começam a ser marcadas. Essa demanda reprimida, segundo os especialistas, deve pressionar novamente o sistema de saúde.
Barcellos disse, porém, que a nova demanda pode ser controlada e diluída nos próximos meses. “Câncer precisa de um tratamento mais rápido. Catarata pode esperar algumas semanas”, afirmou.
Um boletim da Fiocruz de 8 de setembro mostra melhora contínua na taxa de ocupação de leitos do SUS. Todos os Estados, com a exceção de Roraima, e 74% das capitais estão fora da zona de alerta.
As hospitalizações de covid-19 que acontecem, agora, são de menor gravidade. O número de intubados é um décimo do que foi no ápice da pandemia. “Apesar de ainda termos casos, isso não tem refletido tanto na ida para a UTI e o desfecho de óbito”, disse Ralcyon Teixeira, do Emílio Ribas.
“Os dados apontam que a gravidade dos doentes melhorou”, afirma Fernando Bozza, chefe do Laboratório de Pesquisa Clínica em Medicina Intensiva da Fiocruz.© Fornecido por Poder360
“Não é hora de baixar a guarda”
A frase acima é de Ederlon Rezende. “Todos estão muito felizes com estar diminuindo mortes e casos, mas todos deveriam continuar alertas, mantendo as medidas de precaução”, pede o médico intensivista. Os outros especialistas ouvidos dizem o mesmo.
Continuam sendo importantes medidas protetivas, como o uso de máscara, e evitar deslocamentos desnecessários, especialmente entre os mais idosos (e mais vulneráveis).
“Até o final do ano tem que tomar esse cuidado”, afirmou Ralcyon Teixeira. Segundo o infectologista, se por volta de novembro ou dezembro houver o avanço da aplicação com a 2ª dose, poderemos “ter um afrouxamento maior”. Mas diz que por enquanto é necessário “muito cuidado”.
Eis alguns fatores que deixam os médicos sob alerta:
Variante delta
Está circulando no Brasil. Já é dominante em São Paulo e no Rio de Janeiro. Dados preliminares da Fiocruz mostram que 62% das amostras coletadas em agosto de todo o Brasil já sequenciadas são dessa variante. Há médicos que apostam que a variante deve causar algum repique.
Lá fora, deu em disparada de casos em populações que tinham vacinação avançada, como nos EUA e em Israel.
No Brasil, afetado fortemente pela variante gama, a dinâmica parece, até esse momento, ser diferente. A substituição da gama pela delta está sendo mais lenta. “Estávamos muito apreensivos que a delta chegasse e tomasse conta do Brasil de forma muito mais rápida. E nós não observamos isso. Mas ela vem progressivamente aumentando”, disse Gabriel Wallau, pesquisador da Fiocruz sobre genômica.
Ele afirma que a dinâmica da delta no Brasil diferiu da de outros países, seja pelo momento da vacinação, seja pela predominância da variante gama. Ele disse acreditar que isso pode fazer com que os efeitos da delta sejam mais sutis no Brasil, mas alerta que isso, por enquanto, é só uma hipótese.
Imunização incompleta
A delta causa mais estragos em quem só tem uma dose (o que é a situação de cerca de 70 milhões de pessoas no Brasil). A perda de imunidade de quem se vacinou no começo do ano também é uma preocupação.
Queda de restrições
Estados têm flexibilizado medidas restritivas antes de a população estar completamente imunizada. Há aglomerações em manifestações, eventos fechados e o uso de máscara parece ter caído. Isso tudo pode resultar em alguma piora nos indicadores já nesta semana.
Devemos saber até o fim de setembro se a variante delta causará mais impactos, disse Rezende. No Rio de Janeiro, Estado onde a delta primeiro explodiu no Brasil, a queda de internações em agosto foi menos acentuada que nos outros lugares, mas aconteceu.
Os dados de mobilidade no Brasil subiram muito e, em alguns casos, voltaram a níveis pré-pandemia. Por enquanto, isso não se refletiu em um freio na melhoria dos indicadores.