O médico Adelmo de Araújo Monteiro e a mulher dele, de 50 anos, foram indiciados nesta segunda-feira (3) por homicídio com dolo eventual (em que não há a intenção de matar, mas se assume o risco). A vítima é Laudelina Gomes Machado, de 61 anos, morta após passar por um procedimento estético que prometia levantar os glúteos.
A Polícia Civil concluiu que quem aplicou a substância na paciente foi a esposa do médico, que não tem formação em medicina. Laudelina morreu no dia 7 de março na clínica estética Corpomed, que fica no bairro Prado, na Região Oeste de Belo Horizonte.
Na conclusão do inquérito, obtido com exclusividade pelo g1, os investigadores reforçam que tanto o médico como a mulher dele tinham “plena consciência do risco de suas ações”.
Ainda segundo o documento, a responsabilização ultrapassa a possibilidade de erro médico, já que a morte da vítima não foi causada por imperícia, imprudência e negligência, e “sim por dolo”.
Os investigadores levantaram também que a esposa do médico não tem registro no Conselho Regional de Biomedicina.
O g1 procurou a defesa dos acusados e aguarda retorno.
Mulher morre após procedimento para levantar os glúteos em BH
A substância usada no procedimento foi o PMMA, sigla para polimetilmetacrilato. Ela é utilizada para preenchimentos em tratamentos estéticos faciais e corporais, sobretudo para aumento dos glúteos.
Entretanto, sua composição pode causar reações inflamatórias que, por sua vez, podem levar a deformidades e necrose dos tecidos onde foi aplicado (entenda mais abaixo).
- O procedimento realizado em Laudelina foi feito pelo médico Adelmo de Araújo Monteiro.
- Em seu site profissional, ele se apresenta como especialista em medicina estética com mais de 40 anos de experiência.
- No entanto, não há registro desta especialização no Conselho Regional de Medicina (CRM-MG).
- De acordo com o boletim de ocorrência feito pela Polícia Militar, o procedimento de Laudelina estava agendado no horário da manhã.
- O próprio médico afirmou aos policiais que aplicou anestesia na paciente e que, depois do procedimento, ela levantou da maca, mas relatou que estava sonolenta.
- Em seguida, ela vomitou, urinou e caiu no chão.
- Um médico cardiologista, que também estava na clínica, ajudou nas manobras de ressuscitação e a manter as vias áreas da paciente livres.
- Os profissionais tentaram reanimar Laudelina até a chegada do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), mas ela não resistiu e morreu no local.
- O filho da vítima, Josué Machado, disse que a mãe não tinha histórico de problemas de saúde e era fisicamente ativa.
- Laudelina encontrou o perfil da clínica nas redes sociais e já tinha realizado três sessões, a quarta — e última — foi no dia 7 de março, quando morreu.
- O valor pago por Laudelina na última sessão foi R$ 12 mil.
“O que realmente me deixou muito incomodado é que esse médico estava fazendo lives nas redes sociais no dia seguinte, vendendo o produto dele como se nada tivesse acontecido. Como se a minha mãe não tivesse falecido lá dentro do consultório dele'”, contou Josué ao g1. O médico nega ter responsabilidade no ocorrido.
O que disse a defesa do médico à época
“Os problemas relatados por algumas pacientes, tentando responsabilizá-lo, tratam-se na verdade de aplicação de silicone industrial em procedimento anterior, realizados com outros profissionais. Ocorre que todo procedimento estético, por simples que seja, possui riscos de intercorrências, principalmente quando é necessário o uso de anestésico. O Dr. Adelmo firma seu compromisso e seriedade com suas pacientes, colocando-se a disposição no que for preciso”.
Segundo as recomendações da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o produto está autorizado para as seguintes aplicações:
De acordo com as orientações do fabricante, a dose utilizada é aquela “estritamente necessária para a correção de defeitos tegumentares ou da pele”, e depende de avaliação médica.
Produto não recomendado
A Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP) não recomenda o uso de PMMA em procedimentos estéticos, visto que o produto é composto por plástico e, uma vez no organismo, é irreversível.
A especialista em cirurgia plástica, Maria Roberta Martins, da SBCP, explicou que apesar do produto ter permissão da Anvisa, o uso estético pode acarretar complicações que não podem ser removidas do corpo. O material é mais atrativo para as clínicas, e frequentemente usado, por causa do seu baixo custo, se comparado aos produtos biodegradáveis.
O PMMA também não é indicado para uso subcutâneo, ou seja, em aplicações por seringa. Pacientes devem observar que, diferentemente do ativo ácido hialurônico, por exemplo, o polimetilmetacrilato não se dissolve no organismo. Caso o procedimento não seja bem sucedido ou o cliente fique insatisfeito com o resultado, sua remoção é quase impossível.
“Recebemos muitos casos de complicações, as mais trágicas incluem necrose e até mesmo insuficiência renal. Quando tentamos tirar, o produto já se integrou em áreas delicadas, como os nervos. Então, precisaríamos retirar uma parte para reduzir o tamanho”, afirmou a especialista.
No caso de aplicações na região dos glúteos, intervenção conhecida como bioplastia, a quantidade da dose utilizada também pode ser um fator preocupante. Pela Anvisa, a recomendação é de 120 ml por aplicação, mas essa quantidade pode variar de paciente para paciente.
Para além da escolha do produto seguro e com possibilidade de reversão, a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica alerta para a escolha do profissional da saúde, porque não basta fazer um bom atendimento e ter sucesso no procedimento, o médico precisa, também, ter condições de atender o paciente caso a intervenção dê errado.
“É fundamental a escolha criteriosa [do profissional], porque se o procedimento apresentar alguma complicação, ele [médico] vai ter condições de me tratar? É isso tem que temos que perguntar logo no momento da escolha do profissional”, afirmou Maria Roberta.
Fonte: Globo Minas. Foto: Arquivo pessoal